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Eugénio de Andrade

Eugénio de Andrade, pseudónimo de José Fontinhas, nasceu a 19 de janeiro de 1923 na Póvoa da Atalaia, Fundão. Passando por Lisboa, após a separação dos pais, e Coimbra, depois de cumprido o serviço militar, é em 1950 que se instala no Porto, na Rua Duque de Palmela, e trabalha como inspetor dos Serviços Médico-Sociais durante 35 anos. Muito mais tarde, mudar-se-ia para a Foz do Douro, onde se encontrava a Fundação Eugénio de Andrade.
Sobre Eugénio, sabe-se que, ainda adolescente, envia os seus primeiros poemas a António Botto, que o incentivaria a continuar a escrever e a publicar a plaqueta Narciso (1939), seguindo-se Adolescente (1942) e Pureza (1945). Estes dois últimos livros postos de parte por Eugénio, salvando apenas uma dezena desses textos com o nome Primeiros Poemas numa antologia de 1977.
Às suas passagens por Lisboa e Coimbra somaram-se amigos como Carlos de Oliveira ou Eduardo Lourenço. Também é do nosso conhecimento a amizade com Mário Cesariny, Sophia de Mello Breyner Andresen, Teixeira de Pascoaes e Jorge de Sena.
As Mãos e os Frutos (1948) é considerado o seu “livro de consagração” (Cf. Carlos Mendes de Sousa) e o mais reproduzido. Gastão Cruz assinala que As Mãos e os Frutos não perdeu o seu brilho inicial, que cativara os primeiro leitores de Eugénio, bem como conseguiu fascinar gerações posteriores à do poeta, porque “os poemas falavam, de forma muito particular, a uma juventude que crescera num país sufocado pela repressão exercida por um governo fascista e um catolicismo reacionário” (2022, p. 12).
Mendes de Sousa observa muito bem que houve uma interrupção na produção de Eugénio entre as publicações de Ostinato Rigore (1964) e Obscuro Domínio (1971). Este hiato foi indispensável para o amadurecimento da sua lírica, que já, em Ostinato Rigore, o prefaciador Eduardo Lourenço prenunciaria como Andrade erguera “uma das mais transparentes moradas poéticas do nosso século” (2013, p. 6). Nessa morada, possivelmente com janelas abertas ao sol, habitava então um artesão obsessivo pela palavra, bebendo da poesia clássica o mel da sua poesia. Tanto Vitorino Nemésio como Maria Helena da Rocha Pereira apontaram o fascínio e o diálogo com a lírica clássica nas suas leituras atentas sobre os versos de Eugénio. Rocha Pereira, por exemplo, traça a cartografia desses lugares e paisagens que o poeta visita na sua poesia desde Corcira, Atenas, Tebas até Roma. O poeta navega por um espaço levantado pelos gregos e romanos em terras portuguesas. Pelo menos é o que sugere o poema “Passeio Alegre”, de Rente ao Dizer (1992):
Chegaram tarde à minha vida
as palmeiras. Em Marraquexe vi uma
que Ulisses teria comparado
a Nausica, mas só
no jardim do Passeio Alegre
comecei a amá-las. São altas
como os marinheiros de Homero.
Diante do mar desafiam os ventos
vindos do norte e do sul,
do leste e do oeste,
para as dobrar pela cintura.
Invulneráveis — assim nuas.
Para além de poesia, Eugénio também publicou prosa. Os Afluentes do Silêncio (1968) e À Sombra da Memória (1993) são maravilhosos exemplos que recomendo vivamente a sua leitura. Eugénio de Andrade também escreveu para crianças. A História da Égua Branca (1976) com ilustrações de Manuela Bacelar é a única contribuição do autor no campo da literatura infantojuvenil. Finalmente, vale a pena mencionar que Eugénio traduziu Safo, Federico Garcia Lorca ou ainda Yannis Ritsos.
Mário Claúdio, em entrevista a Teresa Carvalho, a propósito dos 50 anos da sua carreira literária (e também por ter partilhado o mesmo espaço de trabalho de Eugénio), refere-se ao escritor como “uma espécie de bardo do amor, um homem que vivia o seu ofício de uma forma excludente de tudo o mais (...)”. A verdade é que Eugénio de Andrade tem uma vasta bibliografia, reconhecida, aliás, por prémios literários —se de indicador nos serve—, entre os quais, constam o Prémio Camões (2001) ou o Prémio P.E.N. Clube Português de Poesia (2002).
No podcast PBX, do Expresso, Pedro Mexia assinala que, de acordo com o editor da Assírio & Alvim, Eugénio é o segundo poeta português mais vendido dentro do catálogo da editora, ainda que a peça do Público nos deixe saber que poetas e críticos pensam que a poesia de Eugénio está a perder o prestígio de outrora. Volvidos 100 anos e celebrando-se agora o seu nascimento, a pergunta sobre a mesa é: quem lê Eugénio e onde se lê Eugénio?
Bibliografia:
Cláudio, M. (5 de novembro de 2019). Não quero que as pessoas julguem que eu sou o fogueteiro da festa. Ionline. Disponível em https://ionline.sapo.pt/artigo/676257/mario-claudio-nao-quero-que-as-pessoas-julguem-que-eu-sou-o-fogueteiro-da-festa-?seccao=Mais_i
Cruz, G. (2022). Eugénio de Andrade: O real é a palavra. In Eugénio de Andrade, Primeiros poemas, As mãos e os frutos & Os amantes sem dinheiro. Porto, Portugal: Porto Editora.
Lourenço, E. (2013). Oiro e melancolia. In Eugénio de Andrade, Ostinato Rigore. Porto, Portugal: Porto Editora.
Mendes de Sousa, C. (s/d). “Eugénio de Andrade”. Disponível em https://www.instituto-camoes.pt/activity/centro-virtual/bases-tematicas/figuras-da-cultura-portuguesa/eugenio-de-andrade
Mexia, P. (16 de fevereiro de 2023). “100 anos de Eugénio de Andrade: A oblíqua homossexualidade do génio que se fez poeta” [Podcast]. Disponível em https://expresso.pt/podcasts/pbx/2023-02-16-100-anos-de-Eugenio-de-Andrade-a-obliqua-homossexualidade-do-genio-que-se-fez-poeta-f8e7c610
Nemésio, V. (2000). Frutos Líricos. In Eugénio de Andrade, As Mãos e os frutos. Porto, Portugal: Fundação E. de A.
Queirós, L. M. (19 de janeiro de 2023). “Voltar a ler Eugénio como se fosse a primeira vez”. Disponível em https://www.publico.pt/2023/01/19/culturaipsilon/noticia/voltar-ler-eugenio-primeira-2035599
Rocha Pereira, M. H. (1995). O mundo clássico em Eugénio de Andrade. Máthesis, 4, 17-27.
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