Geolocalização e Covid-19: instrumento de saúde pública ou de opressão?

17 de abril 2020 - 20:59

Apple e Google desenvolvem aplicação para telemóveis para alertar quem se cruzou com um utilizador infetado. O lançador de alerta Edward Snowden e a organização norte-americana de direitos civis ACLU são alguns dos que se questionam sobre a finalidade do projeto.

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telemóvel
Foto Pennsylvania National Guard/Flickr

As duas gigantes da tecnologia, Apple e Google, fizeram uma parceria para desenvolver uma forma que permita a quem tem um smartphone perceber se esteve em contacto com alguém infetado com covid-19.

De acordo com o comunicado de imprensa divulgado pelas duas empresas, a tecnologia será baseada na sinalização de Bluetooth que estes telemóveis podem enviar e receber e funcionará da seguinte forma: se uma pessoa for testada positivamente para a covid-19, notifica as autoridades de saúde através de uma aplicação. Depois, cabe às autoridades governamentais alertar todas as pessoas que estiveram em contacto com essa pessoa nos últimos 14 dias.

As empresas insistem que a privacidade, transparência e consentimento são da maior importância nesta aplicação”. Mas já se levantaram várias vozes críticas a este projeto.
A American Civil Liberties Unit (ACLU)  redigiu uma longa análise a esta tecnologia onde questiona vários aspectos desta funcionalidade, nomeadamente os riscos para a privacidade, direitos e liberdades. “Uma ferramenta bem desenhada pode trazer benefícios à saúde pública, mas uma ferramenta má pode trazer riscos desnecessários e significativos para a privacidade, direitos e liberdades”, aponta a ACLU.

Neste momento o protocolo utilizado para seguir as pessoas infetadas tem sido através de entrevistas. Alterar este sistema para uma tecnologia baseada na localização ou proximidade pode não trazer benefícios para a saúde pública. Isto porque, de acordo com a ACLU, para este sistema funcionar tem de ser “generalizado, gratuito, e possível de testar rapidamente”. Mas para que essa generalização aconteça é necessário que as pessoas confiem neste sistema. E isso exige uma ferramenta que “proteja a privacidade, seja de acesso voluntário, e armazene os dados no seu equipamento individual, ao invés de num servidor centralizado.

A ACLU divulga no seu site um comunicado com os princípios pelos quais devem ser guiadas estas tecnologias.

Comissão Europeia recomenda a recolha de dados pessoais para levantar restrições do confinamento

A Comissão Europeia recomendou aos estados-membros, esta quarta-feira, o desenvolvimento de uma ferramenta de recolha de dados pessoais, de forma anónima, para acompanhar o desenvolvimento da pandemia.  Esta é, de acordo com a Comissão, uma medida essencial para gerir o levantamento de restrições.

No documento a que a agência Lusa teve acesso, esses dados “se agrupados e utilizados em formato anónimo e agregado em conformidade com as regras da UE em matéria de proteção de dados e privacidade, poderiam contribuir para melhorar a qualidade da modelização e previsão da pandemia a nível da União”.

Bruxelas clarificou mais tarde que a utilização de dados de localização em aplicações móveis de rastreamento para tentar conter a pandemia Covid-19 “viola” as regras comunitárias, aconselhando antes o recurso às redes Bluetooth.

Edward Snowden diz que “governos estão a usar o coronavírus para construir a arquitectura da opressão”.

Numa entrevista recente à VICE o antigo analista contratado pela CIA, Edward Snowden, avisa que vários países estão a usar o coronavírus para estabelecer regimes ditatoriais. Para Snowden, o autoritarismo está a espalhar-se e os cidadãos estão a sacrificar os seus direitos em nome do combate à pandemia.

Em causa estão as recentes utilizações de tecnologia para a recolha de dados em parceria com empresas de telecomunicações. O analista de sistemas pergunta: “Acredita mesmo que esses dados não vão ser mantidos? Não interessa a forma como estão a ser utilizados, o que está a ser construído é a arquitetura da opressão”.

Nesta entrevista, Snowden critica o governo dos Estados Unidos da América por gastar dinheiro a controlar cidadãos e menosprezar a tecnologia que poderia realmente salvar vidas, como a aquisição de ventiladores. O reforço da vigilância em tempo de pandemia foi também o tema central da conversa sesta semana entre Snowden e o jornalista Glenn Greenwald, do portal de informação Intercept, no programa "System Update", que pode assistir aqui em vídeo: