Equador: Cinco pistas para compreender um país em crise

13 de janeiro 2024 - 10:17

Saiba mais sobre a triste metamorfose de um país que deixou de ser o segundo mais seguro da América Latina para se tornar o mais violento, com uma taxa de homicídios que cresceu quase 800% desde 2019. Por Gerardo Szalkowicz.

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Controlo policial em Guayaquil.
Controlo policial em Guayaquil. Foto publicada na conta da autarquia na rede social X.
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Pela força das imagens, a irrupção de um bando de narcotraficantes empunhando espingardas e granadas nos estúdios da TC Televisión chocou o mundo, no auge mais cinematográfico de uns dias que incluíram ataques explosivos, motins, pilhagens, tiroteios, incêndios de automóveis, raptos e um pânico generalizado que paralisou literalmente o país.

Mas a cena chocante e sem precedentes no canal público de Guayaquil - e os acontecimentos que a precederam e seguiram - são apenas o mais recente capítulo de uma espiral de violência organizada que se arrasta há cerca de cinco anos e que sofreu uma forte metástase nos últimos dois. A triste metamorfose de um país que deixou de ser o segundo mais seguro da América Latina para se tornar o mais violento, com uma taxa de homicídios que cresceu quase 800% desde 2019.

O atual barril de pólvora

O rastilho destes dias foi aceso pela fuga de dois barões da droga da prisão, no meio de motins e raptos de agentes da polícia em meia dúzia de prisões. A crise prisional é a face mais visível da hecatombe: os constantes massacres, geralmente devidos a confrontos entre bandos, deixaram mais de 460 reclusos mortos desde 2021.

O jovem presidente Daniel Noboa, que tomou posse há um mês e meio para completar o mandato de Guillermo Lasso, reagiu decretando o estado de emergência e o recolher obrigatório, o que acabou por provocar um vendaval de ataques armados e atentados bombistas em todo o país, incluindo a invasão do canal que se tornou viral.

Perante o caos generalizado, e depois de ter recebido o apoio de todo o espetro político - incluindo o ex-presidente exilado Rafael Correa - Noboa emitiu um novo decreto que reconhece o estado de "conflito armado interno" e ordena aos militares que neutralizem 22 organizações que declarou serem "grupos terroristas". O primeiro dia desta guerra total contra os bandos fez pelo menos 13 mortos e 41 detidos.

O país entrou em choque: as aulas foram suspensas, a maioria das lojas fechou e a população fechou-se em casa. Os tanques de guerra percorrem as ruas vazias enquanto os focos de violência e os confrontos se multiplicam, fazendo prever um desfecho sangrentamente incerto.

Cinco razões de fundo

Eis algumas pistas que tentam desvendar como surgiu este modelo de violência e de morte quotidiana comandado pelos bandos de narco-criminosos:

1- O fator internacional. O Equador está localizado no meio da Colômbia e do Peru, os maiores produtores mundiais de cocaína. A presença das FARC no sul da Colômbia funcionava como uma espécie de bloqueio à expansão dos cartéis para o Equador, mas a assinatura do acordo de paz em 2016 e a subsequente desmobilização da guerrilha desconfigurou este território fronteiriço e abriu as portas para que a economia criminosa se instalasse, principalmente nos portos de Guayaquil e Esmeraldas.

Rotas do narcotráfico através do Equador Rotas do tráfico de cocaína através do Equador.

 

No contexto de uma reconfiguração das rotas das drogas, o Equador tornou-se um importante centro regional de armazenamento, processamento e distribuição de drogas destinadas principalmente aos Estados Unidos e à Europa. Num curto espaço de tempo, mais de vinte bandos proliferaram, operando de forma fragmentada, em muitos casos como subcontratados dos grandes cartéis mexicanos e colombianos.

2- O desmantelamento do Estado. O acima exposto está ligado à reviravolta do modelo económico implementado com a traição de Lenín Moreno desde 2018 e continuado pelo ex-banqueiro Guillermo Lasso. A receita neoliberal de cortes, austeridade pública e enfraquecimento do Estado levou à redução da presença institucional, fragilizando o controlo das fronteiras e facilitando a penetração dos bandos.

3- A desregulamentação financeira. Em conformidade com as reformas estruturais neoliberais acordadas com o FMI, foram também reduzidos os controlos da circulação de capitais, das sociedades offshore e do branqueamento de capitais. A economia dolarizada, que facilita o branqueamento e a lavagem de dinheiro, fechou o círculo perfeito para as operações dos narcotraficantes.

4- A penetração nas instituições. A capacidade de manobra e a omnipresença destes bandos no controlo dos territórios e das prisões só podem ser explicadas pela expansão dos seus tentáculos em sectores importantes das forças de segurança, da justiça e de algumas figuras políticas.

Em meados de dezembro, o Ministério Público lançou a "Operação Metástase", que levou à detenção de 29 pessoas, incluindo juízes, procuradores, polícias e advogados, por ligações ao crime organizado. Já em 2021, os Estados Unidos tinham retirado os vistos a quatro altos responsáveis da polícia a que chamavam "narcogenerais".

5- Um plano regional. A trama que está a destruir o Equador tem particularidades locais, mas responde a um modelo que se instalou fortemente nos anos 80 no México, na Colômbia e em alguns países da América Central, e que nos últimos anos se espalhou, em diferentes escalas, por toda a região. Trata-se da paramilitarização de territórios com o objetivo de semear o terror, desarticular o tecido social e manter a população subjugada, ao mesmo tempo que alimenta uma estrutura de negócios milionários. Velhas e novas estratégias de dominação para continuar a garantir o controlo da paisagem latino-americana.


Gerardo Szalkowicz é jornalista argentino, editor do NODAL, colaborador do Centro Latino-Americano de Análise Estratégica (CLAE). Artigo publicado no site do CLAE. Traduzido por Luís Branco para o Esquerda.net.