Trabalho

Impugnação de despedimento: Supremo clarifica, “mas mantém-se o problema de fundo da lei”

11 de julho 2024 - 10:13

O Supremo Tribunal de Justiça deu razão a um trabalhador da Galp, permitindo-lhe contestar o seu despedimento apesar de só ter devolvido a compensação 31 dias após o recebimento. Deputado bloquista José Soeiro diz que o acórdão é importante, embora o problema esteja na “norma amordaçante” que acaba por validar despedimentos ilícitos.

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sombras de pessoas na rua
Foto de Paulete Matos.

O caso que opõe a Galp a um trabalhador despedido de uma fábrica de lubrificantes e que pretendia contestar o despedimento teve mais um capítulo da batalha judicial, desta vez no Supremo. O acórdão agora divulgado pelo Jornal de Negócios dá razão ao trabalhador contra a Galp e está de acordo com a decisão da Relação, que contrariara a da primeira instância.

Em causa está o artigo do Código do Trabalho onde se presume “que o trabalhador aceita o despedimento quando recebe a compensação” por despedimento. Esta norma, desde sempre contestada pelo Bloco de Esquerda, pode ser afastada “desde que em simultâneo o trabalhador entregue ou ponha, por qualquer forma, à disposição do empregador a totalidade da compensação pecuniária recebida”. A questão jurídica que tem divido os tribunais tem a ver com a interpretação dada à palavra “simultâneo”, com decisões a recusarem a contestação em casos em que a devolução foi feita num prazo de 13 dias, outros a exigirem a devolução imediata ou “num prazo curto” e outros a admitirem que pudesse ser feita até ao prazo para a impugnação.

Na decisão tomada em junho, o Supremo determina que o legislador entendeu por “simultâneo” não a devolução imediata do valor da compensação mas a “prática simultânea dos dois atos”. Na prática, a nova jurisprudência permite que essa devolução seja feita “até à instauração de procedimento cautelar ou ação de impugnação de despedimento”, o que os juizes do Supremo consideram ser “mais conforme pelo respeito pelo direito de acesso à justiça”.

No caso concreto em apreço, tratava-se de um despedimento coletivo feito pela Galp em 2021, em que a empresa transferiu cerca de 30 mil euros a título de compensação por despedimento. 31 dias depois, o trabalhador devolveu o dinheiro para a conta bancária da empresa e passados quatro dias informou-a por carta com aviso de receção que não aceitava o despedimento, reclamando a reintegração no seu posto de trabalho, os salários intercalares desde a propositura da ação e uma indemnização de 5 mil euros por danos não patrimoniais. Na primeira instância judicial, o tribunal absolveu a empresa sem se pronunciar sobre a ilicitude do despedimento considerando que o trabalhador tinha aceitado o despedimento por não ter devolvido a compensação por despedimento em tempo oportuno. No recurso, o Tribunal da Relação deu razão ao trabalhador e foi a Petrogal a recorrer para o Supremo, que voltou a não lhe dar razão. Agora o processo vai regressar à primeira instância onde o tribunal irá decidir sobre a questão principal da licitude o ilicitude do despedimento.

Norma que dificulta contestação a despedimentos ilegais ”é uma das maiores indignidades do Código do Trabalho que temos”

Para o deputado bloquista José Soeiro, este é “um acórdão importante porque clarifica, em favor do trabalhador, uma dúvida que os tribunais resolviam de modo diferente. Mas o problema de fundo da lei mantém-se, isto é, continua a ser necessário que, para contestar um despedimento que considera ilícito, o trabalhador devolva a compensação a que terá sempre direito, mesmo que perca o processo”.

Esta “norma amordaçante” tem dificultado o exercício de um direito pelo trabalhador e servido também para “validar despedimentos ilícitos caso o trabalhador não consiga ou não tenha condições para devolver a compensação”, pelo que José Soeiro a considera ”uma das maiores indignidades do Código do Trabalho que temos”.

A norma integrou a legislação laboral até ao Governo de António Guterres, que acabou com ela. Mas foi recuperada pela reforma ao Código do Trabalho do ministro Bagão Félix, durante o governo de Durão Barroso em 2003. Os governos seguintes do PS nunca aceitaram voltar a retirá-la. O Bloco de Esquerda tem-se batido pela revogação desta norma, contando sempre com a oposição da direita mas também do PS, que chegou a aprovar essa revogação na generalidade em 2019 para depois voltar atrás na comissão da especialidade e assim mantê-la no Código do Trabalho.