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História do Dia Internacional do Trabalhador

O 1º de Maio só se tornou feriado nacional em Portugal após o 25 de Abril de 1974, mas foi sempre assinalado desde que se começou a comemorar no mundo, em 1890, após os acontecimentos de Chicago. Foi o tema da conversa com Maria Alice Samara, conduzida por Fernando Rosas e Mariana Carneiro, para o podcast “Convocar a História”.
1º de Maio de 1962 – foto de Blogue O Castendo, António Vilarigues https://ocastendo.blogs.sapo.pt/1378275.html
1º de Maio de 1962 – foto de Blogue O Castendo, António Vilarigues https://ocastendo.blogs.sapo.pt/1378275.html

Neste artigo, resumimos a conversa sobre a história do 1º de Maio que foi realizada para o podcast Convocar a História, com a participação de Maria Alice Samara, Fernando Rosas e Mariana Carneiro. Este artigo não substitui a audição do podcast, que pode ser descarregado aqui: https://www.esquerda.net/sites/default/files/5.mp3.

O 1º de Maio nunca deixou de ser assinalado em Portugal, mas só se tornou feriado nacional após a Revolução de Abril. O 1º de Maio de 1974 constituiu então uma grande explosão popular, “uma espécie de prefácio do processo revolucionário que então se inicia”, salienta Fernando Rosas.

Porque o Dia Internacional do Trabalhador é celebrado a 1 de Maio

O trabalhador já era celebrado pela tradição da Igreja Católica, havia um S. José Operário, refere Fernando Rosas.

Acontecimentos de Chicago

“O 1º de Maio, como o conhecemos, está diretamente relacionado com os Estados Unidos”, afirma Alice Samara, que lembra os acontecimentos de Chicago, de 1896. “Há uma luta que se vem fazendo antes de 1890, com o início do associativismo e a forma de encontro e cooperação entre os operários”.

Massacre de Haymarket em Chicago de http://www.chicagohs.org/hadc/visuals/59V0460v.jpg, autor Harper's Weekly, domínio público wikimedia.commons
Massacre de Haymarket em Chicago de chicagohs.org, autor Harper's Weekly, domínio público wikimedia.commons

“No contexto da luta pelas oito horas de trabalho, tendo Chicago como epicentro”, nasce um movimento de trabalhadores muito significativo, com diversas manifestações e greves. Esse movimento é brutalmente reprimido pela repressão policial, incluindo por polícias privadas dos patrões.

“Perante a violência sobre as greves de Chicago e a repressão da polícia é marcado um encontro, que supostamente seria pacífico, numa das praças de Chicago (Haymarket) onde rebenta uma bomba. Morre um polícia, condenam oito homens, dos quais quatro são enforcados” - “os mártires de Chicago”, conta Alice Samara.

Na sequência da repressão policial nos Estados Unidos, as conferências socialistas de Paris, realizadas em 1889, “pensando quer nos mártires, quer nos combates que têm de ser feitos”, propõem a realização em 1890 da celebração do 1º de Maio, integrada na luta pelas oito horas de trabalho.

Num interessante texto, Eric Hobsbawm aponta que o 1º de Maio não era para ser o Dia do Trabalhador, mas foi tendo tanto sucesso, com variantes, que se foi repetindo e se transformou no Dia do Trabalhador, assinala Alice Samara.

Primeiro Dia do Trabalhador é celebrado em Portugal em 1890

Como havia representantes portugueses nas conferência de Paris, o primeiro Dia do Trabalhador é celebrado em Portugal logo em 1890.

Alice Samara, citando um artigo de Fernando Catroga com o título “Os primórdios do 1º de Maio em Portugal – festa, luto e luta”, salienta que nos primeiros anos o 1º de Maio vai ser sempre comemorado anualmente “tem alturas em que mobiliza mesmo muita gente, depois tem altos e baixos, e ele vai contar como se faziam os desfiles”, tal como na obra de Carlos Fonseca, “O 1º de Maio em Portugal”.

“A Monarquia é relativamente tolerante à celebração do 1º de Maio”, indica Fernando Rosas, lembrando que 1890 é o ano do primeiro pacote de reivindicações.

“A legislação sobre o trabalho das mulheres e menores, com proibição do trabalho noturno de mulheres e menores”, sublinha, recordando que “estamos a falar de uma época em que se trabalha 12 a 14h por dia, (16h se for caso disso). “São as primeiras conquistas de proteção social, num pacote que a monarquia negoceia com o movimento sindical, até no sentido de o separar do republicanismo”.

Sobre a relação das reivindicações operárias de 1890 com a agitação republicana, Alice Samara diz que essa ligação acontece um pouco mais tarde, já no início do século XX, “quando o dinamismo do republicanismo é maior”.

“A repressão do 1º de Maio, depende muito de como é pensado”, indica a investigadora, salientando que “se for em contexto festivo, a repressão é menor”. “Perdura por vezes, em certos locais, no Estado Novo. Quando é de luta, com influência dos anarquistas, a situação é diferente. Tem a ver com que tipo de Maio se está a fazer, de festa ou de luta”, afirma.

1º de Maio de 1919

Mariana Carneiro aponta que com a transição da monarquia para a Primeira República, “o caráter reivindicativo e de luta do 1º de Maio ganha outra dimensão”. “Temos 1919 com a conquista das 8 horas de trabalho por dia e dos 6 dias por semana”, assinala, perguntando a Alice Samara se o dia 1º de Maio nunca foi feriado, a não ser pós-revolução de 74, ao contrário do que aconteceu noutros países.

Comício operário de 1919 – foto de https://app.parlamento.pt/comunicar/v1/201907/59/artigos/art8.html
Comício operário de 1919 – foto de https://app.parlamento.pt/comunicar/v1/201907/59/artigos/art8.html

“Não é feriado nacional. Nalguns casos, na Primeira República, às vezes numa indústria específica ou numa oficina específica poderia ter esta folga e municipalmente poderia haver”, afirma a investigadora. “Nos gráficos havia essa tradição até ao 25 de Abril”, refere Fernando Rosas.

“Durante a Primeira República, o 1º de Maio muito significativo foi o de 1919”, afirma Alice Samara, referindo o “comício em Lisboa, com muita gente, numa altura em que a classe operária estava a colaborar para a restauração da República e lembrando o pacote legislativo. 1

“Não esquecer que são preparadas pelo ministro do Partido Socialista [Augusto Dias da Silva]” e Fernando Rosas aponta que 1919 é um ano emblemático, com o nascimento da CGT e do jornal “A Batalha”.

Depois de 1919, os anos são mais difíceis para o movimento operário, com aumento da repressão e recuo no movimento. “As oito horas nunca vão contemplar os rurais”, o 1º de Maio realiza-se em Lisboa e Porto, mas a partir de 22/23 já começa a ser difícil para ações de luta mais vigorosas, sublinha Alice Samara.

1931, último Primeiro de Maio livre…

Mariana Carneiro introduz o acontecimento e acrescenta: “… tão livre que foi duramente reprimido com fogo de metralhadoras pesadas no Rossio, na avenida da Liberdade, na Mouraria. Três mortos, mais de 20 feridos em Lisboa e também com repressão fortíssima no Porto”. E, aponta outros acontecimentos prévios, como a Revolta da Madeira e a luta estudantil. 1931 é o “ano de todas as revoltas”2.

1931 – Foto terraruiva.pt, Terra Ruiva jornal do concelho de Silves
1931 – Foto terraruiva.pt, Terra Ruiva jornal do concelho de Silves

“O 1º de Maio de 1931 junta a questão nacional e internacional. ‘Ao lado’ é a República espanhola, cá há um grande movimento de protesto dos estudantes universitários, a morte do estudante João Branco no Porto”, destaca Alice Samara, referindo que há ligação entre universitários e trabalhadores, ao mesmo tempo que se dá a revolta da Madeira. “É quase uma tempestade perfeita com questão política, social, estudantil, com esta ideia que a República está a acontecer em Espanha”, afirma, acrescentando que o 1º de Maio é uma brilhante jornada de luta, já com uma “tentativa de um mínimo de coordenação a nível sindical”. “1931 é o ponto mais importante até aos anos 50 e sobretudo 60”, sublinha.

Mariana Carneiro salienta que no 1º de Maio de 1931 e no de 1962 – “um grandioso 1º de Maio” – há envolvimento dos estudantes. E pergunta à investigadora qual o papel que têm os estudantes.

“Estudantes é agregar novos sentidos, reatualizando os sentidos, e a participação dos estudantes tem a ver com isto”, afirma, lembrando o Maio de 1968. “O grande protesto do funeral de João Branco é uma grande manifestação contra a ditadura e cria as condições para este grande entendimento de lutas”, acrescenta.

“É preciso considerar que a greve dos estudantes de 1931 é uma greve encomendada pelos reviralhistas”, afirma Fernando Rosas, salientando que “a participação dos estudantes é mais reviralhista do que em ligação com movimento operário”.

“Em 1962, a luta é essencialmente operária”, sublinha, acrescentando que “o 1º de Maio comemorado em 1962 é um renascimento”. “Entre os anos 30 e 62 a comemoração do 1º de Maio, enquanto jornada de luta, é uma coisa resumida a uma expressão muito diluída”, afirma Fernando Rosas.

Alice Samara concorda, assinalando que “há sempre comemorações festivas”, e que “de tal forma isto era importante que o Estado Novo se tenta apropriar e resignificar o 1º de Maio”, as festas do trabalho, glorificar o trabalho...

1962 – o grande Primeiro de Maio no tempo do fascismo

“Quando há confluência é sempre maior”, assinala Alice Samara, contando que o 1º de Maio se realiza depois da greve pelas 8 horas nos rurais, a mesma reivindicação de 1890, mas decorre também depois de um ano de guerra colonial e junta os estudantes ao movimento dos trabalhadores.

1962 – imagem da capa do “Diário de Lisboa” de 2 de maio de 1962 - Foto terraruiva.pt, Terra Ruiva jornal do concelho de Silves
1º de Maio de 1962 – imagem da capa do “Diário de Lisboa” de 2 de maio de 1962 - Foto terraruiva.pt, Terra Ruiva jornal do concelho de Silves

“É igualmente um 1º de Maio de grande violência policial – morre Estevão Giro - e traz confluência de várias lutas tal como em Chicago em 1896”, aponta Alice Samara.

“O 1º de Maio de 1962 vem culminar aquilo que me parece ser a segunda crise histórica do Estado Novo, que começa com as eleições do general Humberto Delgado em 1958”, afirma Fernando Rosas, recordando que é depois do ano de 1961 – “o annus terribilis do Estado Novo, onde acontece tudo, desde as guerras de Libertação Nacional para Angola e da guerra colonial cá, até à tentativa do putsch militar de Botelho Moniz, da fuga de Caxias, e de “manifestações importantes em novembro de 1961, onde morre o Capilé na Cova da Piedade”.

“1962 é o passo acima – o papel dos estudantes dá um elemento de radicalização importante, dá uma marca inter-classista”, sublinha. E lembra que “o êxito do 1º de Maio de 62 trouxe a questão da luta armada”. Levanta-se a questão “não será a altura de passar para um outro estádio de luta”, que surge na divergência interna no PCP, interpretada pelo Francisco Martins Rodrigues em fins de 1963/64, já no refluxo de 1962”, refere Fernando Rosas, frisando que “o 1º de Maio de 1962 é cheio de significado anterior e posterior”. “A partir de 1962, o 1º de Maio foi festejado todos os anos. O 1º de Maio de 1962 foi uma surpresa para o próprio regime”, frisa.

1º de Maio ficou, 25 de Abril também

Por fim, no debate colocou-se a questão: “como é que o 25 de Abril resiste com tanto vigor quase 50 anos depois? Em termos internacionais é uma coisa muito rara. Mantém um caráter de luta e combate 47 anos depois!”.

“O 25 de Abril é por todos os valores a que está associado, mas agora é também a solidariedade imigrante, as liberdades no plural, as questões ambientalistas”, afirmou Alice Samara, frisando que “a riqueza e a vitalidade do desfile está em que ele abriu-se ao mundo e às novas causas”.

“Há dias, o que se via na rua é que a maioria das pessoas que se manifestavam já nasceram após o 25 de Abril”, salienta Fernando Rosas. “É a atualização do 25 de Abril às novas causas e é isso que permite a adesão sempre atual de amplos setores da juventude”, junta as várias frentes das lutas do presente, deixando de ser uma luta geracional.

Notas:

1 Numa publicação da Assembleia da República, disponível aqui, é possível conhecer o processo de conquista da lei das oito horas de trabalho de 1919.

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