Ex-presidente da APA tem pedreiras no Parque Natural da Arrábida

14 de outubro 2024 - 12:59

Nuno Lacasta é dono de 15% de cinco das onze pedreiras licenciadas no Parque Nacional da Arrábida. Esteve à frente da Agência Portuguesa do Ambiente durante doze anos e diz que pediu escusa de lidar com o setor das pedreiras.

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Nuno Lacasta é dono de pedreiras na Arrábida
Nuno Lacasta é dono de pedreiras na Arrábida

Uma reportagem da TVI emitida na semana passada descobriu que cinco das onze pedreiras licenciadas no Parque Nacional da Arrábida, com contratos de exploração assinados com a Secil, a Cimpor e outras empresas de exploração de pedra, pertencem à família de Nuno Lacasta, que liderou a Agência Portuguesa do Ambiente entre 2012 e o início deste ano. Os contratos garantem uma renda aos proprietários, acrescida de um valor variável consoante o volume de pedra extraído.

Atualmente, Lacasta é proprietário de 15% das pedreiras, uma parcela recebida em herança da mãe, com a restante parcela a pertencer ao irmão e ao pai, confirmou o próprio à TVI após dois meses de insistência. Ao longo do seu mandato, a APA foi acusada de proteger o negócio das pedreiras, mas o ex-presidente nega e afirma que pediu escusa de lidar com este setor enquanto esteve à frente da agência.

Em 2021, um documento da APA para clarificar quais os resíduos que podiam ser depositados nos buracos de escavação foi criticado pelos ambientalistas, que acusaram a agência de estar “a transformar-se as pedreiras em lixeiras”, alertando para o risco de contaminação dos lençóis freáticos, pois ao contrário dos aterros, nas pedreiras não existe a camada de argila e a tela que impedem a infiltração.

“Toda a gente da área sabe que vão parar às pedreiras materiais contaminados, de forma ilegal. Chamamos a isto ‘camuflados’: no fundo do contentor saído das obras, vai o material proibido; depois, tapam com uma camada de areia. Esta nota técnica vai permitir que esta ilegalidade seja mais fácil de ser cometida. Se já o faziam antes, agora será muito pior”, dizia na altura à revista Visão a especialista da Quercus em resíduos, Carmen Lima.

Do lado dos proprietários das pedreiras, como a família de Nuno Lacasta, a reação foi de satisfação com a nota da APA, com a diretora-geral da ANIET (Associação Nacional da Indústria Extractiva e Transformadora), Francelina Pinto a congratular-se por deixar de existir “qualquer obstáculo, por parte das pedreiras, em receber resíduos com estes códigos LER [Lista Europeia de Resíduos] para enchimento dos vazios de escavação”.

Por seu lado, a APA respondeu na altura que a sua nota pretendia apenas clarificar dúvidas sobre a utilização de resíduos nas operações de enchimento de vazios de escavação e que com a nova lei “foram significativamente reduzidas as tipologias de resíduos passíveis de ser utilizadas”, pelo que não compreendia as críticas levantadas. E prometia um reforço da fiscalização, embora reconhecesse que a APA não detém competências nesse âmbito.

Estudo avalia risco de tsunami

A TVI noticiou também que na sequência da derrocada mortal numa pedreira de Borba foram identificadas 191 pedreiras em situação crítica no país. Entre elas a da Mata Redonda, perto de uma falésia com 280 metros de altura e também da arriba costeira mais alta do país e a maior de calcário na Europa, com 380 metros de altura, no topo da Serra do Risco.

"Um ambiente geológico possibilita a ocorrência de uma situação que se considera problemática pela sua perigosidade. Taludes subverticais em rochas, a que se associam falhas tectónicas de grande dimensão, que permitem a definição de grandes blocos de massa significativa e cuja queda livre, em direção ao mar, faz antever o cenário de formação de potenciais ondas de grandes dimensões (tipo 'tsunamis') cuja propagação é importante estudar", diz o documento consultado pela TVI na Direção Geral de Energia e Geologia, da autoria de José Carlos Kullberg, presidente da Sociedade Geológica de Portugal e considerado o maior especialista em Geologia da Arrábida.

O estudo em causa tem tido atrasos e foi iniciado há cinco anos. Segundo a TVI. Kullberg é da opinião que a pedreira nunca devia ter chegado tão próximo da arriba com 280 metros de altura, sendo provável que tenha acelerado a queda de pequenos e médios blocos. Já sobre a arriba da Serra do Risco e o eventual risco de tsunami, no caso de acontecer deverá dirigir-se à costa alentejana e pôr em risco o porto de Sines.