Na tarde desta sexta-feira, havia em França mais de 120 pontos de bloqueio de estradas, 12.000 agricultores nas ruas e 6.000 tratores envolvidos em ações de protesto. Números que ilustram a amplitude do movimento de protesto que crescido ao longo dos últimos dias.
Várias colunas de tratores estão a bloquear oito auto-estradas só na região parisiense, uma marcha lenta dirige-se a Lyon para a “cercar” e um comboio de agricultores está às portas do mercado grossista de frescos de Rungis, considerado o maior do mundo, e que abastece toda a região parisiense. 15 pessoas foram detidas por “entraves à circulação” apenas nesta última ação.
O governo desvia culpas para Bruxelas pelos problemas dos agricultores franceses e lança esperanças sobre a cimeira europeia desta quinta e sexta-feira onde a questão agrícola estará em cima da mesa. À margem da cimeira, o presidente francês Emmanuel Macron encontrar-se-á com a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, sobre o mesmo tema.
O primeiro-ministro Gabriel Attal, numa declaração política geral pronunciada esta terça-feira na Assembleia Nacional, prometeu ir “ao encontro sem nenhuma ambiguidade” das preocupações do setor e promover uma “exceção agrícola francesa”, apesar de conceder “nem tudo será resolvido em algumas semanas”. Agilização da entrega dos subsídios da Política Agrícola Comum, aumento de benefícios fiscais não especificados, fundo de emergência para a viticultura e um “grande plano de controlo sobre a proveniência dos produtos”, foram as poucas medidas lançadas para tentar amainar a fúria dos agricultores.
Mercosul, Ucrânia, regulamentações ambientais
Em tempo de inflação que aumenta custos de produção, o movimento dos agricultores tem-se queixado sobretudo de alguns fatores que estariam a esmagar as suas margens de lucro e que ameaçariam o seu futuro: a concorrência externa, nomeadamente da Ucrânia, nos efeitos futuros do acordo com o Mercosul e nas regulamentações ambientais europeias contidas no chamado Pacto Verde.
A Comissão Europeia está já a tentar ir ao encontro de algumas das reivindicações, tendo-se antecipado esta quarta-feira à cimeira europeia anunciando que irá suspender este ano a medida que obriga os agricultores a manter 4% das suas terras em pousio para receber ajudas da Política Agrícola Comum. Esta suspensão depende da condição dos agricultores cultivarem 7% dos terrenos com culturas intermédias ou fixadoras de azoto. A Copa-Cogeca, organização europeia de grandes “sindicatos” agrícolas, respondeu desde logo que é uma medida “tardia” dado o calendário agrícola e “limitada”.
Bruxelas anunciou ainda a introdução de “medidas de salvaguarda” para limitar volumes de importações de produtos agrícolas provenientes de fora da União Europeia em caso de perturbações do mercado. Isto significa na prática introduzir limitações às importações provenientes da Ucrânia, nomeadamente as de cereais.
Para além disso, fez saber que as conversações para um acordo de livre comércio com o Mercosul, bloco que inclui países de forte produção agrícola como o Brasil, a Argentina, o Uruguai e o Paraguai, estão em pausa. O ministro da Agricultura Marc Fesneau e o da Economia Bruno Le Maire têm-se desdobrado em declarações sobre a rejeição francesa do acordo.
Protestos pela Europa, conflitos entre a Europa
Não é só em França que os agricultores têm feito este tipo de ações. Na Alemanha, Polónia, Roménia, Grécia, Bélgica e mais recentemente na Itália, ações de protesto têm-se sucedido. Neste último país, esta quarta-feira milhares de agricultores estiveram nas ruas, prometendo chegar a Bruxelas se for preciso.
Nas próximas semanas, anunciam os principais sindicatos agrícolas espanhóis, haverá mobilizações também.
As tensões entre França e Espanha sobre este tema subiram de tom no domingo depois das declarações de Gabriel Attal numa visita a uma exploração agrícola na qual se queixou da “concorrência desleal” de agricultores de “países vizinhos”. O primeiro-ministro francês procurava dar resposta aos grupos de agricultores que bloquearam a fronteira e destruíram bens alimentares produzidos pelos espanhóis. Os agricultores franceses protestam por causa das diferenças salariais relativamente aos vizinhos cujos trabalhadores ganham menos permitindo às empresas concorrer com preços mais baixos e por do outro lado da fronteira haver menos restrições fitosanitárias. Os espanhóis contrapõem que cumprem todas as diretivas europeias sobre o setor. O mesmo o fez Luis Planas, Ministro da Agricultura, da Pesca e da Alimentação, que afirmou, segundo o Le Monde que “as normas de produção e comercialização são similares, não existe nenhuma vantagem competitiva derivada da aplicação de normas distintas, classificando o que disse o governante francês como “não sendo normal no quadro de um mercado único”.
A grande distribuição também visada
Para além da concorrência interna, outra face dos protestos é o conflito de interesses entre agricultores e os setores da distribuição e as grandes cadeias de hipermercados.
O Mediapart assinala que têm existido centrais de compras da grande distribuição bloqueadas, por exemplo da Auchan e do Carrefour, supermercados invadidos e entradas de fábricas barradas “contra a corrida à baixa dos preços aos consumidores levada a cabo pelos gigantes do agro-alimentar”.
Membros da Confédération Paysanne estão a ocupar um supermercado Leclerc em Saint-Nazaire e até a patronal Federação Departamental dos Sindicatos de Exploradores Agrícolas, FDSEA, a maior organização de agricultores, viu membros seus bloquearem uma fábrica da Lactalis em Haute-Saône por esta estar a pagar o leite abaixo dos seus concorrentes.
As contas de um dos agricultores que bloqueava uma central do Carrefour nos arredores de Caen ilustram este descontentamento: “vendo em perda [cinco euro por quilo] e encontro a minha produção à venda por 20 ou 30 euros o quilo nos supermercados”.
Isto apesar de terem sido publicadas no últimos anos em França três séries de leis, chamadas Egalim, supostamente para garantir o equilíbrio face à desigualdade entre agricultores e grande distribuição e fazer repercutir o custo das matérias-primas agrícolas nos preços finais, que supostamente acabariam com o dumping e as promoções agressivas às custas dos produtores.
Com a grande distribuição altamente concentrada nas mãos de Leclerc, Carrefour e Intermarché, os agricultores lançam agora suspeitas de que estas empresas abrem centrais de compras fora de França com o objetivo de contornar as leis e pressionar os agricultores. O Leclerc tem a sua central de compras em Bruxelas, o Carrefour em Madrid.