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A falta de água provocada por Israel

Israel proíbe os camponeses palestinianos de utilizar essa água, e até mesmo aproveitar a água da chuva. A justificação israelita para isso é que “a água vem do céu à terra sagrada de Israel”. Artigo de José Coutinho Júnior, enviado especial do Brasil de Fato à Palestina.
450 mil colonos israelitas consomem a mesma quantia de água que a população inteira da Palestina.

A falta de água na Palestina é um problema crónico, que não ocorre por conta do clima árido ou da falta de chuva, mas sim por causa do racionamento e controlo imposto por Israel, que se apropriou dos lençóis freáticos, lagos e rios palestinianos, proibindo o acesso da população local.

As vilas agrárias palestinianas próximas de Nazaré são vastas terras, capazes de produzir ração, cebola e melancia. Mas há algo curioso sobre elas: são cortadas por um extenso canal de água, resultante de um desvio feito por Israel no lago Tibete, localizado nas Colinas de Golã. Na área das vilas esse canal é aberto, mas há uma cerca que impede o acesso dos palestinianos à água por toda a extensão do canal. Israel proíbe os camponeses palestinianos de utilizar essa água, e até mesmo aproveitar a água da chuva.

Além de sofrer pela falta de água, mesmo com a abundância do recurso natural passando pelas propriedades, as terras das vilas são baixas, e sem poder armazenar e tratar a água da chuva, ela cai diretamente no solo, fazendo com que, ano após ano, as terras percam fertilidade. O canal também conta com épocas de cheias que alagam as terras dos camponeses. “Somos como um macaco que tem a função de levar a água para o mestre, mas que morre de sede depois do trabalho exaustivo”, lamenta Sobhi Sgier, representante da União dos Comités Árabes.

Em todos os locais da Palestina é possível ver os efeitos da falta de água. Nas vilas agrárias, o controlo israelita das fontes naturais impedem os camponeses de aproveitar a água para produzir; nas cidades, todas as casas têm tanques pretos grandes nos tetos, para armazenar a pouca água que se tem, e os campos de refugiados sofrem por ter pouca ou nenhuma água, muitas vezes por conta do governo da Autoridade Palestina não libertá-la pelo facto dos refugiados não pagarem taxas.

A questão da água sempre foi estratégica para Israel: no início da ocupação, em 1948, as áreas mais férteis da Palestina, geograficamente próximas a lagos e rios, foram tomadas e os israelitas criaram colónias. O Rio Jordão, que costumava ser utilizado pelos camponeses palestinianos para irrigar a sua produção, hoje tem 95% da sua área confiscada por Israel. Dados da Amnistia Internacional de 2009 apontam que uma pessoa israelita consome 300 litros de água por dia, enquanto os palestinianos consomem no máximo 70 litros, o que significa que 450 mil colonos utilizam a mesma quantia de água que a população inteira da Palestina; em algumas comunidades rurais, os camponeses sobrevivem com menos de 20 litros diários, e cerca de 200 mil camponeses não têm acesso à água corrente, além de o exército israelita proibir o uso de água da chuva.

A cidade de Sier, a 10 quilómetros de distância de Hebron, com uma população de mais de 30 mil pessoas, maioritariamente produtores de uvas, enfrenta quotidianamente problemas com a falta de água. “Temos muitas fontes de água próximas, mas não temos o controle sobre elas. Quem tem esse domínio é Israel. Nossa agricultura sofre muito com isso”, afirma o prefeito de Sier, Kayed Jaradat.

Além do controlo político pelo domínio da água, Israel beneficia-se economicamente, vendendo a água furtada dos palestinianos de volta para eles. Segundo Aysar Alsaifi , refugiado do campo de Deheishe, existem três grandes lençóis freáticos na Cisjordânia, mas os palestinianos não podem utilizá-los pois Israel controla-os. “Essa água é vendida para a Autoridade Palestina, que a distribui para a população. Aqui no campo de refugiados, apenas uma semana por mês abrem a torneira para pegarmos água”, conta.

Terra santa, solo sírio

No entanto, não são só os palestinianos que sofrem com o controlo da água por Israel. As Colinas de Golã são vilas romanas com mais de 2 mil anos. Os territórios pertencem à Síria, mas foram ocupados por Israel em 1967 depois da guerra dos seis dias. Cinco distritos israelitas existem hoje nas colinas, e 10 mil remanescentes sírios vivem sob ocupação. A região é estratégica do ponto de vista militar, por fazer fronteira com a Síria e com a Jordânia: uma cerca de mais de 100 quilómetros de extensão marca as fronteiras do território ocupado pelos israelitas.

Essa cerca separou muitos camponeses das suas terras e dos seus parentes. Muitas famílias encontravam-se na cerca para poder se ver, proibidos de passar para o outro lado. Ocorrem aí inúmeros conflitos e mortes entre a população local e o exército de Israel.

Mas Golã também é importante pela sua abundância em água. Um terço da água consumida em Israel é extraída das colinas. Os remanescentes sírios que ainda vivem lá precisam de permissão para construir reservatórios de água, ou até mesmo para aproveitar a água da chuva. A justificação israelita para isso é que “a água vem do céu à terra sagrada de Israel”.

Muitos camponeses, maioritariamente produtores de maçãs, apresentaram queixas na Justiça contra isso, mas foram condenados pela lei israelita a pagar multas por construir reservatórios sem permissão.

Além de relevante economicamente, a agricultura em Golã exerce o papel político de impedir um avanço ainda maior nas terras sírias. “Aprendemos uma lição ao ver a ocupação israelita na Palestina: terra na qual não se produz, Israel ocupa. Por isso, até mesmo em áreas de montanha e rochosas, desenvolvemos algum tipo de produção. Para conseguir produzir nesse tipo de terra, pegamos o solo húmido de poços para forrar as pedras e plantar”, afirma Fouzi Aber Saler, camponês de Golã.

Vários lagos, que são uma grande fonte de água, onde confluem água de vales e montanhas, foram confiscados por Israel, e empresas do país exploram e comercializam esta água. A única alternativa para os moradores locais foi criar uma cooperativa de irrigação, distribuição e armazenamento de água, responsável por comprar água das empresas israelita e distribuir aos camponeses a um preço menor.

Além das dificuldades de acesso, os sírios são obrigados por Israel a pagar mais caro pela água. Perto das Colinas há uma colónia israelita com alto padrão de vida, onde moram 40 famílias que, segundo os moradores das Colinas, consomem a mesma quantia de água que toda a vila de 10 mil pessoas. Os moradores dessa colónia pagam 25 centavos para cada shekel (moeda israelita), preço que os sírios pagam pela água.

Para Sobhi Sgier, o controlo da água faz parte de “uma política racista israelita, que tem como objetivo exercer pressão para que os camponeses vendam suas terras. Ficar nas nossas terras produzindo é uma forma de manter a tradição milenar de lidar com a terra viva. Tradição essa que quero passar para os meus filhos, pois é ela que mantém a unidade do nosso povo, inclusive na nossa forma de enxergar o mundo e de nos comunicar. O dia em que vendermos nossas terras, perdemos a batalha”.

 

Artigo publicado no portal Brasil de Fato.

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