Fórum Socialismo: Assistência sexual a pessoas com diversidade funcional

08 de setembro 2023 - 15:28

No fim de semana de debates de 8 a 10 de setembro em Viseu, Ana Rocha Pinho e João Manuel de Oliveira apresentarão o painel "Assistência sexual a pessoas com diversidade funcional: o que falta mudar?".

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Foto Pxfuel.

A assistência sexual, de acordo com a Plataforma Europeia de Assistência Sexual, pode ser definida genericamente como o ato de apoiar adultos com diversidade funcional em todo o espectro da sua sexualidade e é realizada por pessoas que têm as competências necessárias para prestar um apoio de qualidade para uma relação íntima e/ou sexual. Estas pessoas são responsivas a diferentes condições de diversidade funcional e possibilitam uma experiência íntima e/ou sexual de forma profissional e durante um período especificado. O serviço tem por base a premissa de que cada pessoa é única, tal como a sua sexualidade o que, por sua vez, se estende à relação estabelecida entre pessoa e assistente sexual, tendo sempre em conta o tipo de diversidade funcional e experiência sexual (EPSEAS, 2023). 

O modelo social da deficiência que se posiciona mostrando a organização da repressão social sobre os corpos sob a forma de deficiência, evidencia que a diversidade de corpos e a segregação a que estão socialmente votados ultrapassa em muito a compreensão biomédica. A incapacidade está relacionada com os aspetos biológicos e corporais, enquanto que a deficiência é mais centrada na organização social dessa repressão sobre os corpos (Fontes, 2009). O modelo social da deficiência ao salientar essa dimensão de uma forma de opressão socialmente organizada implica encontrar formas, centradas nas pessoas com deficiência, de impedir que as mesmas sejam prejudicadas nos seus direitos, criando medidas e eliminando obstáculos, o que também é parte desse percurso de autonomia.

 Muitas vezes, trata-se de encontrar soluções de respeito pela auto-determinação, dentro das comunidades, e pelo usufruto dos mesmo direitos ao corpo, à intimidade, à sexualidade. Nem menos, nem mais, os mesmos. Contudo a situação da incapacidade pode influir, como também influi o modo como a sociedade organiza essa opressão. A assistência sexual enquadra-se nessas medidas de autonomia, de respeito pelos direitos e pela auto-determinação das pessoas com deficiência na sua intimidade e no usufruto de direitos sexuais, como o restante da população. 

A situação atual é muito fragmentada e, consequentemente, existem tantas definições e operacionalizações de assistência sexual como ONGs e associações que trabalham neste campo em toda a Europa. Algumas das organizações existentes apoiam a ideia de uma formação específica necessária para as pessoas se tornarem assistentes sexuais, enquanto outras não consideram esse elemento um critério obrigatório para a prestação do serviço. Algumas destas organizações apoiam a ideia da assistência sexual como uma experiência recíproca em que há envolvimento afetivo e/ou sexual entre assistente sexual e pessoa com diversidade funcional – o que pode envolver penetração e sexo oral –  enquanto outras concebem a assistência sexual como uma forma de acesso da pessoa ao próprio corpo, nomeadamente através do apoio antes, durante e depois das relações sexuais com outras pessoas e, no caso da pessoa com diversidade funcional não conseguir fazê-lo por si mesma e o desejar, através de práticas de masturbação (Real, 2021). Neste domínio, por se tratar de uma temática ainda em processo de discussão com diversas propostas, a própria nomenclatura utilizada é alvo de problematizações face aos termos assistência sexual e acompanhamento sexual (Passada, 2019). 

Segundo o mapeamento da literatura realizado por Pinho, Oliveira e Nogueira (2020) a nível legal, na Europa, a abordagem da assistência sexual tende a alinhar-se com a regulamentação existente aplicada aos serviços sexuais comerciais, mais especificamente ao trabalho sexual. Nesse sentido, pode considerar-se que em países onde os serviços sexuais são legais, a assistência sexual é uma atividade reconhecida. Isto é, a assistência sexual é uma prática bem estabelecida, ainda que não existam diretrizes específicas e universais em torno dela. Em países sem enquadramento legal, que não criminalizam a prestação de serviços sexuais, mas a prática do lenocínio, a assistência sexual está sujeita à forma como a discussão sobre a atividade é feita e analisada em cada país, com alguns lugares a tolerarem a prática de forma mais positiva do que outros. Nesta situação tendem a surgir associações que promovem a assistência sexual e que operam numa base não lucrativa para evitar serem criminalizadas por lenocínio. Em países com sistemas abolicionistas, que criminalizam tanto o lenocínio como as pessoas que recorrem aos serviços, além das organizações também as pessoas com diversidade funcional que recorrem a serviços sexuais podem enfrentar processos criminais. 

O quadro seguinte pretende ilustrar sinteticamente os principais marcos de lutas pelo reconhecimento da assistência sexual e regulamentação existente em diversos países europeus   

País

Marcos de lutas pelo reconhecimento

Regulamentação existente

Holanda

1980: criação da Associação de Assistência Alternativa (SAR)

  • Não existe a legalização da figura e função de assistência sexual;
  • Serviços sexuais legais (assistência sexual insere-se neste enquadramento, tal como o trabalho sexual);
  • Estado financia serviço em 1-2 sessões mensais.

Alemanha 

1995: reconhecimento social da assistência sexual

  • Não existe a legalização da figura e função de assistência sexual;
  • Serviços sexuais legais (assistência sexual insere-se neste enquadramento, tal como o trabalho sexual, sendo alvo da mesma regulamentação, nomeadamente de registo compulsório obrigatório de quem pratica este serviço).

Suíça

2000: inicia-se discussão sobre a temática com criação da Associação Sexualidade e discapacidade plural

2008: primeiro curso de formação sobre assistência sexual, abrindo a possibilidade de se constituírem organizações sem fins lucrativos que promovem a assistência sexual, como é o caso da Cuerpos solidários e da BodyUnity

  • Serviços sexuais legais (assistência sexual insere-se neste enquadramento, tal como o trabalho sexual). A nível nacional existe uma regulamentação por leis laborais e não criminais com prestadores/as de serviços sexuais a pagarem impostos e terem direito a proteção social;
  • No caso específico da Suíça os diferentes cantões têm autonomia de aplicar regulamentação e em Genebra existe um reconhecimento da assistência sexual, ainda que com obrigatoriedade de registo na polícia por parte de quem presta os serviços.

Dinamarca

1987: assistência sexual começa a ser abordada como figura distinta, sob o termo conselheiros/as sexuais

  • Não existe um enquadramento legal para a prestação de serviços sexuais, criminalizando-se o lenocínio;
  • Ministério dos Assuntos Sociais e Integração atribuiu legalmente a cuidadores/as o dever de auxiliar pessoas com diversidade funcional em questões de masturbação, relações com parceiros/as e/ou contacto com profissionais;
  • Estado comparticipa o acesso à assistência sexual.

Bélgica

2008/2009: criação da Aditi, organização que oferece aconselhamento, informação e apoio a pessoas com diversidade funcional

 

  • Não existe um enquadramento legal para a prestação de serviços sexuais, no entanto na região flamenga a figura encontra-se em processo de reconhecimento distinto do trabalho sexual.  

Espanha

2000: surge o Foro de Vida Independiente y Diversidad

2013: inicio de reuniões para discutir temática, das quais emergem diferentes visões na forma de definir e operacionalizar a assistência sexual, bem como distintas organizações a trabalhar a temática: Tadem Team Barcelona (responsável por consolidar o primeiro protocolo que promove a facilitação da assistência sexual), Tu manos mis manos, entre outras.

 

  • Não existe um enquadramento legal para a prestação de serviços sexuais;
  • Há quem defenda um papel semelhante ao trabalho sexual e outros que pretendem uma demarcação.

Itália

2013: criação da LoveGiver que apresentou uma proposta de lei 

  • Proposta de lei formulava o direito à masturbação, sendo profissionais de saúde a recrutar os/as assistentes sexuais. Previa-se a um número limitado de sessões, não podendo a remuneração ser paga diretamente pelo/a cliente com diversidade funcional.
  • O código legal italiano revogou qualquer forma de regulação tanto da assistência sexual como do trabalho sexual

França

2005: inicia-se o debate

2007: surge coletivo discapacidades e sexualidades

2011: introduz-se discussão no parlamento, com uma sessão em 2012 para o reconhecimento desta figura 

  • Sistema abolicionista, criminaliza tanto o lenocínio como clientes;
  • Comité Consultivo Nacional de Ética foi contactado, argumentando que a assistência sexual constituía uma prática que estimulava a comercialização do corpo. Nesse sentido o parecer foi desfavorável, não se obtendo reconhecimento; 
  • A secretaria de Estado das pessoas com diversidade funcional, Sophie Cluzel, encontra-se a reabrir novamente o debate sobre a assistência sexual.

República Checa

2015: criada uma lista com 5 assistentes sexuais 

2019: adicionados 13 profissionais.

Freya é a associação que assumiu a função de assegurar a segurança e qualidade da prestação de serviços de assistência sexual

  • Decorreu um debate público que refletiu sobre questões ético-legais da assistência sexual. 
  • Departamento de Política de Segurança e Prevenção de Crimes do Ministério do Interior concluiu ser possível a implementação do projeto de assistência sexual sob a legislação existente que criminaliza o lenocínio. 
  • Foram criadas listas de profissionais que exercem o serviço 

 

 

Especificamente em Portugal, existe um vazio legal no que diz respeito à prestação de serviços sexuais e um desconhecimento da existência de assistentes sexuais. No entanto, estudos e movimentos sociais têm vindo a demonstrar a importância de debater esta questão trazida pelas pessoas e para as pessoas interessadas na temática. 

 

 

Referências

EPSEAS (2023). What is Sexual Assistance?.Disponível em: https://www.epseas.eu/en/page/181

Passada, M. N. M. (2019). Discapacidad y sexualidade em Europa. Hacia la construcción del acompañamiento sexual. Revista Española de Discapacidad, 7(I), 133-152

Fontes, Fernando (2009). Pessoas com deficiência e políticas sociais em Portugal: Da caridade à cidadania social. Revista Crítica de Ciências Sociais, 86, 73-93

Pinho, A. R., Oliveira, J. M., & Nogueira, C. (2020a). A (i)legalidade da assistência sexual na Europa: Mapeamento da literatura e reflexões sobre políticas públicas de saúde sexual. Gênero e Direito, 9(4), 1-26. Disponível em: https://periodicos.ufpb.br/ojs2/index.php/ged/article/view/51016/3044

Real, C. M. (2021). Disability, sexuality and the law: discussing sexual assistance in a comparative perspective. DPCE online, 2(47), 1773-1798

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