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Haiti: Minustah acusada de importar o cólera

“Levaremos o cadáver até Minustah para que vejam o que fizeram”, disse por telefone Jean-Luc Surfin, de 24 anos, ouvido pela IPS sobre o motivo das manifestações e dos ataques à Missão de Estabilização das Nações Unidas no Haiti. Por Ansel Herz, Ips/Envolverde
Um manifestante haitiano com um cartaz contra as forças de paz, durante uma manifestação em frente de uma base da Minustah, em Porto Príncipe. Foto Ansel Herz/IPS

A raiva popular com esta força de paz culminou, no dia 15, com os distúrbios na cidade de Cap-Haitien, onde, a poucas metros de sua casa, Jean-Luc viu um jovem morto caído na rua. As pessoas aglomeradas ao seu redor acusaram os soldados da Minustah por terem disparado contra o rapaz.

Soldados haitianos confirmaram à imprensa a morte de pelo menos dois manifestantes, um deles com um tiro nas costas. Por sua vez, as forças de paz alegaram ter agido em defesa própria. “As pessoas estão frustradas e por isso vão para as ruas. Dizem que vão lutar contra a morte”, afirmou Jean-Luc à IPS. Os manifestantes ergueram barricadas na rua e atiraram pedras e garrafas contra os soldados da Minustah. Duas esquadras policiais foram incendiadas, contou. Também houve protestos nas cidades de Hinche e Gonaives, no centro do país, assolado pelo cólera.

Os manifestantes tentaram deixar o caixão com o cadáver de um homem que morreu de cólera diante de uma base nepalesa das forças de paz em Hinche, escreveu Stanley Stacos no Twitter. A população haitiana acusa essas forças de terem trazido a cólera para o Haiti. O Centro de Prevenção e Controle de Enfermidades dos Estados Unidos afirmou que a estirpe da bactéria responsável pelo actual foco de cólera no Haiti coincide com a variedade endémica na Ásia meridional.

Estima-se que 200 mil pessoas possam morrer antes de a epidemia ser controlada, o que pode demorar até seis meses. As autoridades esforçam-se para conter o avanço da doença, que já matou mais de 900 pessoas, duas semanas antes das eleições. “A violência pré-eleitoral é tradicional no Haiti”, disse à IPS o porta-voz da Minustah, Vincenzo Pugliese. “As pessoas estão confusas, assustadas, e é fácil manipular em um sentido ou outro”, afirmou.

“Basicamente, Minustah e cólera entraram na política. Estão sendo explorados”, lamentou Vincenzo, negando-se a mencionar uma pessoa ou uma organização. “Alguém está por trás disto. A população não tem meios para comunicar entre si e organizar algo como isto. Há quem a incentive. É claro, faz parte de um plano”, garantiu o porta-voz.

A raiva em relação aos soldados da Minustah fermentou e manifestou-se várias vezes em protestos pacíficos desde que o adolescente Gérard Jean Gilles foi encontrado pendurado numa árvore, no final de Agosto, numa base das forças de paz em Cap-Haitien. Poucos dias depois, uma patrulha da Minustah respondeu com gás lacrimogéneo a uma agressão com pedras. Um soldado foi ferido, segundo uma informação interna desta força.

Dezassete organizações da sociedade civil escreveram uma carta aberta ao chefe da Minustah, pedindo uma investigação independente e condenaram o que chamaram de “a sua decisão de obstruir a justiça haitiana neste caso”. A investigação interna concluiu que Gérard havia se suicidado, disse Vincenzo à IPS.

Uma rua de Champs de Mars, uma praça de Porto Príncipe, no dia 15, ficou inundadas pelo cheiro da borracha queimada que emanava dos restos carbonizados dos pneus incendiados por estudantes da Faculdade de Etnologia, que montaram uma barricada em solidariedade aos manifestantes e atiraram pedras contra veículos da Minustah. Em Maio, as forças de paz responderam com disparos de dissuasão, balas de borracha e gases. Desta vez,bateram em retirada, segundo os estudantes. Vincenzo não confirmou nem desmentiu.

Há mais mobilizações previstas contra a Minustah, afirmaram estudantes. “Protestamos pela mesma razão que o fazem em Cap-Haitien e em Hinche. A Minustah trouxe o cólera. O governo é irresponsável”, disse à IPS Lucien Joseph. “Morreu muita gente e não há uma resposta séria. Todo o país se levantará para pedir a saída da Minustah”, acrescentou o jovem.


Artigo de Ansel Herz, publicado em IPSNews/Envolverde.  

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