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Surto de cólera desnuda a crise da água no Haiti

“Combinada com condições de vida insalubres, a falta de água é um factor importante na exacerbação das crises sanitárias do Haiti”, afirma um relatório recente. Por Ansel Herz, da IPS
Quaurenta por cento dos acampamentos não têm acesso a água e 30% não contam com latrinas. Foto de Edyta.Materka

Porto Príncipe, Haiti - Funcionários haitianos e da Organização das Nações Unidas (ONU) afirmam que a cada dia morrem menos pessoas por cólera, sinal de que o foco desta doença está a estabilizar-se no centro do país, mas acreditam que o pior da epidemia está por vir.

“As áreas afectadas aumentam. É necessária maior capacidade para a coordenação” da ajuda no centro do Haiti, segundo um informe do grupo St. Marc de organizações humanitárias.

Já são mais de 200 os mortos pela epidemia de cólera originada no Rio Artibonito, que percorre o centro do Haiti, e às fortes chuvas e consequentes inundações. Um repórter do canal Al Jazira em inglês mostrou dejectos humanos fluindo das casas de banho de uma base do contingente nepalês da força de paz da ONU para o rio na localidade de Mirebalais, onde há 50 casos de cólera confirmados. “A missão está a preparar-se para focos de cólera em todo o país”, disse à IPS a porta-voz do Escritório das Nações Unidas para a Coordenação de Assuntos Humanitários, Jessica DuPlessis.

No dia 27 de Outubro, uma clínica dirigida pela organização Samaritan’s Purse em Cité Soleil – um assentamento preciosíssimo no extremo norte de Porto Príncipe – informou ter tratado um paciente com “diarreia da água do arroz” e vómitos. O médico da clínica acredita que se trata de cólera, segundo um alerta do Sistema de Aconselhamento Epidémico do Haiti, uma rede independente. O paciente não procedia do centro do país, onde começou a epidemia, ao contrário dos cinco casos de cólera na capital já confirmados pelas autoridades.

Na capital são investigados 20 casos, disse um informe apresentado no dia 26 pelo grupo logístico da ONU. Várias organizações humanitárias afirmam estar a promover a higiene e a educar a população da capital sobre a cólera, que pode se propagar facilmente através da água e de alimentos contaminados. Algumas dessas entidades distribuíram sabão em acampamentos onde 1,3 milhão de pessoas ainda vivem após o devastador terremoto de 12 de Janeiro. “Algumas delas nada fazem por falta de dinheiro”, segundo uma avaliação interna das actividades humanitárias.

Charpon Davidson, de 22 anos, recebeu sabão dos Catholic Relief Services (CRS) no acampamento Carradeux, onde vivem pelo menos 20 mil pessoas. “Não podem simplesmente dar-nos sabão como solução. Há muita gente aqui que já tem a doença”, disse. “Se não podemos beber água tratada, então nunca teremos uma solução para esta doença”, disse Charpon à IPS. Outra mulher perguntou à IPS se a cólera é uma doença natural ou um veneno procedente do estrangeiro.

O acampamento fica na propriedade da CRS, mais exactamente no exterior do seu depósito de materiais. Os habitantes locais não têm fornecimento de água porque os seus tanques de plástico estão vazios, como acontece nos acampamentos de Cité Soleil. “Agora dizem-nos para lavarmos as mãos antes de comer. A epidemia está presente. A CRS disse que nos ajudaria”, afirmou Jacques Pierre, líder do comité do acampamento.

Em Agosto, as três latrinas do acampamento estavam cheias. Nesse momento, Jacques disse à IPS que o pessoal da CRS respondeu ao seu pedido de uma série de latrinas com ameaças de tirá-los da propriedade. Contudo, depois de outra organização humanitária ter pressionado a CRS, começou a construção. Agora são quatro latrinas a funcionar.

“Começaram a fazer algumas pequenas coisas, mas, na realidade, o que precisamos é água. Isso é o mais importante para nós e para as crianças com diarreia”, disse Jacques, acrescentando que também são necessários alimentos. Perguntado se alguma organização apareceu para educá-los sobre a cólera, respondeu que não, “somos ignorados”.

A publicação The Chronicle of Philantropy informou em Julho que o CRS gastou 30 milhões de dólares dos 140 milhões dólares arrecadados para atender os afectados pelo terremoto. Cerca de 21 milhões dólares foram dados pela Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (Usaid) especificamente para fornecer água e saneamento aos acampamentos de Porto Príncipe.

Um alto dirigente de outra organização humanitária, que pediu para não ter o nome revelado, disse à IPS que o CRS não tinha intenção de instalar sistemas de purificação de água nos acampamentos até o próximo ano. “Parece muito tempo para alguém que vive nos acampamentos”, disse. O coordenador de água e saneamento do CRS confirmou que a entidade não tem planos imediatos nessa área, mas disse que está a distribuir água extraclorada a alguns acampamentos utilizando um caminhão.

Um informe divulgado em Setembro pela Iniciativa para o Haiti da City University of New York e da Faculdade de Etnologia do Haiti concluiu que 40% dos acampamentos não têm acesso a água e 30% não contam com latrinas. Mas não são apenas os acampamentos improvisados da capital que precisam de água urgente. A quantidade da população que carece de acesso à água potável aumentou 7% entre 1990 e 2005, segundo um estudo de 2008 realizado pela Partners In Health, uma organização médica que actualmente responde ao foco de cólera no centro do Haiti.

“Combinada com condições de vida insalubres, a falta de água é um factor importante na exacerbação das crises sanitárias do Haiti”, acrescenta o documento. A Comissão Interina para a Reconstrução do Haiti aprovou um único projecto de água e saneamento, de expansão do fornecimento em Porto Príncipe. Custará 200 milhões dólares a serem pagos em cinco anos, mas desta vez apenas 57% estão financiados por doadores internacionais.

1/11/2010

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