"Há uma gigantesca transferência do salário para o capital"

26 de fevereiro 2011 - 3:55

O Bloco vai interpelar o governo na próxima quarta-feira sobre o efeito das Parcerias Público-Privadas nas contas do Estado e apresentará propostas para travar a especulação no preço dos combustíveis. As iniciativas foram anunciadas por Francisco Louçã no Porto, numa sessão pública sobre a moção de censura ao governo.

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Sessão pública do Bloco na Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação, no Porto

"Vamos discutir com o ministro das Finanças as consequências do juro extorsionário que o Estado paga pelas PPP, de 12% a 15% , por 30 ou 40 anos, uma renda que vai ser paga com dinheiro dos nossos impostos", afirmou Louçã, que identificou estas parcerias, a par dos impostos e dos juros da dívida pública, como uma das formas da "gigantesca transferência do salário para o capital, para o juro, para o lucro". "Esta é forma como querem organizar a economia e é isso que a sra. Merkel vai dizer a José Sócrates", no encontro da próxima quarta-feira. "Sua majestade convocou o primeiro-ministro a despacho", ironizou o dirigente bloquista.

Nesta sessão que juntou centena e meia de pessoas no auditório da Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação, Louçã referiu-se à subida do preço dos combustíveis e repetiu as críticas sobre a situação desse mercado em Portugal, afirmando que a Autoridade da Concorrência "é um instrumento de fingimento para que o governo fuja à responsabilidade". "Basta andar na auto-estrada e olhar os painéis de preços para ver o que se está a passar: eles estão combinados", disse Louçã antes de anunciar que o Bloco apresentará propostas nos próximos dias para que o governo aceite desta vez a imposição de regras e impeça este desvio de "milhões de euros que se acumulam nas mãos de quem monopoliza o mercado".

Louçã afirmou que "esta é uma economia que destrói os mais jovens" e deu o exemplo dos estágios na advocacia e arquitectura com que tinha confrontado José Sócrates no debate quinzenal desta sexta-feira. "Hoje forçámos o governo a aceitar o que não tinha aceite: que esses jovens têm direito a ser pagos e a descontar para a Segurança Social", disse o deputado bloquista, lembrando as palavras de Sócrates no debate e o voto contrário da bancada socialista a essa mesma proposta há apenas três meses. "A moção de censura intervém para defender estes trabalhadores, para lutar por eles e inverter o curso duma economia que os vai destruir", concluiu Louçã.

Também sobre a moção de censura intervieram Rui Feijó, do Movimento de Intervenção e Cidadania, e a deputada do Bloco Catarina Martins. Para Rui Feijó, "não é totalmente claro que as coisas estejam resolvidas quanto ao resultado da moção, mas o mais importante é saber o que fazer depois". Lembrando a participação comum na campanha de Manuel Alegre, afirmou que "ainda falta dar um passo importante nesse diálogo à esquerda em Portugal" e que vê na moção de censura do Bloco "uma série de reivindicações que podem constituir uma plataforma dirigida à maioria da esquerda no parlamento".

Catarina Martins criticou a reacção da direita ao protesto dos jovens precários, referindo que "dizem agora a esta geração que os seus pais, que ganham 700 ou 800 euros, têm direitos a mais. Que os avós, que têm pensões de 200 e 300 euros, têm direitos a mais". E acrescentou que a proposta do PSD de introduzir contratos a termo que não são escritos "é tão absurda que até faz o PS parecer de esquerda". "Quando o tema dos desemprecários está na agenda política, também com esta moção de censura, a direita vem dizer-nos que se devem tirar todos os direitos", acusou a deputada, lembrando também que "o PS quer agora pôr os trabalhadores a descontar para pagarem o seu próprio despedimento". Para contrariar o discurso que a precariedade é boa para diminuir o desemprego, Catarina Martins lembrou a luta vitoriosa dos precários do Metro do Porto, que acabaram por ser integrados na empresa. "Mas alguém ficou mais pobre por causa disso? Alguém perdeu o emprego? Não, eles conseguiram direitos!"

Foi de precariedade e falta de direitos laborais que falou também Ricardo Salabert, activista do movimento Fartos d'Estes Recibos Verdes. "A precariedade no sector público torna sobre-humano o esforço de prestação de serviços públicos de qualidade", afirmou Salabert, denunciando também as falsas promessas do governo para o emprego jovem. Por exemplo, com o Contrato Emprego Inovação, "a troco de uns míseros euros a mais no subsídio, o desempregado vai trabalhar para o Estado sem ter direitos, e ao mesmo tempo mascara-se a falta de recursos humanos no sector público". Ricardo Salabert apelou às mobilizações marcadas para o mês de Março pelos sindicatos, precários e professores, sublinhando que "não há liberdade enquanto houver precariedade".

A abrir a sessão pública, Miguel Portas interveio sobre "as revoluções por contágio" nos países árabes. "Estamos a assistir a um processo histórico comparável ao da queda do Muro de Berlim ou às transformações na América Latina", disse o eurodeputado bloquista, informando também que Marisa Matias tinha participado essa tarde numa manifestação no Cairo em solidariedade com o povo líbio e pela democratização no Egipto. Miguel Portas criticou os governos da União Europeia e dos Estados Unidos por "quando têm de escolher entre os Direitos Humanos e os negócios, escolhem sempre os negócios". Sobre a possibilidade de intervenção da NATO na Líbia, o eurodeputado diz que lhe falta "autoridade moral: quem apoiou ditadores não tem autoridade para ir lá intervir. Os líbios e a comunidade internacional são perfeitamente capazes de resolver os seus problemas com as ditaduras, como fizeram egípcios e tunisinos".

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