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França: Islamofobia chega às praias

O presidente da câmara de Cannes, do partido de Sarkozy, decidiu proibir o uso do burkini. O Coletivo contra a Islamofobia em França (CCIF) aponta que a proibição é um ataque às liberdades individuais e é "discriminatória” contra as mulheres muçulmanas, “apontando-as como alvo e amalgamando-as com grupos terroristas”.

Na sequência da proibição do uso do burkini imposta em Cannes, em Villeneuve-Loubet e na comuna de Sisco, na Córsega, que já levou a que três mulheres tivessem sido multadas, o Coletivo contra a Islamofobia em França (CCIF, ver em islamophobie.net) apresentou queixa ao Conselho de Estado, considerando que “tal medida coloca os cidadãos uns contra os outros”.

O burkini foi criado, em 2003, por Aheda Zanetti, que fundou a marca Ahiida. A ideia da designer libanesa procurava ultrapassar as dificuldades de muitas jovens que pretendiam praticar desporto e, ao mesmo tempo, respeitar a crença islâmica que restringe os trajes das mulheres. O burkini cobre todo o corpo com exceção das mãos, pés e face. Até à decisão do presidente da Câmara de Cannes, não havia qualquer polémica em França sobre o burkini.

A medida do autarca de Cannnes iniciou uma larga campanha islamofóbica, com tomada de posição de políticos da direita (nomeadamente da UMP de Sarkozy), da extrema-direita (Frente Nacional) e do primeiro-ministro Valls e de ministros do seu governo.

“Este verão estamos a ser testemunhas de histeria e islamofobia”, afirmou o porta-voz do CCIF, Marwan Muhammad, tendo acrescentado que estas medidas são um ataque às liberdades fundamentais uma vez que configuram um ato de discriminação das mulheres muçulmanas.

Por seu turno, o porta-voz da Federação dos Muçulmanos do Sul, Feiza Ben Mohamed manifestou a sua surpresa com a decisão do tribunal administrativo de Nice ter manifestado o seu apoio às autoridades locais no sentido de proibir o burkini, argumentando que "este põe em causa a luta contra os atos terroristas".

Refira-se que as autoridades locais que proibiram o uso deste vestuário, consideram que o fato de banho muçulmano demonstra, “de forma ostensiva, a pertença a uma religião, numa altura em que a França e os seus locais de culto religiosos são alvo de ataques terroristas, [o que] pode provocar distúrbios da ordem pública”.

Esta polémica ganhou expressão mediática após o tribunal de Nice ter validado, na passada sexta-feira, o decreto municipal de Cannes, que proíbe o uso daquele vestuário nas praias.

Na sequência desta decisão, três mulheres foram multadas e outras seis que tomavam banho “demasiados vestidas”, segundo o jornal local Le Matin, foram advertidas e acabaram por abandonar a praia ou mudar de vestuário.

O primeiro-ministro francês, Manuel Valls já veio dar o seu apoio aos autarcas que decidiram proibir o uso do burkini.

Numa entrevista ao jornal La Provence publicada esta quarta-feira, Valls considerou que o mesmo “não é compatível com os valores da França e da República” e por essa razão disse “entender a posição tomada pelos presidentes de Câmara que optaram pela proibição”.

“As praias como todo o espaço público têm que ser preservadas de todas as reivindicações religiosas”, disse Valls tendo acrescentado que “o burkini não é uma nova gama de fatos de banho. É a tradução de um projeto contra sociedade, fundado, entre outros, numa submissão da mulher”.

Entretanto, a questão do burkini levou também a ministra da Família, Infância e Direitos da Mulher, Laurance Rossignol, a classificar o burkini como a “versão balnear da burka, uma peça de vestuário que cobre integralmente o corpo e o rosto das mulheres muçulmanas em determinados países árabes".

A governante disse ainda que cabe “aos autarcas avaliar as alterações da ordem pública que possam vir a ter lugar”, acrescentando que não se deve utilizar a questão com fins partidários ou religiosos".

Violentos incidentes

A utilização do burkini já esteve na origem de violentos confrontos numa localidade situada na Córsega.

De acordo com testemunhas citadas pela agência France Presse (APF) houve problemas, quando um pretenso grupo de turistas adolescentes supostamente fotografavam mulheres de origem magrebina que estavam a tomar banho com burkini. A situação levou a confrontos e os residentes atiraram pedras e garrafas tendo ainda incendiando três carros, o que provocou cinco feridos e vários danos materiais.

Após este incidente cerca de 200 pessoas, provavelmente organizadas pela extrema-direita, fizeram um protesto a cerca de 20 quilómetros da cidade de Bastia e marcharam até ao bairro social de Lupino, onde residem várias famílias de imigrantes ou de origem africana, gritando: “ esta casa é nossa”.

Na sequência destes incidentes, o autarca do partido Socialista, Ange-Pierre Vivoni, proibiu o uso de burkinis tendo justificado a sua decisão como uma suposta “medida de segurança tendente a proteger a população muçulmana" e a "pôr fim às tensões religiosas", uma vez que na Córsega têm-se registado vários atos de vandalismo contra mesquitas.

Em comunicado, a Liga dos Direitos do Homem de França (LDH) afirma que o autarca de Cannes “mergulha no ódio religioso”. A LDH acusa-o de “desviar a laicidade da sua vocação”, organizar a discriminação contra mulheres “que não cometem qualquer delito” e de ao “apoiar-se no estado de emergência e fazendo explicitamente referência aos últimos atentados” realizar uma “amálgama perigosa para a paz social”.

A islamofobia tem vindo a aumentar em França, acompanhando o crescimento da extrema-direita e fomentada por esta.

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