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Ex-coordenador da União de Sindicatos de Aveiro escreve ao esquerda.net sobre “Revolta dos mineiros do Pejão”

Joaquim Almeida escreve ao esquerda.net, a propósito do artigo “A revolta dos mineiros do Pejão foi há 20 anos”, referindo que o faz não por haver no artigo várias referências à sua pessoa (“sem qualquer rigor, nem veracidade”), mas para “repor a verdade dos factos da luta dos mineiros do Pejão”, que no seu entender “merece ficar gravada com letras de ouro, na história do movimento operário português”.
Manifestação dos mineiros realizada em Lisboa no dia 17 de janeiro de 1995 _ Notícia do jornal "Público"

Texto de Joaquim Almeida, ex-Coordenador da União dos Sindicatos de Aveiro/CGTP-IN e da Comissão de Luta dos Mineiros

1 - Introdução

Caros amigos do esquerda .net

Tomei conhecimento do artigo que há dias publicaram com o título “20 anos depois da luta dos mineiros do Pejão”, de autoria de José Lopes.

Apesar de serem várias as referências que JL faz, nesse artigo, à minha pessoa, (sem qualquer rigor, nem veracidade, como julgo poder demonstrar), não é esse o verdadeiro motivo deste meu contacto.

Tomei a iniciativa de o fazer, porque me julgo no dever e na obrigação de repor a verdade dos factos da luta dos mineiros do Pejão, luta que, no meu entender e ao contrário do que é dito no referido artigo, merece ficar gravada com letras de ouro, na história do movimento operário português.

Faço-o ainda para prestar homenagem aos mineiros e aos quadros sindicais que deram o seu contributo para aquela luta, e, em particular, a dois saudosos camaradas, que já não se encontram entre nós, e que, em todos os dias que durou o processo, lutaram e sofreram, ao frio e à chuva, com os mineiros.

Estou a referir-me a João Pereira e a Artur Moreira, quadros sindicais com uma consciência de classe e política acima da média, ambos do Sindicato dos Metalúrgicos de Aveiro e da União dos Sindicatos de Aveiro/CGTP-IN, que cada um à sua maneira, deram um apreciável contributo para o andamento e desfecho da luta.

Faço-o finalmente, para que os leitores do esquerda net, tenham também a oportunidade de conhecer a visão dos acontecimentos contada por por quem os viveu e contribuiu para o seu desenvolvimento, passo a passo, momento a momento.

2 - Enquadramento geral do processo de encerramento da mina

O processo do encerramento das minas, não começou e terminou no mês de Dezembro de 1994. Começou em Outubro de 1990, com a deliberação do Governo de 4 de Outubro, de encerrá-las em Junho de 2004,(data entretanto adiada porque nesse mesmo mês realizaram-se eleições para o Parlamento Europeu).

Esta deliberação do governo é decisiva para se compreender o desenvolvimento posterior do processo, na medida em que a partir desse momento e em coerência com a decisão da administração da empresa/ Governo, (tratava-se de uma empresa controlada pelo Estado), foi adoptada uma política de gestão orientada por aquela decisão, banindo-se, desde então, qualquer investimento que era absolutamente necessário para a continuação das minas.

Não é por acaso, que desde a deliberação do Governo de encerrar as minas, em 1990, até ao encerramento efectivo, que destruíram à volta de 700 postos de trabalho.

Mas não foi apenas o Governo/Administração que assumiu a partir daquela decisão, a postura da inevitabilidade do encerramento das minas. Há que recordar, até para que a história não se repita em casos semelhantes, que as próprias organizações dos trabalhadores (Sindicato dos Mineiros e Comissão de Trabalhadores) começaram a trabalhar conjuntamente naquela lógica da inevitabilidade do encerramento, ao se envolverem numa discussão basicamente orientada para o estatuto do mineiro, e para o regime especial de reformas, o que não conseguiram concluir até à data do encerramento.

Chegados aqui, observa-se um outro facto demolidor em prejuízo de uma posição de defesa da continuação da laboração das minas, como corolário lógico da forma como vinha a ser encarado o processo pelos diversos protagonistas.

Estou a referir-me ás rescisões por mútuo acordo feitas até 31 de Dezembro de 1994, com os trabalhadores a receber a indemnização legal, acrescida de mais quatro meses de salário.

Dos 500 trabalhadores existentes naquela data, apenas não foram abrangidos pelo processo de rescisões, 130 trabalhadores escalados para as operações de desmontagem das instalações, e ainda 4 trabalhadores que se recusaram a aceitar a rescisão vindo a fazê-lo após luta.

Esta foi uma situação extremamente difícil de gerir, porque gerou manifestações de uma certa irracionalidade, baseada na ideia, “fecha para mim, fecha para todos”.

Em conclusão, do ponto de vista formal, este dia 31 de Dezembro de 1994, representou o fim de qualquer hipótese de defesa das minas.

No que à União dos Sindicatos de Aveiro/GGTP-IN diz respeito, é bom registar que a sua intervenção neste processo não começou no final do ano de 1994, mas muito tempo antes. Preocupado com o andamento das coisas, eu próprio me desloquei por mais que uma vez à sede do Sindicato dos Mineiros, com o objectivo ( não conseguido) de insistir na absoluta necessidade de se convocar um plenário de mineiros, que deveria contar também com a participação da União dos Sindicatos de Aveiro e demais organizações sindicais representativas, onde fosse abertamente abordada a situação e as medidas a tomar.

Quanto à Câmara Municipal de Castelo de Paiva (PS), o que se pode dizer é que, verdadeiramente, começou por não se opor ao encerramento, chegando mesmo a ameaçar os trabalhadores em luta. Contudo, veio a arrepiar caminho, aproveitando a própria luta (e, reconheçamos em nome do rigor e da verdade que o fez com bastante empenho), para reclamar do Governo medidas de desenvolvimento regional alternativas.

Do ponto de vista das forças partidárias locais, o PS ajustou as suas posições às da Câmara, o PSD e CDS às posições da Administração/Governo.

O PCP, para além de ter manifestado publicamente a sua solidariedade activa com a luta dos trabalhadores, esteve permanentemente junto dos mineiros durante o processo.

Também a UDP, manifestou solidariedade activa com a luta dos trabalhadores, quer publicamente, quer junto dos mineiros em luta.

No que toca à minha posição de fundo quanto ao processo de encerramento, transcrevo apenas um ponto do texto que escrevi na época para a revista Vértice de Setembro/ Outubro de 1995, que julgo não deixar margem para dúvidas:

“ Depois da tempestade a bonança ? A ideia, repetidamente propagandeada, de que a partir do encerramento das minas vinha a bonança, com o desenvolvimento e modernização do Concelho, impediu que em devido tempo se desenvolvesse um debate sério sobre os verdadeiros motivos e intenções subjacentes àquele encerramento, nomeadamente à luz das potencialidades da mina e do interesse nacional.

Desde a resolução do Conselho de Ministros aos documentos do Município e às posições de quase todas as forças partidárias que se aceita como uma fatalidade, e sem questionar, o encerramento das minas.

As próprias organizações dos trabalhadores, de algum modo, deixaram-se arrastar por aquela lógica.

Agora, passados que são quase cinco anos sobre a decisão do Governo de encerrar a mina e as promessas não serem mais do que isso, a perspectiva do oásis deu lugar à frustração e a fundadas inquietações.

É neste quadro que devemos analisar a atitude do Governo e, deste modo, tentar compreender a luta dos mineiros”.

3 - A luta e os resultados

Como se constata pelos factos relatados, a luta dos mineiros surge de forma inesperada (a partir da inauguração do monumento ao mineiro) já com as “minas encerradas” e os trabalhadores com as indemnizações recebidas.

Um ou dois dias depois, a Comissão de Trabalhadores deslocou-se ao Governo Civil de Aveiro onde terá feito um acordo cujo conteúdo não se chegou a conhecer.

Entretanto, num plenário geral de mineiros realizado em 4 de Janeiro, é eleita por unanimidade e aclamação, uma Comissão Coordenadora da Luta dos Mineiros do Pejão, que incluiu os representantes da União dos Sindicatos de Aveiro/CGTP-IN, Joaquim Almeida e João Pereira.

A partir daí, os mineiros não só passaram a contar com uma posição colectiva sobre o conflito, como também com uma Comissão que efectivamente deu provas de capacidade para coordenar e dirigir a luta.

O plenário aprovou igualmente por unanimidade e aclamação, uma resolução que a Comissão de Luta entregou no dia seguinte ao Governador Civil de Aveiro, (Gilberto Madaíl) numa reunião que havia sido solicitada pela Comissão logo que foi eleita.

Como questão tática, a resolução começava por defender “1-º lutar pelos postos de trabalho de todos os trabalhadores o que passa pela reintegração imediata dos trabalhadores despedidos e pela prorrogação do prazo do encerramento das minas até que as medidas e acções prometidas pelo Governo se concretizem e tenham efeitos concretos”.

Havia argumentos para sustentar esta posição. A administração da empresa quando da abertura do Poço 2, garantia a produção por 30 anos, e só estava a laborar apenas há 10 anos, e o Parlamento Europeu na resolução B3-0182/93, entendia que só se deveria encerrar uma mina quando fosse possível fornecer aos mineiros emprego estável e que a Comunidade devia, para tanto, financiar os necessários cursos de reciclagem.

2-º Manter o bloqueio da entrada da mina até segunda-feira dia 9/1/95, dia em que se realizará novo plenário de trabalhadores e que decidirá as formas de luta a adoptar.

A reunião com o Governador Civil não correu nada bem porque segundo as suas próprias palavras “esta resolução contraria o combinado com a Comissão de Trabalhadores”.Chegou mesmo a ameaçar Joaquim Almeida, de o expulsar da reunião, talvez porque, parafraseando JL e o Jornal de Noticias, o Governador Civil tenha visto este dirigente sindical como um perigoso conciliador…!

Por outro lado, foram muitas as peripécias, as formas de diversão e de divisão, manobras de informação e contra informação, que se verificaram ao longo do mês que durou a luta. Pelo seu significado e consequências que tiveram na unidade e no seu desenvolvimento, refiro somente duas situações.

A primeira, foi o surgimento no seio dos trabalhadores de um cirúrgico boato quanto à disponibilidade da Administração/Governo para distribuir 1 milhão de contos (mais ou menos 3.000 contos por trabalhador) em alternativa ao estatuto do mineiro.

Não obstante tratar-se de uma clara manobra de diversão, devidamente denunciada e não assumida pela Comissão de Luta, a verdade é que com o boato, a Administração/Governo criou, como era seu objectivo, um sério problema na unidade e na condução da luta.

A segunda e muito mais complexa, foi a estória da inundação das minas e os supostos problemas ambientais em geral, e para a populsção em particular, decorrentes da poluição que isso provocaria no rio Douro.

Passados 20 anos, esta é ainda uma estória muito mal contada e que divide opiniões sobre o seu real significado. Seja como for, é um facto objectivo que a questão da inundação das minas, por pouco que tinha permitido à Administração da empresas/Governo ter posto em causa, os progressos conseguidos ao fim de 28 dias de luta, como veremos a seguir.

A Comissão de Luta percebeu atempadamente que a luta dos mineiros precisava de sair dos portões das minas e projectar-se também na opinião pública, enquanto elemento de pressão sobre a Administração/Governo. É neste preciso quadro que surge, por exemplo, a “ocupação” do poço principal bem como a polémica “inundação” das minas.

Mas não foi apenas a Comissão de Luta que percebeu o alcance e o efeito desta linha estratégica, também a Administração/ Governo a compreendeu muitíssimo bem, e por isso jogaram as suas cartadas, de como é exemplo, entre outros, o pretenso desastre ambiental que tal inundação causaria, tendo mesmo recorrido a opiniões de pretensos especialistas académicos, para crediblizar a suas “preocupações”.

Mas a Administração da empresa/ Governo não se ficou por aqui, colocou como condição para assinar a acta com as reivindicações alcançadas na reunião no dia 25 de Janeiro, quer o levantamento do bloqueio à entrada das minas, quer da ameaça da inundação, que misteriosamente já estava em andamento desde a uma hora da manhã do dia 26 de Janeiro, exactamente o dia em que se ia realizar o plenário geral de mineiros para discutir o acordo.

Acabada a luta e encerradas as minas, ao que parece foi a natureza que se encarregou do alagamento das últimas minas de carvão do País, sem que conste que alguém tenha sofrido os efeitos da poluição propalada, ou morrido por causa disso.

Por outro lado, durante as quatro semanas que durou o processo de luta, a Administração e o Governo do PSD/Cavavo Silva, tudo fizeram para causar desgaste, divisão entre trabalhadores, entre trabalhadores e a população, no que tiveram reconheçamos algum êxito, como se demonstra com o número cada vez mais reduzido de mineiros que se concentrava à porta das minas, e com os resultados das votações.

É neste preciso contexto que o plenário geral de trabalhadores de 26 de Janeiro, para apreciação e votação, ou não, do acordo alcançado no dia anterior é realmente decisivo. Da decisão do plenário dependia a consolidação de uma vitória possível, ou de uma derrota total que colocaria a luta a zero, ou seja, exactamente à data do encerramento.

Por isso sim, a Comissão de Luta dos Mineiros, como responsavelmente lhe competia, aconselhou e defendeu a aprovação do acordo, no que foi acompanhada pela Federação dos Metalúrgicos, da CGTP-IN e do Presidente da Junta de Pedorido, Manuel Rodrigues.

As formas de luta foram diversas, mas a verdade é que a sua radicalização em torno apenas do bloqueio da entrada dos trabalhadores da desmontagem e da inundação das minas não ajudou muito.

Foram algumas as formas de luta adoptadas durante o tempo que durou o conflito, mas dou especial destaque pelo impacto político nacional que teve, inclusive na derrota eleitoral do PSD/Cavaco Silva, à extraordinária, impressionante e inesquecível manifestação dos mineiros realizada em Lisboa no dia 17 de Janeiro, com transportes assegurados pela Câmara de Castelo de Paiva e com a solidariedade e apoio logístico da CGTP-IN, Federação da Metalurgia e União dos Sindicatos de Lisboa.

De acordo com a proposta da Comissão de Luta, os mineiros desfilaram do Campo das Cebolas até ao Ministério da Economia, vestidos com fato de macaco, capacete e lanterna e a cantar a Santa Bárbara. Foi realmente uma manifestação inesquecível, um momento de rara beleza humana, que impressionou e comoveu o povo de Lisboa, que, de lágrimas nos olhos, incessantemente aplaudia a passagem dos mineiros. Foi uma manifestação de uma tal grandeza e beleza, que só por si justificaria a luta.

4 - Os resultados da luta

Em termos de reivindicações concretas, relativamente ao desenvolvimento regional e à vertente social, foi garantido:

- “O projecto global da variante à EN nº 222, sendo que ainda este ano vai ter início a construção do troço entre a Ponte do Arda/ Pedorido e a Ponte do Inha, para o qual foram já definidos pelo Ministério do Planeamento os montantes e origem do financiamento;

- A construção do parque industrial da Lavagueiras/Pedorido, já com montantes definidos para o arranque da primeira fase;

- Um regime de reforma a partir dos 45 anos de idade para os trabalhadores do interior da mina e dos 50 para os do exterior;

- Uma indemnização adicional, equivalente a um mês de salário, para além da indemnização que tinham recebido em Dezembro de 1994.”

5 - Considerações finais

Aqui estão expressos alguns factos fundamentais do processo de luta dos mineiros, que como os leitores podem verificar, é muitíssimo mais que uma estória construída com frases retiradas a preceito de alguns jornais.

Com este contributo dou por concluída a minha intervenção cujo sentido é de repor a verdade dos factos e de homenagear uma luta, que repito, merece ser gravada a letra de ouro na história de luta do movimento operário e sindical português.

Estou totalmente disponível para colaborar com quem quiser realizar um trabalho profundo e sério sobre a história deste processo. Sei, aliás, que há alguns interessado em o fazer.

Termino este texto apenas com dois testemunhos, entre muitos outros que podia referir.

1. “ Foi nesta data, também, que apareceu o Apoio de “rectaguarda”: Sindicalistas como o Joaquim Almeida e João Pereira, da Federação da CGTP-IN, são difíceis de encontrar.”(queria dizer União dos Sindicatos de Aveiro).

A partir daqui, todos os passos da Luta eram devidamente organizados em demoradas reuniões da Comissão da Luta”. (Fernando Neves ao Jornal local o Chafariz dezembro/94)

2. Já depois do conflito ter terminado, fui jantar a um restaurante que ficava próximo do edifício das Finanças de Espinho. Ao entrar na sala, veio-me cumprimentar um jovem cozinheiro, de estatura média, moreno, com bata branca e barrete da mesma cor na cabeça, e talvez por isso não o reconheci de imediato.

Percebendo o meu embaraço, o jovem perguntou: “não me está a conhecer? Eu sou o António Pinto”. Percebi, então, que se tratava de um jovem mineiro dos mais radicais que participou na luta do principio ao fim, e que me disse:" vim cumprimentá-lo e dar-lhe os parabéns pela forma como conduziram o processo. Hoje reconheço que estava enganado e que vocês tinham razão."

Testemunhos destes não são vulgares, mas vêm, sem dúvida, de pessoas com abertura de espírito e nobreza de alma, que não receiam o erro porque estão dispostas a corrigi-lo.

28 de Janeiro, de 2015.

Joaquim Almeida, ex Coordenador da União dos Sindicatos de Aveiro/CGTP-IN e da Comissão de Luta dos Mineiros.

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