Guardas costeiros gregos acusados da morte de dois migrantes

17 de fevereiro 2022 - 18:06

Sidy e Didier, dois migrantes em busca de vida melhor na Europa, foram detidos em terra, colocados num barco e terão sido atirados ao mar pela guarda costeira grega, segundo uma investigação de vários jornais.

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Embarcação com migrantes. Foto do Sea Watch II.
Embarcação com migrantes. Foto do Sea Watch II.

Uma investigação do Lighthouse Reports, Mediapart, Guardian e Der Spiegel recolheu vários testemunhos segundo os quais dois migrantes que viajavam numa embarcação da Turquia para a Grécia terão morrido depois de terem sido atirados ao mar por guardas costeiros gregos.

Sidy Keita, de 36 anos, tinha saído da Costa do Marfim depois de participado nos protestos contra o presidente Alassane Ouattara. Didier Martial Kouamou Nana, um mecânico de 33 anos, viera dos Camarões na tentativa de se juntar ao irmão que vive em França. Em meados de setembro de 2021, os corpos sem vida dos dois homens foram encontrados na costa da região turca de Aydin.

A 15 de setembro, 36 pessoas tinham embarcado de madrugada num bote perto de Kusadasi. Conseguiram chegar ao cabo Prasso, em Samos, na Grécia, perto do nascer do sol. A informação desta chegada foi dada pela ONG Human Rights Legal Project que avisou a polícia local, a agência de refugiados da ONU, um representante da Comissão Europeia na ilha e os serviços responsabilidades pelos pedidos do estatuto de refugiado.

Em terra, os migrantes ouviram o que lhes pareceram ser tiros. Na fuga que se seguiu, oito conseguiram escapar às autoridades. Os restantes, nos quais se incluíam crianças, um bebé e uma grávida, foram imediatamente apanhados, colocados em dois botes salva-vidas e lançados ao mar. As organizações humanitárias acusam as autoridades gregas de recorrerem frequentemente aos chamados “pushbacks” em que, sem qualquer processo legal e muitas vezes com recurso à violência, se forçam os migrantes a regressar de volta aos países de onde vieram, mesmo com risco de vida.

Para além de entrevistas com mais de uma dezena de testemunhas, esta história foi corroborada por documentos secretos e imagens de satélite, entre outras fontes. O Guardian usa nomes fictícios para não identificar as vítimas. Jean diz ter sido espancado “com a maior das violências” com socos na cara e no estômago. Pascaline conta que lhe levaram o dinheiro que trazia e que mandaram o seu bebé para um dos botes salva-vidas “como se tivessem a atirar um caixote do lixo”. As embarcações acabaram por ser recolhidas pela guarda costeira turca.

Das oito pessoas que tinham conseguido fugir, quatro conseguiram chegar a um campo de refugiados. Os outros foram mais tarde apanhados. Uma mulher e três homens. A mulher, detida sozinha, foi também vítima de um pushback e acabou por ser resgatada pela guarda costeira turca. Dos três homens, só um ficou para contar a história, o camaronês que estes órgãos de comunicação social nomearam Ibrahim. Este contou que lhes ficaram com os telemóveis e dinheiro, foram conduzidos para o porto, levados numa lancha e depois lançados ao mar sem sequer terem um colete salva-vidas. Foi o único a alcançar com vida a costa turca. Os seus companheiros não sabiam nadar.

O testemunho de Ibrahim é o único relato dos últimos momentos de Sidy e Didier. Mas os jornais europeus conseguiram confirmar junto de dois responsáveis gregos, que prestaram declarações sob anonimato, a existência deste tipo de práticas por parte da guarda costeira grega que pretende com isso poupar dinheiro nos pushbacks, não gastando botes, e evitando explicações sobre o seu desaparecimento do património público. Alegam contudo que nesses casos, habitualmente, são dados coletes salva-vidas para que as pessoas possam nadar até à costa. A guarda costeira turca informa que, desde dezembro, já resgataram 11 pessoas nestas condições.

As organizações humanitárias continuam a denunciar os pushbacks. Lorraine Leete, do Centro Legal de Lesbos, defende que estes são “atrocidades contra a humanidade pelas quais a Grécia e a UE terão de responder mais cedo ou mais tarde devido às fortes e acumuladas provas de crimes cometidos nas suas fronteiras.”