O presidente do Equador, Daniel Noboa, decretou esta segunda-feira o estado de emergência no país devido a uma grave agitação interna e para que as forças armadas tenham "todo o apoio político e jurídico nas suas ações", depois de vários motins provocados pelo aumento da violência nos centros penitenciários.
O Presidente garantiu que a medida visa que o Estado recupere o "controlo" dos centros de detenção, atualmente nas mãos de grupos de crime organizado. Entretanto, foram registados motins simultâneos nas prisões de Quito, Cuenca, Portoviejo e Machala. Desde 2021, os assassinatos dentro das prisões do Equador deixaram pelo menos 460 reclusos mortos durante os governos anteriores.
Noboa descartou qualquer possibilidade de negociação com as organizações criminosas que operam nas prisões e apresentou a necessidade de reformar as leis penais, embora não tenha dado pormenores.
A imprensa dá conta de motins em várias prisões do país, mas foi a fuga de Adolfo Macías Villamar, conhecido por "Fito", chefe do bando "Los Choneros", que pôs em causa e abriu um rombo na política de segurança do Presidente da República. Macías cumpria uma pena de 34 anos de prisão por homicídio e delitos relacionados com o crime organizado.
Após as operações e a intervenção na prisão regional de Guayaquil, as autoridades não conseguiram descobrir o paradeiro de "Fito", que tinha recebido informações sobre uma alegada transferência para La Roca. Em agosto de 2023, foram divulgadas imagens de um Fito obeso, com cabelo comprido e uma barba proeminente. Macías, de 44 anos e advogado de profissão, dirigia Los Choneros a partir da prisão e gozava de privilégios no interior da cadeia.
Adolfo Macías Villamar, conhecido por "Fito", chefe do bando "Los Choneros". Foto publicada pelo CLAE.
De acordo com o Observatório Equatoriano da Criminalidade Organizada (OECO) da Fundação Pan-Americana para o Desenvolvimento (FUPAD), o tráfico de drogas é a principal expressão da criminalidade organizada, que impulsionou outros crimes relacionados, como o tráfico de hidrocarbonetos, a corrupção, o tráfico de armas e a lavagem de dinheiro.
As organizações criminosas do país intensificaram a sua procura de controlo territorial desde a pandemia de Covid-19, modificando profundamente o panorama criminal, tanto no que diz respeito ao posicionamento dos criminosos nesses territórios e ao tráfico internacional de drogas e armas, como no que se refere às disputas de poder sobre os locais do microtráfico nas cidades portuárias.
Com base na relação de aspectos geopolíticos, como o perfil costeiro, a afluência hídrica, a baixa ocupação do território ou a baixa presença do Estado nos territórios fronteiriços, o Observatório conclui que o narcotráfico, o branqueamento de capitais, a corrupção, o tráfico de armas e o tráfico de hidrocarbonetos são vistos como as principais expressões do crime organizado, referindo que estas atividades têm uma relação causal para o desenvolvimento e implantação do crime organizado no país.
No início deste ano, Noboa decidiu eliminar a Secretaria de Segurança Nacional criada em 2022 pelo seu antecessor Guillermo Lasso e enviou ao Tribunal Constitucional onze perguntas para uma consulta popular a ser realizada em março próximo, que se concentram no que a sociedade pensa sobre a plena incorporação das Forças Armadas na luta contra os bandos criminosos.
A primeira pergunta é: "Concorda que as Forças Armadas devem iniciar acções para prevenir e erradicar a atividade das organizações criminosas transnacionais que operam dentro e fora do território nacional?
Noboa comunicou a decisão depois de nomear Arturo Félix Wong, que faz parte do seu círculo próximo, para liderar a entidade, com o esclarecimento expresso de que o funcionário assumiria o cargo para levar a cabo a sua dissolução,
"Acabou o tempo em que os condenados por tráfico de droga, assassínios por contrato e crime organizado ditavam ao governo o que fazer", advertiu, acusando estes "grupos narco-terroristas" de tentarem "intimidar" as autoridades, no pressuposto de que estas cederiam às suas exigências. Por esta razão, o governo tomou medidas "que nos permitirão recuperar o controlo das prisões, que se perdeu nos últimos anos", afirmou.
Desde que chegou ao poder, Noboa prometeu uma política de "mão-de-ferro" para fazer face à onda de violência que assola o país e anunciou a construção de mega-prisões - como as construídas pelo seu homólogo Nayib Bukele em El Salvador - e a reforma das prisões.
O estado de emergência de 60 dias, para além da mobilização militar das forças armadas e da polícia, inclui a suspensão do direito à liberdade de reunião e da inviolabilidade do domicílio, bem como restrições à liberdade de circulação, todos os dias das 23:00 às 05:00 horas locais.
Há (oficialmente) 31.321 reclusos nas prisões do Equador e, para separar os mais perigosos, Noboa anunciou que vai construir duas prisões de segurança máxima nas províncias de Pastaza e Santa Elena.
A Bancada Ciudadana, que inclui o correísmo [apoiantes do antigo presidente Rafael Correa] nas suas fileiras, afirma que a fuga de Fito "mostra mais uma vez a emergência do sistema penitenciário, que foi desmantelado durante seis anos" e que "o Estado perdeu o controlo das prisões e estas são controladas pelas máfias e bandos criminosos".
O Serviço Nacional de Atenção Integral a Pessoas Adultas Privadas de Liberdade e Adolescentes Infractores (SNAI) confirmou que foram detidos agentes de segurança e vigilância prisional em cinco prisões do Equador.
Esquadrões da morte?
Circularam nas redes sociais vídeos gravados em diferentes locais, nos quais grupos de guardas prisionais imploram pela sua vida, enquanto homens encapuzados os ameaçam com facas. No vídeo, os guardas leem um comunicado em que pedem a Noboa que "não envie para as prisões tropas que sejam esquadrões da morte". "Estamos agora a apelar para que as suas medidas sejam mais cautelosas e, por favor, zele pelas nossas vidas, pela nossa segurança", acrescenta a mensagem.
Em agosto passado, um grupo de reclusos da Penitenciaria del Litoral e da Prisão Regional de Guayaquil protestou contra a transferência de Macias para uma prisão de segurança máxima, depois de o candidato presidencial Fernando Villavicencio, que tinha denunciado ameaças de morte por parte de Fito, ter sido morto a tiro no final de um comício em Quito.
Protesto contra a transferência de "Fito" em agosto para uma prisão de segurança máxima. Foto publicada pelo CLAE
Centenas de reclusos subiram aos telhados da penitenciária e ergueram faixas com mensagens como "queremos o Fito de volta", "o Fito não é o espólio da política" ou "queremos paz, devolvam o Fito".
O delinquente, que estudou na prisão para se tornar advogado, gozava de privilégios. Da sua cela, protagonizou o videoclip de um narcocorrido em sua homenagem, cantado pela sua filha. O vídeo de "El Corrido del León", do grupo identificado como Mariachi Bravo, mostra o líder do Los Choneros usando um sombrero e lendo um livro na cela da prisão.
De acordo com a imprensa, Los Choneros tem pelo menos 8.000 homens. Os homicídios nas ruas entre 2018 e 2023 aumentaram quase 800%, passando de 6 para 46 por 100.000 habitantes.
Por seu lado, a organização feminista Mujeres de Frente declarou que "responsabiliza o governo pela vida dos presos sob a sua custódia, que são apanhados no fogo cruzado em prisões onde as armas só podem entrar com a autorização de funcionários do Estado".
Eloy Osvaldo Proaño é analista e investigador equatoriano, associado ao Centro Latino-Americano de Análise Estratégica (CLAE, www.estrategia.la). Artigo publicado no site do CLAE. Traduzido por Luís Branco para o Esquerda.net