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Ivan Ilyin: quem é o “fascista cristão” que Putin cita

Admirador de Hitler e Mussolini, depois de Salazar e de Franco, o exilado russo anti-comunista acreditava que a Rússia tinha uma missão divina e que devia ser comandada por um “homem forte” para a cumprir.
Ivan Ilyin.
Ivan Ilyin.

“Se considero a Rússia como a minha pátria, significa que amo e penso em russo, canto e falo em russo, acredito na força do povo russo. O destino do povo é o meu destino. O seu sofrimento é a minha dor. O seu bem-estar é a minha alegria”. Não se trata de uma inocente declaração de amor ao seu país nem só da habitual manipulação de sentimentos patrióticos para justificar a guerra mas é também uma apropriação consciente das palavras de um fascista num momento decisivo.

Foi esta a citação com que Vladimir Putin escolheu encerrar o discurso de 30 de setembro em que anunciou a anexação das zonas ocupadas na Ucrânia. Com ela, fez regressar aos meios de comunicação social o tema do “filósofo de Putin” que tem alimentado muitas páginas nos últimos tempos. Um “campeonato” onde tinha sido destacado até agora Aleksandr Dugin, personagem estimada na extrema-direita russa e europeia, defensor do euro-asianismo, da expansão da Rússia para os territórios do seu antigo império e da guerra cultural contra o que apresenta como valores ocidentais.

Se bem que o tema do grande filósofo que nos daria a chave para a mentalidade de Putin ou para a ideologia do regime seja limitado, não deixa de ser importante analisar a quem Putin dá este tipo de destaque. As palavras citadas anteriormente pertencem a uma obscura figura da extrema-direita do passado, Ivan Alexandrovich Ilyin. Não é a primeira vez que Putin lhe faz referência, tendo sido aliás ele quem ordenou a transladação do seu corpo de Zurique para um mosteiro na Rússia em 2005 e quem recomendou, em 2014, aos governadores regionais a leitura do seu livro “O nosso lado”. E várias outras figuras do regime como o primeiro-ministro Medvedev, que igualmente recomendou a leitura dele mas aos jovens, ou o ministro dos Negócios Estrangeiros Lavrov também o incluem no seu menu de citações. Mas convém igualmente ressalvar que as citações que Putin dele tem feito não são constantes. Terão sido uma meia dúzia ao longo dos último anos e esta última foi a mais destacada.

Trata-se de alguém que se mostrava como um fascista cristão, que chegou a ser admirador de Hitler quando viveu na Alemanha mas depois a perseguição do regime nazi tê-lo-á feito mudar de ideias. Em 1933 tinha publicado um artigo intitulado “Nacional Socialismo. Um Novo Espírito” a elogiá-lo, declarando que a sua visão da Rússia estava “espiritualmente perto” da dos nacional-socialistas partilhando “um inimigo comum e unido, o patriotismo, o sentido da honra, do serviço sacrificial-voluntário, uma atração para a disciplina ditatorial, para a renovação espiritual e o renascimento/reavivar do seu país, e a busca de uma nova justiça social”.

Mussolini era outra das suas referências comparando diretamente o que queria para o seu país com o que este implementava na Itália. Em 1937, escrevia que “propondo as ideias de “soldato” e “sacrificio” como as ideias cívicas principais, o fascismo italiano fala de acordo com a sua tradição Romana das mesmas coisas nas quais a Rus era originalmente baseada e construída: as ideias de Monomakh e Sergius de Radonezh, as ideias dos missionários russos e da colonização russas, as ideias de Minin e Pozharsky, as ideias de servidão, as ideias de Pedro o Grande e Suvorov, as ideias do Exército Russa e do movimento Branco”.

Gabava a ambos o anti-comunismo e as práticas anti-democráticas que salvariam os valores morais absolutos do cristianismo. Só que preferia o monarquismo e, depois de terem passado o seu momento, em 1948 no artigo “Sobre o Fascismo”, criticava-lhes o “cesarismo idolatra” e dizia preferir então Franco e Salazar que estariam a “tentar evitar estes erros” que os “patriotas russos” também deviam evitar para serem bem sucedidos.

O seu cristianismo não era de dar a outra face mas de “prender, condenar e matar a tiro” como escreveu num livro denominado “Sobre resistir ao mal usando a força” de 1925. Aí defendia que a violência devia ser aplicada em nome do amor “contra os inimigos da ordem divina na terra”.

E o seu fascismo, ilustrado no artigo “Sobre o Fascismo Russo” de 1928, pretendia ser não só uma resposta ao comunismo mas também à democracia: “o fascismo emergiu como reação ao bolchevismo, como uma concentração das forças protetoras do Estado à direita. Durante o desencadeamento do caos esquerdista e do totalitarismo esquerdista, este foi um fenómeno saudável, necessário e inevitável. Esta concentração continuará, até nos Estados mais democráticos: na hora de perigo nacional, as forças saudáveis do povo irão sempre concentrar-se na direção da segurança e da ditadura. Foi assim na Roma Antigo, foi assim na nova Europa e vai continuar a ser”.

A sua visão da Rússia era a de um país com um destino divino. A Rússia seria um país inocente que teria escapado ao mal, atraindo assim os seus ataques. Portanto, bem e mal definir-se-iam de acordo com o que se posiciona a favor ou contra a Rússia. E, nela, o poder devia recair “todo por si só no homem forte”.

O historiador Timothy Snyder num ensaio no The New York Review explica que “algum do seu trabalho tem um caráter divagante e de senso comum mas uma há uma corrente do seu pensamento que é coerente ao longo das décadas: a justificação metafísica e moral para o totalitarismo político que é expresso em esboços práticos para um Estado fascista”. O académico conclui que o pensamento de Ilyin “ajuda os cleptocratas russos de hoje a retratar a desigualdade económica como inocência nacional” e a “transformar a política internacional numa discussão sobre ameaças espirituais”.

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