A assistência sexual, de acordo com a Plataforma Europeia de Assistência Sexual, pode ser definida genericamente como o ato de apoiar adultos com diversidade funcional em todo o espectro da sua sexualidade e é realizada por pessoas que têm as competências necessárias para prestar um apoio de qualidade para uma relação íntima e/ou sexual. Estas pessoas são responsivas a diferentes condições de diversidade funcional e possibilitam uma experiência íntima e/ou sexual de forma profissional e durante um período especificado. O serviço tem por base a premissa de que cada pessoa é única, tal como a sua sexualidade o que, por sua vez, se estende à relação estabelecida entre pessoa e assistente sexual, tendo sempre em conta o tipo de diversidade funcional e experiência sexual (EPSEAS, 2023).
O modelo social da deficiência que se posiciona mostrando a organização da repressão social sobre os corpos sob a forma de deficiência, evidencia que a diversidade de corpos e a segregação a que estão socialmente votados ultrapassa em muito a compreensão biomédica. A incapacidade está relacionada com os aspetos biológicos e corporais, enquanto que a deficiência é mais centrada na organização social dessa repressão sobre os corpos (Fontes, 2009). O modelo social da deficiência ao salientar essa dimensão de uma forma de opressão socialmente organizada implica encontrar formas, centradas nas pessoas com deficiência, de impedir que as mesmas sejam prejudicadas nos seus direitos, criando medidas e eliminando obstáculos, o que também é parte desse percurso de autonomia.
Muitas vezes, trata-se de encontrar soluções de respeito pela auto-determinação, dentro das comunidades, e pelo usufruto dos mesmo direitos ao corpo, à intimidade, à sexualidade. Nem menos, nem mais, os mesmos. Contudo a situação da incapacidade pode influir, como também influi o modo como a sociedade organiza essa opressão. A assistência sexual enquadra-se nessas medidas de autonomia, de respeito pelos direitos e pela auto-determinação das pessoas com deficiência na sua intimidade e no usufruto de direitos sexuais, como o restante da população.
A situação atual é muito fragmentada e, consequentemente, existem tantas definições e operacionalizações de assistência sexual como ONGs e associações que trabalham neste campo em toda a Europa. Algumas das organizações existentes apoiam a ideia de uma formação específica necessária para as pessoas se tornarem assistentes sexuais, enquanto outras não consideram esse elemento um critério obrigatório para a prestação do serviço. Algumas destas organizações apoiam a ideia da assistência sexual como uma experiência recíproca em que há envolvimento afetivo e/ou sexual entre assistente sexual e pessoa com diversidade funcional – o que pode envolver penetração e sexo oral – enquanto outras concebem a assistência sexual como uma forma de acesso da pessoa ao próprio corpo, nomeadamente através do apoio antes, durante e depois das relações sexuais com outras pessoas e, no caso da pessoa com diversidade funcional não conseguir fazê-lo por si mesma e o desejar, através de práticas de masturbação (Real, 2021). Neste domínio, por se tratar de uma temática ainda em processo de discussão com diversas propostas, a própria nomenclatura utilizada é alvo de problematizações face aos termos assistência sexual e acompanhamento sexual (Passada, 2019).
Segundo o mapeamento da literatura realizado por Pinho, Oliveira e Nogueira (2020) a nível legal, na Europa, a abordagem da assistência sexual tende a alinhar-se com a regulamentação existente aplicada aos serviços sexuais comerciais, mais especificamente ao trabalho sexual. Nesse sentido, pode considerar-se que em países onde os serviços sexuais são legais, a assistência sexual é uma atividade reconhecida. Isto é, a assistência sexual é uma prática bem estabelecida, ainda que não existam diretrizes específicas e universais em torno dela. Em países sem enquadramento legal, que não criminalizam a prestação de serviços sexuais, mas a prática do lenocínio, a assistência sexual está sujeita à forma como a discussão sobre a atividade é feita e analisada em cada país, com alguns lugares a tolerarem a prática de forma mais positiva do que outros. Nesta situação tendem a surgir associações que promovem a assistência sexual e que operam numa base não lucrativa para evitar serem criminalizadas por lenocínio. Em países com sistemas abolicionistas, que criminalizam tanto o lenocínio como as pessoas que recorrem aos serviços, além das organizações também as pessoas com diversidade funcional que recorrem a serviços sexuais podem enfrentar processos criminais.
O quadro seguinte pretende ilustrar sinteticamente os principais marcos de lutas pelo reconhecimento da assistência sexual e regulamentação existente em diversos países europeus
País |
Marcos de lutas pelo reconhecimento |
Regulamentação existente |
Holanda |
1980: criação da Associação de Assistência Alternativa (SAR) |
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Alemanha |
1995: reconhecimento social da assistência sexual |
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Suíça |
2000: inicia-se discussão sobre a temática com criação da Associação Sexualidade e discapacidade plural 2008: primeiro curso de formação sobre assistência sexual, abrindo a possibilidade de se constituírem organizações sem fins lucrativos que promovem a assistência sexual, como é o caso da Cuerpos solidários e da BodyUnity |
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Dinamarca |
1987: assistência sexual começa a ser abordada como figura distinta, sob o termo conselheiros/as sexuais |
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Bélgica |
2008/2009: criação da Aditi, organização que oferece aconselhamento, informação e apoio a pessoas com diversidade funcional
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Espanha |
2000: surge o Foro de Vida Independiente y Diversidad 2013: inicio de reuniões para discutir temática, das quais emergem diferentes visões na forma de definir e operacionalizar a assistência sexual, bem como distintas organizações a trabalhar a temática: Tadem Team Barcelona (responsável por consolidar o primeiro protocolo que promove a facilitação da assistência sexual), Tu manos mis manos, entre outras.
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Itália |
2013: criação da LoveGiver que apresentou uma proposta de lei |
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França |
2005: inicia-se o debate 2007: surge coletivo discapacidades e sexualidades 2011: introduz-se discussão no parlamento, com uma sessão em 2012 para o reconhecimento desta figura |
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República Checa |
2015: criada uma lista com 5 assistentes sexuais 2019: adicionados 13 profissionais. Freya é a associação que assumiu a função de assegurar a segurança e qualidade da prestação de serviços de assistência sexual |
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Especificamente em Portugal, existe um vazio legal no que diz respeito à prestação de serviços sexuais e um desconhecimento da existência de assistentes sexuais. No entanto, estudos e movimentos sociais têm vindo a demonstrar a importância de debater esta questão trazida pelas pessoas e para as pessoas interessadas na temática.
Referências
EPSEAS (2023). What is Sexual Assistance?.Disponível em: https://www.epseas.eu/en/page/181
Passada, M. N. M. (2019). Discapacidad y sexualidade em Europa. Hacia la construcción del acompañamiento sexual. Revista Española de Discapacidad, 7(I), 133-152
Fontes, Fernando (2009). Pessoas com deficiência e políticas sociais em Portugal: Da caridade à cidadania social. Revista Crítica de Ciências Sociais, 86, 73-93
Pinho, A. R., Oliveira, J. M., & Nogueira, C. (2020a). A (i)legalidade da assistência sexual na Europa: Mapeamento da literatura e reflexões sobre políticas públicas de saúde sexual. Gênero e Direito, 9(4), 1-26. Disponível em: https://periodicos.ufpb.br/ojs2/index.php/ged/article/view/51016/3044
Real, C. M. (2021). Disability, sexuality and the law: discussing sexual assistance in a comparative perspective. DPCE online, 2(47), 1773-1798