Vietname

Há 50 anos, uma vitória histórica. Mas a que preço?

30 de abril 2025 - 10:17

A imagem ficou para a história: o pessoal da embaixada dos Estados Unidos em Saigão evacuado de helicóptero. Foi a 30 de abril de 1975.

por

Pierre Rousset

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O sargento James W. Washington do U.S. Marine Corps tirando uma fotografia de um helicóptero Iroquois empurrado borda fora do “USS Blue Ridge” durante a operação de evacuação.
O sargento James W. Washington do U.S. Marine Corps tirando uma fotografia de um helicóptero Iroquois empurrado borda fora do “USS Blue Ridge” durante a evacuação do Vietname com o nome de código “Operação Vento Frequente”, 29 de abril de 1975.

A independência do Vietname foi proclamada pela primeira vez em agosto de 1945 e, em breve, poderíamos estar a celebrar o seu 80º aniversário. De Gaulle decidiu o contrário, enviando uma força expedicionária para reconquistar a sua colónia perdida. A Indochina teve de suportar duas guerras imperiais sucessivas e devastadoras, primeiro a francesa e depois a estadunidense. Washington mobilizou todos os meios à sua disposição para esmagar a revolução vietnamita, certo de que prevaleceria - e foi derrotado. A imagem ficou para a história: o pessoal da embaixada dos Estados Unidos em Saigão evacuado de helicóptero. Foi a 30 de abril de 1975.

Evacuação perto da embaixada dos EUA
A imagem que deu a volta ao mundo: Um funcionário da CIA ajuda os evacuados vietnamitas a entrar num helicóptero da Air America do cimo da Rua Gia Long, 22, a 800 metros da Embaixada dos EUA em Saigão, a 29 de abril de 1975, véspera da queda de Saigão.

Quando, em 1954, foram assinados os Acordos de Genebra com o governo francês de Pierre Mendès-France, o Vietname encontrava-se numa posição estratégica vencedora, uma vez que as forças francesas tinham sido derrotadas de forma decisiva. No entanto, estes acordos de armistício foram particularmente desfavoráveis para o Viet Minh. Foram os “grandes irmãos”, a Rússia e a China, que obrigaram o Viet Minh a abandonar muitas das suas exigências. Teve de retirar as suas tropas para uma “zona de reagrupamento temporário” no norte do país, enquanto o regime de Saigão era livre de reposicionar o seu exército no sul.

Estava prevista a realização de eleições em todo o país, o que teria permitido o triunfo do governo de Ho Chi Minh. É claro que não se realizaram. Os Estados Unidos e o regime de Saigão nem sequer assinaram os acordos, mantendo ostensivamente as suas mãos livres. Aos seus olhos, a divisão do país devia tornar-se permanente, ou mesmo permitir uma contraofensiva militar para derrubar a República Democrática do Vietname (RDVN). O governo Mendès-France passou conscientemente o testemunho a Washington.

Os acordos de Genebra são um dos exemplos clássicos de armistícios que conduzem a uma divisão territorial permanente e a tensões latentes (veja-se o caso da península coreana, que se tornou um “hotspot” nuclear) ou a uma nova guerra, ainda pior do que a anterior (no caso do Vietname, precisamente).

No imediato, o regime de Saigão aproveitou a retirada das forças armadas revolucionárias para lançar uma campanha de eliminação dos quadros do movimento de libertação no Sul e atacar a sua base de massas, nomeadamente entre o campesinato e as tribos das montanhas das terras altas.

Travar o ímpeto revolucionário no Sudeste Asiático

O que estava em causa ia para além da península da Indochina. Washington queria travar o ímpeto revolucionário no Sudeste Asiático. Visava a China a oeste, que já tinha sido ameaçada a leste durante a Guerra da Coreia (1950-1953), e procurava consolidar a supremacia mundial do imperialismo dos EUA. A segunda guerra do Vietname pretendia exemplificar a omnipotência dos EUA. O confronto no Vietname tornou-se assim o ponto nodal da situação mundial em que se desenhava o equilíbrio de forças entre a revolução e a contrarrevolução, por um lado, e entre o chamado bloco ocidental (Estados Unidos, Europa Ocidental, Japão, etc.) e o bloco oriental (China-URSS), por outro.

Embora beneficiasse de uma base social assegurada, nomeadamente, pelos católicos do Norte, o regime (corrupto e ditatorial) de Saigão defraudou as expectativas de Washington, que se viu forçado a envolver-se cada vez mais no conflito, o que conduziu a uma guerra total em todas as frentes, numa escala sem precedentes: envio de centenas de milhares de soldados (os GI, até 550.000 homens no terreno), bombardeamento da República Democrática do Vietname, contra-reforma agrária no Sul, pulverização maciça de desfolhantes (o tóxico Agente Laranja) nas zonas arborizadas, desenvolvimento de tecnologias militares para localizar combatentes escondidos em túneis ou detetar movimentos noturnos das tropas...

Avião Fairchild C-123 Provider da Fotça Aérea dos EUA pulverizando o “Agente Laranja”, um desfolhante concentrado, ao longo das linhas elétricas que ligam Saigão a Dalat, no Vietname do Sul, em 15 de agosto de 1963.
Avião Fairchild C-123 Provider da Fotça Aérea dos EUA pulverizando o “Agente Laranja”, um desfolhante concentrado, ao longo das linhas elétricas que ligam Saigão a Dalat, no Vietname do Sul, em 15 de agosto de 1963. Foto Gary Danvers Collection/Flickr.

Durante a Segunda Guerra da Indochina, todo o poder económico e tecnológico dos Estados Unidos foi mobilizado e despejado no Vietname, um país do Terceiro Mundo de dimensão média. No entanto, Moscovo e Pequim sabiam que os Estados Unidos tinham os olhos postos neles e o Vietname recebeu uma ajuda militar substancial através da fronteira chinesa, mesmo durante a Revolução Cultural. Esta ajuda, por muito importante que fosse, era, no entanto, comedida em termos de qualidade. As armas mais sofisticadas, que teriam permitido proteger os céus do Vietname do Norte, não foram fornecidas. Os “grandes irmãos” não queriam que a RDVN fosse derrotada, o que os teria ameaçado, mas será que queriam a vitória ou acreditavam que ela era possível?

Da ofensiva do Tet em 1968 à queda de Saigão

O conflito assumiu uma dimensão internacional importante, tanto no chamado Terceiro Mundo como nas cidadelas imperialistas. No caso das revoluções russa e chinesa, a solidariedade tornou-se plenamente relevante após a vitória. Para as revoluções vietnamita (e argelina), foi um elemento-chave de uma estratégia em constante adaptação que acabou por conduzir à vitória.

A direção vietnamita compreendeu a importância deste novo campo de ação e o movimento de libertação nacional investiu muito nele, tanto a nível diplomático como em termos de solidariedade militante. Com grande competência, apelou a todo o espetro da solidariedade política. Esta foi uma das marcas da sua estratégia global.

1968 começou no Vietname

16 de dezembro 2018

A solidariedade foi importante em todas as partes do mundo, mas é claro que o movimento anti-guerra dos EUA assumiu um papel especial.

Alguns concluíram que foi o movimento anti-guerra que derrotou Washington, para defender as teses “pacifistas” sobre a inutilidade da luta armada. Um anacronismo enganador. Durante muito tempo, a burguesia americana apoiou o esforço de guerra, tal como a maioria dos cientistas, investigadores e engenheiros chamados a fornecer ao exército as tecnologias de que este necessitava. As fábricas de armamento estavam a funcionar em pleno. É certo que a resistência à guerra aumentou consideravelmente na segunda metade dos anos 60, nomeadamente entre os jovens. No entanto, para que o protesto mudasse de dimensão de forma decisiva, foi necessário que as perdas militares se tornassem demasiado pesadas, que o custo económico do conflito se tornasse demasiado elevado, que a “legitimidade” do imperialismo americano no mundo fosse demasiado prejudicada, que os movimentos dos veteranos se tornassem mais fortes e que a crise política rebentasse em 1972 com o escândalo de Watergate, forçando a demissão de Richard Nixon.

Um B-52 Stratofortress 70144 dos EUA lança uma carga de bombas de 750 libras sobre uma zona costeira do Vietname durante a Guerra do Vietname, em 5 de novembro de 1965. Foto Gary Danvers Collection/Flickr
Um B-52 Stratofortress 70144 dos EUA lança uma carga de bombas de 750 libras sobre uma zona costeira do Vietname durante a Guerra do Vietname, em 5 de novembro de 1965. Foto Gary Danvers Collection/Flickr

Para impor negociações que abrissem uma janela política de oportunidade de vitória, após a ofensiva do Tet de 1968 (derrota militar mas vitória política e diplomática), o movimento de libertação vietnamita impôs negociações cara-a-cara: a RDVN (República Democrática do Vietname) e o GRP (Governo Revolucionário Provisório) no Sul de um lado, os Estados Unidos e o regime de Saigão do outro, desta vez excluindo a presença das grandes potências “amigas” (Moscovo, Pequim). As negociações de Paris foram iniciadas, mas estagnaram. No entanto, desejoso de se desvincular progressivamente em resposta à crise interna, Washington iniciou a sua política de “vietnamização”, retirando progressivamente as suas forças armadas ao mesmo tempo que tentava consolidar o regime de Saigão. A difícil assinatura dos Acordos de Paris, em 27 de janeiro de 1973, sancionou a retirada dos soldados. Dois anos mais tarde, em 1975, foi lançada a ofensiva final, com a queda do exército de Saigão. A guerra chegou finalmente ao fim, quase sem combates. Como uma declaração de facto.

Três décadas de guerra

Uma vitória histórica de grande significado, mas pela qual o povo vietnamita e as forças de libertação pagaram um preço terrível. Três décadas de guerra exauriram a sociedade, esmagaram o pluralismo político, dizimaram os quadros sediados no Sul e deixaram marcas profundas nas organizações que sobreviveram à prova (a começar pelo PCV). O Vietname foi libertado e a revolução prevaleceu, mas sob um regime autoritário. Porque não foi suficientemente apoiada a tempo em 1945, 1954, 1968... “Soldado na linha da frente”, o povo vietnamita travou uma luta de que as lutas populares em todo o mundo - as da minha geração - beneficiaram enormemente. Pagou um preço elevado. Ainda hoje merecem o nosso apoio, mesmo quando são reprimidos pelo seu próprio governo.

Duramente derrotado, Washington nunca deixou de procurar vingança. Impôs o isolamento do Vietname durante uma década, desta vez com o apoio da China. Numa época de grande cisma entre a URSS e a China, Moscovo tornava-se “o inimigo principal” aos olhos de Pequim. Embora a ajuda sino-soviética tivesse sido de grande importância para o esforço de guerra vietnamita, a independência de Hanói era pouco apreciada pelo regime de Pequim. Num novo contexto geopolítico, o Vietname aproximou-se da Rússia, antes de se tornar a vítima direta das reviravoltas das alianças internacionais, quando os EUA e a China apoiaram conjuntamente os Khmers Vermelhos (!) numa nova guerra da Indochina, em 1979. Nessa altura, a realpolitik atingiu o seu auge.

Camboja mergulhado no caos

O “trilho de Ho Chi Minh”, que permitia que as armas chegassem aos combatentes do sul, passava em parte pelo Laos e pelo Camboja oriental, que, sob a égide do príncipe Norodom Sihanouk, não se tinha envolvido significativamente na primeira guerra da Indochina. Ao mesmo tempo que afirmava a sua neutralidade, o príncipe tolerava a presença vietnamita.

Ao bombardear o Camboja em grande escala e ao apoiar o sangrento golpe de Estado de Lon Nol (1969-1970), os Estados Unidos mergulharam o reino na guerra e no caos. Nessa altura, o Camboja não estava nem social nem politicamente preparado para uma verdadeira “guerra popular”, mas criou um vazio do qual os Khmers Vermelhos beneficiaram. Em 17 de abril de 1975, conquistaram a capital. De imediato, esvaziaram a cidade de toda a sua população, antecipando os bombardeamentos dos EUA, segundo disseram na altura. No entanto, enviaram para o exílio interno as pessoas hospitalizadas que não conseguiram sobreviver à provação. A realidade depressa se tornou clara. Os deportados estavam espalhados por todo o país, sem qualquer esperança de regressar. Phnom Penh tornou-se uma cidade dos Khmers Vermelhos, onde funcionava um centro de tortura cuidadosamente administrado, em que todos os “interrogatórios” eram arquivados.

O que é que se estava a passar? Foi nesta altura que nos apercebemos do pouco que sabíamos sobre este movimento multifacetado. Uma ala dos Khmers Vermelhos tinha colaborado com os vietnamitas de ambos os lados da fronteira durante a guerra. Foi vítima de purgas secretas que permitiram à fação de Pol Pot consolidar o seu poder. Era um movimento violentamente etno-nacionalista, racista e particularmente anti-vietnamita. A sua base social? As tribos das colinas do norte (a guarda pretoriana de Pol Pot) e... o exército, que ele controlava. Os Khmers Vermelhos eram descritos como comunistas radicais (?) e maoístas, mas actuavam de forma oposta. De volta aos centros urbanos, o PCC apressou-se a reconstituir uma base operária (criando um estatuto especial para os trabalhadores das empresas públicas). Efectuou uma verdadeira reforma agrária e tomou medidas emblemáticas a favor das mulheres das camadas populares. Tudo isto, evidentemente, enquanto consolidava o seu monopólio do poder e o seu controlo político sobre a sociedade.

Uma revolução cambojana não teria sido, obviamente, uma cópia a papel químico das suas congéneres chinesa ou vietnamita. Mas de que tipo de revolução estamos a falar? Uma revolução camponesa, quando os Khmers Vermelhos submeteram os camponeses a trabalhos forçados? Uma revolução operária, sem a presença sequer de semi-proletários? Burguesa, quando aboliram toda a moeda? E como definir este Estado? Por norma, foi descrito em muitos círculos de esquerda como um Estado operário. Pela minha parte, em 1985, propus a fórmula de um “aborto” de um Estado operário ainda por nascer. Um debate muito complicado, para dizer o mínimo.

E de que tipo de Estado estamos a falar? Até que ponto é que ele existia? Era, no mínimo, embrionário. Acima de tudo, faltava-lhe a base social sobre a qual se construir. Um exército de camponeses tinha-se desligado do campesinato. Perante um tal caso limite, é melhor não nos precipitarmos a esgrimir conceitos. A história “desigual e combinada” da Segunda Guerra da Indochina conduziu ao aparecimento de uma situação de instabilidade crónica no Camboja, onde um exército impôs trabalhos forçados à população para restaurar a antiga grandeza do reino, mesmo que isso implicasse a escavação de uma imensa rede de canais... sem engenheiros para a planear (sendo os intelectuais particularmente visados pelo novo governo, chefiado por um punhado de intelectuais).

A ordem dos Khmers Vermelhos desmoronou-se simplesmente com a intervenção militar vietnamita de dezembro de 1978 a janeiro de 1979. Uma das razões pelas quais Hanói decidiu agir foi o destino da população vietnamita do Camboja, ameaçada de genocídio, tal como outras minorias. No entanto, esta intervenção foi encarada pela maioria da população como uma libertação. Todos os deportados começaram a regressar espontaneamente a casa. O Vietname retirou as suas tropas (as últimas deixaram o país em 1989), depois de instalar um governo “amigo” (mas não vassalo, como a história viria a demonstrar mais tarde).

O poder dos Khmers Vermelhos era irremediavelmente instável. Teria sido capaz de se consolidar no Ocidente e ganhar conteúdo social com a ajuda do exército tailandês, dos traficantes e dos gangs? Se assim fosse, ter-se-ia tornado burguês. Ficção política.

A perspetiva que teria dado uma oportunidade progressista a uma revolução cambojana teria sido incluí-la na solidariedade indochinesa, com o Laos e o Vietname. Uma parte do movimento dos Khmers Vermelhos talvez fosse favorável a isso. O risco de ser dominado por Hanói era real, mas nada poderia ter sido tão terrível como o que aconteceu - centenas de milhares de vítimas -, o que provocou um profundo trauma histórico cuja mancha ainda hoje marca insidiosamente o Camboja.

A Federação Socialista dos Estados da Indochina nunca chegou a existir. Foram muitos os que não a quiseram: Pol Pot, Pequim, Washington, a ONU e Sihanouk, que se deixou manipular pela China e pelos Estados Unidos, dando um verniz de legalidade internacional à guerra suja de 1979.

A guerra sino-vietnamita

Os Khmers Vermelhos Polpotianos reivindicavam direitos históricos sobre o delta do Mekong e tinham feito uma série de incursões assassinas em território vietnamita, antes de Hanói decidir invadir o país em 1978.

Em resposta ao derrube do regime dos Khmers Vermelhos por Hanói, a China decidiu realizar uma “expedição punitiva” em fevereiro-março de 1979. Durou um mês. A fronteira, com 750 quilómetros de comprimento, é maioritariamente montanhosa. O exército chinês efectuou um assalto frontal aos desfiladeiros, apoiado por uma barragem de artilharia e tanques. Conseguiu penetrar no território vietnamita, mas a operação terminou com um duplo fracasso.

Em primeiro lugar, um fracasso militar. A desorganização do exército chinês e as suas lacunas (em matéria de informação e de coordenação do comando) surpreenderam. Contava com o facto de uma grande parte das forças regulares vietnamitas se encontrarem no Camboja, mas as milícias locais revelaram-se capazes de contrariar a ofensiva lançada por Pequim. A exposição destas deficiências provocou uma crise no seio da direção do PCC. A modernização profunda dos seus conceitos e do seu aparelho militar estava ainda por fazer.

Foi também um fracasso estratégico. Hanói não retirou as tropas do Camboja para reforçar as suas defesas no Vietname do Norte. Não houve tréguas para os protegidos dos Khmer Vermelhos de Pequim.

O conflito sino-soviético

A crise sino-khmero-vietnamita representou um dos pontos altos do conflito sino-soviético e consagrou também uma espetacular inversão das alianças internacionais.

As relações entre Pequim e Moscovo sempre foram marcadas pela desconfiança e pela tensão. A revolução chinesa (tal como no Vietname) tinha-se imposto contra a divisão das zonas de influência negociada entre os Estados Unidos e a URSS no final da Segunda Guerra Mundial. Estaline tinha instado Mao a não derrubar o regime de Chiang Kai-sheck. Estaline queria preservar o seu controlo total sobre o movimento comunista internacional. Por último, numa questão particularmente polémica, recusou-se a permitir que a China adquirisse armas nucleares.

A China pagou o preço da política de coexistência pacífica defendida por Nikita Khrushchev, que apoiou a Índia durante o conflito sino-indiano nos Himalaias em 1962. Khrushchev também pôs termo, de forma abrupta, à assistência técnica prestada à economia chinesa. A aproximação entre Moscovo e Washington foi claramente feita à custa dos chineses. A rutura foi definitivamente consumada em 1969, com as guerras fronteiriças sino-soviéticas.

A cisão no “campo socialista” deu a Washington carta branca para jogar um lado contra o outro. Em 1971, Henry Kissinger viajou secretamente para a China para preparar a visita de Richard Nixon a Pequim em 1972, a que se seguiu outra visita a Moscovo.

As consequências nefastas do conflito interburocrático sino-soviético fizeram-se sentir em todo o mundo. A vitória vietnamita em 1975 abriu, no entanto, uma janela de oportunidade, uma vez que Washington já não estava em condições de intervir militarmente em grande escala no estrangeiro. A crise sino-indochinesa de 1978-1979, por seu lado, anunciava a mudança de época dos anos 80, que viu a minha geração militante ser derrotada nos “três sectores da revolução mundial” (Terceiro Mundo, países da Europa de Leste, países imperialistas).


Guerra e revolução (breves notas complementares)

No final da Segunda Guerra Mundial, os ocupantes japoneses destruíram a administração francesa, antes de serem derrotados no teatro de operações do Pacífico. O Viet Minh aproveitou este breve “momento favorável”, que tinha antecipado, para declarar a independência. Agiu muito rapidamente e conservou a iniciativa política, mas numa situação frágil. As suas capacidades militares são fracas e a sua autoridade é contestada, nomeadamente por seitas religiosas e movimentos nacionalistas anticomunistas.

Revolução social e reforma agrária

Com o acordo da China de Chiang Kai-shek, o corpo expedicionário francês bombardeou o porto de Haiphong, no norte do Vietname, em 1946. Assim começou a primeira guerra do Vietname. As propostas de negociação de Ho Chi Minh foram rejeitadas. Como mostra um discurso de Vo Nguyen Giap no seu regresso de Paris, esta possibilidade tinha sido tida em conta pela direção do Partido Comunista Vietnamita.

Dado o equilíbrio das forças militares, esta guerra assumiu a forma de uma guerra revolucionária prolongada. Mobiliza o campesinato. O patriotismo não bastava. O apelo à reforma agrária é essencial. A partir de então, a libertação nacional e a revolução social estão interligadas. Esta será a base sobre a qual a resistência será construída a longo prazo.

Existem “modelos” estratégicos. No entanto, uma estratégia deve ter em conta a evolução da situação, as reações da força inimiga, os resultados das fases anteriores da luta... Na realidade, uma estratégia concreta evolui e combina frequentemente elementos que pertencem a diferentes “modelos”. Os vietnamitas nunca deixaram de adaptar a sua estratégia.

Uma estratégia combina diferentes formas de luta. A adaptabilidade estratégica significa também saber parar a luta armada quando esta já não é necessária.

Uma decisão difícil

Depois de 1954, o relançamento da resistência armada contra o regime de Saigão foi adiado. A decisão de retomar a luta armada, que foi gradualmente implementada na segunda metade da década de 1950, não deve ter sido fácil de tomar, sabendo que desta vez seriam os Estados Unidos a entrar na luta. Mas qual era a alternativa? No mínimo, aceitar a divisão do país ad vitam æternam, como na Coreia. Abandonar sem apoio as redes militantes e as bases sociais do movimento de libertação do Sul, face a uma ditadura sem escrúpulos. Deixar a iniciativa a Washington, caso este decida atacar a República Democrática do Vietname.

A perspetiva de uma emancipação social e democrática

Quando setores sociais significativos entram em resistência armada, é porque a violência dos poderes estabelecidos é insuportável. A guerra popular abre (potencialmente) uma dinâmica de emancipação social que, no entanto, corre o risco de se esgotar quando se prolonga no tempo. Na Ásia, onde os conflitos nunca cessaram, a questão que se coloca não é apenas histórica. É preciso encontrar constantemente respostas concretas para um duplo problema: como evitar que os grupos armados degenerem (acontece...)? Como defender, na prática, a liberdade democrática de decisão e os direitos das comunidades de base ou de montanha que os combatentes deveriam proteger? Temos uma grande experiência neste domínio, nomeadamente com os nossos camaradas de Mindanau, no sul do arquipélago das Filipinas.

Na Birmânia, quando a junta militar tomou todo o poder há quatro anos, pode dizer-se que (quase) todo o país entrou em desobediência cívica não violenta. A junta poderia ter sido derrubada, se ao menos a “comunidade internacional” tivesse dado o seu apoio a tempo. Mais uma vez, não foi esse o caso. E a repressão acabou por obrigar a resistência da planície central a aderir à luta armada, liderada nomeadamente pelas minorias étnicas. Mais uma vez, não se tratava de uma escolha a priori, mas de uma obrigação.

26 de abril de 2025

 


Pierre Rousset é fundador do International Institute for Research and Education de Amesterdão e da associação Europe Solidaire et Sans Frontières. É especialista na política do sul da Ásia sobre a qual escreveu vários livros. Artigo publicado na revista International Viewpoint.