“Foi uma coisa que aconteceu”. É assim que Luís Junqueira explica a organização do primeiro Festival de Tecnologia Popular, que aconteceu entre 15 e 16 de março na União Setubalense, em Setúbal.
Luís, juntamente com Tomás Barão, faz parte da Oficina de Democracia e Ecologia Tecnológica (ODET), umas das associações que organizou o festival. O objetivo é “informar, capacitar as pessoas para lidar com as ameaças e os desafios do capitalismo digital e de vigilância” a nível local, porque “muitas dessas lutas se fazem no meio imaterial da Internet, mas também se faz cara-a-cara”.
Com esse fim em vista, a ODET já tinha feito algumas sessões sobre tecnologia na União Setubalense, mas a ideia de um festival sobre o tema materializou-se quando começaram os diálogos com o Centro de Intervenção para o Desenvolvimento Amílcar Cabral (CIDAC) e com a Jornada por Democracia Energética.
Essa sinergia traduziu-se num evento que procura “consciencializar as pessoas” e ajudá-las “a perceber o sistema económico e social por detrás das gigantes tecnológicas”. Perceber quem está por detrás da tecnologia que usamos, como é que ela é produzida, e os impactos que isso tem na tecnologia, são mote para as discussões que aconteceram este fim-de-semana em Setúbal.
“Tudo aquilo que acontece no Facebook tem que ver com os objetivos das empresas que estão por trás e com o objetivo da empresa de extrair lucro, e isso tem impactos psicológicos”, explicam os membros da ODET.
Mas o festival é atravessado por uma componente prática. Ao longo dos dois dias, quem esteve presente pode fazer parte de uma oficina de privacidade digital, de uma oficina de experimentação de instalação de software livre, de uma outra oficina sobre o mapeamento da tecnologia que usamos e de um repair café, um espaço de reparação e reaproveitamento de materiais.
“Tem de haver uma componente prática, que dê às pessoas as ferramentas para transformar a realidade virtual em que vivemos agora”, segundo as associações que organizam o festival. “Nesse sentido é importante a tecnologia aberta e livre, que pode ser transformada e que se contrapõe a uma tecnologia fechada e opaca”.
A organização do festival frisa que o contraponto ao capitalismo digital se faz procurando alternativas e capacitando as pessoas para criarem alternativas. Isso nota-se na decoração do espaço. “Não existe uma nuvem, só os computadores de outras pessoas” e “Usar, estudar, partilhar, melhorar” lê-se em vários cartazes da Fundação de Software Livre (Free Software Foundation, em inglês).
Os debates do festival também espelharam essa abordagem. No sábado, discutiu-se a relação entre género e tecnologia e colocou-se a questão: “o que é o capitalismo digital?”. No domingo fez-se a ligação entre o capitalismo digital e a transição energética e abordou-se a censura que os algoritmos impõe na Internet.
Entre os debates e os momentos de convívio foram-se criando discussões paralelas sobre privacidade, a criação de redes sociais locais e comunitárias, a potencialidade das comunidades de energia para a transformação social, saúde mental, propriedade intelectual e programação.
Temas complexos como estes costumam criar dificuldades na contextualização a públicos que não têm experiência no mundo digital, mas a organização do festival enfrentou isso “como um desafio”. O que descobriram foi que “há pessoas que vêm com motivação política e sem os conhecimentos técnicos”, mas outras “não vêm tão politizadas mas interessados na parte tecnológica”, e isso resulta na sinergia de “várias aprendizagens possíveis”.

Cecília Fonseca, do CIDAC, explica que isso funcionou da procura de “um lado pedagógico e acessível” para pensar sobre a tecnologia que usamos. “Como é que metemos a mão à massa e como é que podemos agir individual e coletivamente”, é um dos motes da organização.
“Há muita tecnologia que serve de alternativa e que está nas franjas, a ideia de trazê-la para o debate num festival popular a que todos possam aceder é muito cativante”, explicam os organizadores.
O balanço do festival, por onde passaram muitas dezenas de pessoas durante o fim-de-semana, é positivo. Mas há um detalhe em particular que é visto como importante, “um público muito intergeracional, que vai desde crianças até pessoas reformadas”. Isso significa que o festival conseguiu chegar a pessoas novas, com interesse por um tema que é atual para toda a gente.