Em entrevista ao El Pais, o diretor da agência da ONU para os Refugiados Palestinianos (UNRWA) fala da situação de fome declarada em Gaza e acusa o governo de Israel de continuar a bloquear a entrada de mantimentos da sua agência na Faixa de Gaza desde 2 de março.
“Temos 6.000 camiões carregados entre a Jordânia e o Egito, prontos para serem enviados; isso equivale a dois meses de mantimentos para todo o enclave”, diz Phillipe Lazzarini, lembrando que os camiões que as tropas israelitas deixaram entrar nas últimas semanas não são os da UNRWA. “E grande parte foi saqueada antes de chegar ao seu destino, não necessariamente por gangues armados ou bandos organizados, mas por pessoas desesperadas, famintas”, aponta o responsável da ONU, considerando esta distribuição “indigna e injusta, porque só os mais fortes conseguem chegar”. E quanto à ajuda humanitária lançada do ar, diz ser “pelo menos 100 vezes mais cara do que os camiões, que podem carregar o dobro da ajuda que os aviões”.
Quanto à recente declaração da situação de fome em Gaza por parte de outro organismo das Nações Unidas, Lazzarini refere os alertas que deixou nos últimos meses, mas que não resultaram em nenhuma ação. Diz que os sinais foram detetados nos centros de saúde que a agência mantém no terreno, “onde o número de crianças com desnutrição aguda [na cidade de Gaza] multiplicou-se por seis nos últimos [seis] meses”.
Lazzarini considera ainda “obsceno” que já tenham sido mortas 1.500 pessoas “enquanto procuravam desesperadamente ajuda alimentar nos centros de distribuição criados junto a posições das Forças de Defesa Israelitas, geridos pela infame Fundação Humanitária de Gaza”, a organização criada por soldados israelitas e mercenários estadunidenses para substituir a UNRWA e as ONG na distribuição de alimentos e ajuda.
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Para além do receio que a situação de fome alastre da capital para o resto da Faixa de Gaza, o líder da UNRWA alerta também para os níveis de violência e deslocações forçadas “sem precedentes, que ocupariam seguramente as manchetes de hoje se não fossem eclipsados pelo desastre em Gaza”.
Campanha israelita contra UNRWA sempre foi "uma forma de minar a solução dos dois Estados"
Nesta entrevista, Lazzarini fala ainda da campanha orquestrada pelo governo israelita contra a sua agência, que começou antes de 2023 e tem por objetivo desmantelá-la, de forma a que os palestinianos percam o estatuto de refugiados e o direito de retorno e autodeterminação que lhe está associado. “E, portanto, uma forma de minar a solução dos dois Estados, para alterar os parâmetros de qualquer resolução política futura do conflito”, aponta.
Essa campanha israelita que acusou a agência de estar infiltrada pelo Hamas teve resultados imediatos, com a retirada do financiamento dos EUA e da Suécia à UNRWA, que representava um terço das receitas da agência. Pela positiva, Lazzarini destaca o aumento da contribuição de países como Portugal, Espanha e Luxemburgo, além de um aumento sem precedentes dos donativos privados que, não compensando as perdas, permitiu à agência manter as atividades básicas na Faixa de Gaza.
Quanto ao futuro de Gaza, Lazzarini di que “ninguém sabe qual será” e que a grande questão é saber “se Gaza será ou não no futuro uma terra para os palestinianos”. Numa altura em que se discute uma reocupação por parte de Israel com a expansão dos colonatos, o chefe da UNRWA diz que esse cenário corresponderia a “uma segunda Nakba”, pelo que defende um outro cenário: o da reconstrução no âmbito da Iniciativa Árabe para a Paz, “o único em linha com a solução aceite pela comunidade internacional: a dos dois Estados”.