Direita e extrema-direita sobem na Áustria: Razões explicativas no passado e no presente

25 de outubro 2017 - 18:52

Os conservadores do ÖVP foram os grandes vencedores, obtendo 31,5% dos votos e 62 lugares parlamentares. O presidente indigitou o líder do ÖVP para formar governo e este manifestou a sua disposição de se coligar com o partido de extrema-direita FPÖ. Por Jorge Martins

porJorge Martins

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Líder do ÖVP manifestou a sua disposição de se coligar com o partido de extrema-direita FPÖ – Foto de Heinz-Christian Strache, líder do FPÖ, com Sebastian Kurz, líder do ÖVP
Líder do ÖVP manifestou a sua disposição de se coligar com o partido de extrema-direita FPÖ – Foto de Heinz-Christian Strache, líder do FPÖ, com Sebastian Kurz, líder do ÖVP

No passado dia 15, enquanto Portugal se encontrava imerso na tragédia dos incêndios florestais, realizavam-se eleições legislativas na Áustria.

Sistema semipresidencialista

O país alpino é uma república federal, constituída por nove estados federados (os bundesländer). Nele vigora um sistema semipresidencialista semelhante ao português, embora, na prática, o papel do presidente acabe por ser quase cerimonial. Como acontece na maioria das federações, o Parlamento é bicameral: a Câmara Alta (o Bundesrat ou Conselho Federal), onde se sentam 61 conselheiros, eleitos proporcionalmente por cada uma das nove assembleias federais (Landtage) para um mandato correspondente à duração das respetivas legislaturas; a Câmara Baixa (o Nationalrat ou Conselho Nacional) é constituída por 183 deputados, eleitos por sufrágio universal e direto para um mandato de cinco anos, através de um sistema proporcional com três níveis (distrital, estadual e nacional) e voto preferencial dos candidatos. Existe uma cláusula-barreira, correspondente à obtenção de 4% dos votos válidos ou à eleição de um representante nos níveis distrital ou estadual. Para as forças políticas que ultrapassem um desses limiares, a sua representação parlamentar será a que deriva da aplicação do método de Hondt a nível nacional. Os candidatos eleitos nos níveis inferiores (através do método do quociente eleitoral simples) serão incorporados nesse número, sendo o resto da quota preenchida através da lista nacional. Tal como acontece na maioria dos casos, o bicameralismo é assimétrico, sendo a Câmara Baixa a verdadeira fonte do poder legislativo: à exceção de alterações constitucionais referente aos poderes dos estados federados ou da própria Câmara Alta, onde a sua aprovação é essencial, esta última apenas pode atrasar a aprovação da legislação federal, já que um eventual veto do Bundesrat pode ser facilmente revertido pela maioria absoluta dos membros do Nationalrat.

Após dez anos de Grande Coligação

Após dez anos de executivos baseados na chamada Grande Coligação entre os dois maiores partidos do país (os social-democratas do SPÖ e os conservadores do ÖVP), dirigidos pelos primeiros, ambos sofreram o desgaste da governação. Nas presidenciais de 2016, que culminaram numa dramática vitória de Alexander van der Bellen (um independente apoiado pelos Verdes) sobre Norbert Hofer (do partido da extrema-direita FPÖ) numa disputada 2ª volta, os respetivos candidatos foram fragorosamente derrotados logo no 1º turno: ficaram ambos na casa dos 11% e não foram além dos quarto e quinto lugares, igualmente atrás da juíza Irmgard Griss, uma independente próxima dos liberais do NEOS.

Os alarmes soaram e os social-democratas substituíram o chanceler Werner Faymman por Christian Kern, em meados do ano passado. Contudo, foi a mudança de líder dos conservadores que originou a antecipação das eleições. Os maus resultados nas sondagens levaram à substituição do vice-chanceler, Reinhold Mitterlehner, pelo jovem Sebastian Kurz, de 31 anos, até então ministro dos Negócios Estrangeiros e da Integração. A rutura da coligação foi uma forma de afirmar a sua liderança. E não fez a coisa por menos: em lugar de as listas terem unicamente a chancela do partido, foram apresentadas como independentes, debaixo da designação “Lista Sebastian Kurz – O novo ÖVP”. Uma opção que sendo, na prática, cosmética, procurou enfatizar a mudança que o novo e jovem líder dos conservadores iria imprimir ao partido e à fossilizada política austríaca. Simultaneamente, numas eleições onde o tema central foi a política de acolhimento de refugiados, defendeu maiores restrições à sua entrada, como forma de retirar votos à extrema-direita. Por seu turno, o SPÖ, que, desde o final dos anos 80, tinha decidido não voltar a coligar-se com o FPÖ, passou a admitir esse cenário se o partido da extrema-direita aceitasse algumas condições definidas pelos social-democratas, como o respeito pelos tratados europeus e pelos Direitos Humanos.

Resiliência das três maiores forças políticas radica na História da sua 1ª República (1918-1934)

Ao contrário do que sucedeu em atos eleitorais realizados noutros países europeus, não se verificou na Áustria uma grande volatilidade eleitoral. Assim, os três maiores partidos (ÖVP, SPÖ e FPÖ) mantiveram a maioria dos seus eleitores de 2013. Essa resiliência das três maiores forças políticas do país radica na conturbada História da sua 1ª República (1918-1934) e do regime clerical-fascista que vigorou até ao Anschluss (anexação do país pela Alemanha), resultante da invasão das tropas hitlerianas, em 1938.

A república da Áustria foi estabelecida após o fim do Império Austro-Húngaro, em 1918, na sequência da sua derrota na 1ª Guerra Mundial. A referida entidade política abrangia territórios que hoje constituem, para além da Áustria e da Hungria, o nordeste de Itália, a Eslovénia, a Croácia, a Bósnia-Herzegovina (anexada em 1908), o norte da Sérvia (atual província autónoma da Vojvodina), a Rep. Checa, a Eslováquia, o sul da Polónia, o centro e oeste da Roménia (a Transilvânia) e o extremo oeste da Ucrânia. Deixar de ser uma das principais potências europeias (mesmo que já muito enfraquecida e com enormes tensões étnico-nacionalistas no seu seio), com um território vastíssimo e um elevado número de habitantes, para se tornar numa pequena república com uma dimensão territorial e demográfica idêntica à da vizinha Suíça constituiu um trauma para a maioria dos austríacos. Daí que muitos defendessem a integração num grande Estado alemão. Contudo, tanto no tratado de Versalhes, com a Alemanha, como no de Saint-Germain, com a Áustria, os Aliados colocaram uma cláusula que impedia essa opção. Para além disso, também os austríacos foram condenados a pagar indemnizações de guerra aos vencedores, o que tornou ainda mais difícil a recuperação da sua economia.

Surgiram, então, três grandes campos político-ideológicos, a que corresponderam três forças políticas: os social-democratas (SDAPÖ), os social-cristãos (CS) e os nacional-liberais pangermanistas (GDVP). Esses campos ainda hoje permanecem, com algumas nuances, e têm tradução nas atuais formações partidárias. Assim, o SPÖ é a continuação do antigo partido social-democrata. Mais radical que o atual, rendido ao neoliberalismo, incluía, no seu seio, uma forte corrente socialista, onde pontificava o teórico marxista Otto Bauer. Talvez por isso, os comunistas nunca tiveram grande influência no movimento operário do país. Apenas esteve no poder entre 1918 e 1920, mas manteve sempre o controlo do município da capital, o que valeu a esta o cognome de Viena, a Vermelha. Teve um grande papel nas lutas dos trabalhadores até à sua ilegalização, em 1934. A questão nacional dividiu o partido, havendo nele adeptos e opositores do Anschluss.

Por sua vez, o ÖVP é o herdeiro do antigo partido social-cristão (CS), umbilicalmente ligado à Igreja Católica e apoiado na burguesia nacional, que foi o responsável pela governação do país nesse período. Era fortemente nacionalista e opositor encarniçado do Anschluss, pois temia a perda do controlo sobre os recursos económicos do país e a sua integração numa Alemanha maioritariamente protestante. Em 1934, sob a liderança do chanceler Dollfuss, acabou com o regime parlamentar e criou um Estado clerical-fascista, inspirado no fascismo mussoliniano e no Estado Novo salazarista, entre outros.

Finalmente, o FPÖ radica nos pangermanistas, que desde sempre defenderam o Anschluss, já que consideravam a pequena república austríaca um Estado económica e politicamente inviável. Formaram, então, o Partido Popular da Grande Alemanha (GDVP), de ideologia nacional-liberal, que defendia uma maior liberdade comercial e rejeitava tanto o marxismo do SDAPÖ como o clericalismo católico do CS. Com a subida de Hitler ao poder na Alemanha, grande parte dos seus membros aderiu ao Partido Nazi.

Nesse período, a instabilidade política era imensa e as principais formações políticas dispunham de milícias armadas. Os confrontos entre os respetivos paramilitares eram frequentes. Nos anos 20, a agudização da luta de classes levou a choques frequentes entre social-democratas e conservadores católicos; nos anos 30, a força crescente do nazismo e a chegada de Hitler ao poder na Alemanha tiveram como consequência a dramatização da questão nacional, passando a opor estes últimos (na versão clerical-fascista) e os nazis.

Se é verdade que a 2ª república austríaca, criada após a 2ª Guerra Mundial, se tem caracterizado, até agora, por um ambiente de tolerância democrática, facilitado pela prosperidade económica e pela criação de um eficaz Estado Social durante os chamados “30 gloriosos”, o certo é que as divisões do período entre guerras se mantém no essencial, dificultando as mudanças no xadrez político-partidário do país.

Três circunstâncias

No ato eleitoral do passado dia 15, as alterações que se produziram resultaram de três circunstâncias:

1. O facto de o Team Stronach (sigla FRANK) - um partido unipessoal, fundado pelo milionário austro-canadiano Frank Stronach, de ideologia liberal-conservadora e abertamente anti Euro, que, há quatro anos, obteve 5,7% dos votos e elegeu 11 parlamentares – e o BZÖ - partido fundado pelo antigo líder do FPÖ, Jorg Haider, falecido em 2008, que obtivera então apenas 3,5% dos votos, ficando, assim, fora do Parlamento – não se terem apresentado neste ato eleitoral;

2. A cisão nos Verdes, após a sua líder Ewa Glawischnig, ter abandonado a liderança do partido, em maio, após divergências internas que levaram à expulsão da sua organização juvenil. Esta última acabou por aliar-se aos comunistas. Em julho, surgiu uma nova formação ecologista, a Lista Peter Pilz (sigla PILZ), nome de um deputado dos Verdes, que, insatisfeito com a sua posição nas listas, abandonou o partido, juntamente com outros parlamentares;

3. A redução da abstenção, que passou de 25,1 para 20%.

Conservadores do ÖVP foram grandes vencedores

Os conservadores do ÖVP (Österreichische Volkspartei – Partido Popular Austríaco) foram os grandes vencedores, obtendo 31,5% dos votos e 62 lugares parlamentares (24,0% e 47 eleitos em 2013). Para além de manter a esmagadora maioria do seu eleitorado, o partido terá conquistado cerca de 60% dos votantes do Team Stronach. Além disso, terá ainda atraído alguns eleitores social-democratas, de pequenas formações políticas e do BZÖ. A nova imagem que imprimiu ao partido foi essencial para evitar sofrer o desgaste da governação. A sua defesa de uma política mais dura face aos refugiados ter-lhe-á permitido conquistar uma pequena franja do FPÖ, mas terá perdido, igualmente, alguns descontentes com a governação para a extrema-direita. Na verdade, foi na conquista de aproximadamente 10% de abstencionistas e do eleitorado jovem que se alicerçou a sua vitória. Recordamos que Kurz tem 31 anos e que, na Áustria, a idade mínima para votar é de 16 anos. Como habitualmente, o partido, que tem fortes laços com a Igreja Católica, teve os melhores resultados nas zonas rurais do país, em especial no oeste e no norte, tendo vencido em seis dos nove estados federados. As exceções foram o Burgenland, no extremo leste, junto à fronteira húngara, a Caríntia, no sul, e Viena. A capital continua, como sempre, a ser o seu ponto fraco.

SPÖ obteve um resultado idêntico ao de há quatro anos

Os social-democratas do SPÖ (Sozialdemokratische Partei Österreichs – Partido Social-Democrata da Áustria) obtiveram um resultado idêntico ao de há quatro anos (26,9% contra 26,8%) e mantiveram o número de mandatos (52). Só a custo conservaram a sua posição de segunda força política, pouco acima da extrema-direita. Ao contrário dos conservadores, acabaram por ser relativamente penalizados pelos 10 anos consecutivos de permanência do poder. O facto de, durante esse período, terem detido a chefia do governo, terá pesado em alguns segmentos do eleitorado. É que, apesar de a situação económica da Áustria ser invejável em comparação com a maioria dos seus parceiros da UE, o país não deixa de ter de cumprir com a lógica austeritária dos tratados europeus. Apesar das concessões que fez ao populismo nessa matéria, o partido não conseguiu evitar que a questão dos refugiados se tornasse no principal tema da campanha. Assim, perdeu votos para o ÖVP, que assumiu, claramente, a prossecução de uma política mais restritiva nesse campo. Por outro lado, não beneficiou da queda da abstenção, já que atraiu apenas uma pequena parte dos abstencionistas e dos jovens. Só não teve um resultado pior devido ao colapso dos Verdes (a quem terão conquistado quase 1/4 do eleitorado) e à conquista de votos aos comunistas e a outras pequenas forças da esquerda extraparlamentar. Viena continua a ser o seu principal bastião, fiel ao cognome de “a vermelha”. Para além da capital, só conseguiu vencer tangencialmente no pequeno Burgenland, o estado mais pobre do país, encostado à Hungria. Como habitualmente, é nas áreas urbanas e mais industrializadas e nas classes médias e baixas aí residentes que possui os maiores apoios. Nas áreas rurais do oeste, os seus resultados estão bastante abaixo da média nacional.

Partido da extrema-direita FPÖ registou subida significativa face a 2013

Em terceiro lugar, ficou o partido da extrema-direita FPÖ (Freiheitliche Partei Österreichs – Partido da Liberdade da Áustria). Com 26,0% dos votos e 51 lugares, registou uma subida significativa face a 2013, quando se quedara pelos 20,5% e 40 mandatos. O seu resultado foi o segundo melhor de sempre, ficando muito perto dos social-democratas. Fundado por antigos simpatizantes nazis, procurou, até meados dos anos 80, assumir-se como partido liberal, equidistante dos dois maiores, nunca tendo, porém, passado da casa dos 8%. Com a chegada à liderança de Jorg Haider, filho de dois antigos membros do Partido Nazi, assumiu o seu caráter racista e xenófobo, com laivos de antissemitismo. Apesar de não assumir a herança do nazismo, o novo líder elogiou a “política de emprego do III Reich” (sic). Com essa viragem para a extrema-direita, rapidamente ganhou popularidade e, em 1997, obteve quase 27% dos votos, ficando, praticamente, empatado com o ÖVP na segunda posição, o que lhe valeu a entrada no governo em coligação com aquele, sob a liderança do chanceler Wolfgang Schüssel. Esse facto valeu ao país sanções por parte da UE. O partido saiu “chamuscado” da experiência governativa, descendo para pouco mais de 10%. Haider abandonou o FPÖ, fundando, pouco depois, o BZÖ (Bündnis Zukunft Österreich – Aliança para o Futuro da Áustria). O novo líder, Heinz-Christian Strache, ensaiou uma linha mais próxima da que seria, mais tarde, adotada por Marine Le Pen: passou a defender, a par do liberalismo económico, um Estado Social para os austríacos “de gema”, trocou o velho antissemitismo pela islamofobia, acentuou o euroceticismo e manteve a agenda anti-imigração que, desde os anos 80, passou a constituir o principal elemento definidor da identidade do FPÖ. Este ganhou apoio nos meios operários, em detrimento dos social-democratas, e rapidamente recuperou parte do eleitorado perdido. Embora o BZÖ de Haider nunca tenha tido grande apoio fora da Caríntia, estado natal do seu fundador, a sua morte num acidente de viação enfraqueceu o partido, que, em 2013, ficou fora do Parlamento e, agora, não se apresentou a sufrágio. O FPÖ terá, assim, conquistado mais de 85% do seu eleitorado, o que lhe permitiu ser o mais votado na Caríntia. Foi, ainda, buscar quase 20% dos votantes do Team Stronach (algo que explica o bom resultado na Estíria, onde aquele tinha o seu grande bastião) e alguns de pequenos partidos da direita extraparlamentar. Com o ÖVP, o saldo foi praticamente nulo e, relativamente ao SPÖ, apenas obteve ganhos marginais. Contudo, conquistou bastantes abstencionistas e jovens, algo que se afigura bastante preocupante. Para além da vitória na Caríntia (onde obteve 31,8% dos votos), é de realçar que o partido foi a segunda força política em cinco bundesländer. O FPÖ obteve as melhores percentagens no leste do país, embora, salvo o caso da Estíria, com 29,4%, as diferenças para o oeste sejam pouco significativas. A exceção é Viena, onde não passou dos 21,3%. Curiosamente, é na capital que se encontram as maiores comunidades imigrantes. Onde já vimos isto?!...

Os liberais do NEOS ficaram a grande distância dos três grandes partidos

A grande distância dos três grandes partidos, ficaram os liberais do NEOS (Das Neus Österreich – A Nova Áustria), que obtiveram 5,3% dos votos e 10 deputados, contra 5,0% e nove parlamentares em 2013. Nascido do Fórum Liberal, criado nos anos 90 após uma cisão no FPÖ, resultante da saída dos liberais daquela formação política, quando da sua deriva xenófoba e direitista, e de outra pequena formação da mesma área ideológica, é o partido das elites urbanas empresariais. Relativamente ao ato eleitoral anterior, manteve a maioria do seu eleitorado. A integração da popular juíza anticorrupção Irmgrad Griss, terceira mais votada nas presidenciais, no segundo lugar da lista nacional e na designação desta, terá ajudado o partido a não perder posições. Assim, compensou pequenas perdas para as três maiores formações políticas com alguns conquistados nas fileiras dos Verdes e em antigos votantes do Team Stronach. Curiosamente, foi no pequeno Vorarlberg, no extremo oeste, encostado à Suíça, e em Viena, áreas onde possui maior implantação, que perdeu votos, principalmente para o ÖVP (no primeiro caso) e para o SPÖ (na capital). Nos restantes estados, registou pequenas subidas.

Lista Peter Pilz obteve 4,4% dos sufrágios

A última formação política a conseguir representação parlamentar foi a Lista Peter Pilz, que obteve 4,4% dos sufrágios, obtendo, assim, oito lugares. Como referimos acima, resultou de uma cisão nos Verdes, encabeçada pelo deputado que deu o nome à formação política. A causa próxima do seu abandono foi o facto de a direção dos ecologistas não ter aceite que integrasse a respetiva lista nacional na quarta posição. Figura controversa, mas popular, encabeçou, desde os anos 90, várias investigações a casos de corrupção política no país e distinguiu-se pela defesa dos Direitos Humanos. Contudo, nos últimos tempos, passou a defender um maior controlo da imigração, acusando o presidente turco, Erdogan, de infiltrar os seus agentes entre os imigrantes oriundos da Turquia. Entre os fundadores da lista, estão dois antigos parlamentares “verdes” e uma social-democrata. Não pretendia transformar a lista em partido, mas fê-lo para ter mais privilégios na sua intervenção parlamentar. Para além de ter conquistado quase 1/3 dos eleitores dos Verdes, terá captado, ainda, algumas pequenas franjas do SPÖ, de partidos extraparlamentares, abstencionistas e jovens. Foi na capital (onde obteve 7,5% dos votos), que assegurou o resultado que lhe permitiu entrar no Parlamento. No resto do território, apenas na Baixa Áustria, no nordeste, ultrapassou ligeiramente os 4%. Trata-se, pois, de um típico voto de algumas elites urbanas mais cultas.

Os Verdes foram os grandes derrotados destas eleições

Os Verdes (Die Grünen) foram os grandes derrotados destas eleições. Tendo obtido 12,4% dos votos há quatro anos, quedaram-se, agora, pelos 3,8%, o que os deixou fora do Nationalrat. A anterior líder, Ewa Glawischnig, demitiu-se em maio, alegando motivos familiares e de saúde. Contudo, era inegável o mal-estar no seio do partido, em especial após um processo conturbado que resultou na expulsão da sua organização juvenil, que pretendia uma viragem à esquerda. Esta, entretanto, aliou-se aos comunistas, concorrendo numa lista denominada KPÖ+, muito semelhante à CDU portuguesa. A nova líder, Ingrid Felipe, não se candidatou a chanceler, delegando na eurodeputada Ulrike Lunacek, lésbica assumida e defensora dos Direitos Humanos, em especial os direitos das comunidades LGBTI+, dos imigrantes e refugiados e das minorias étnicas. Contudo, face à proximidade das eleições, a nova liderança não conseguiu afirmar-se e o apoio incondicional dos Verdes aos refugiados, em contraciclo com uma opinião pública “intoxicada” com o populismo xenófobo acicatado pelo FPÖ e consentido pelas formações do “centrão”, a par com as críticas da Igreja Católica e dos setores mais conservadores da sociedade austríaca à orientação sexual e às posições progressistas da candidata a chanceler em matéria de costumes, penalizaram fortemente o partido. Com a cisão protagonizada por Pilz, restava esperar pelo desastre anunciado: os Verdes viram fugir cerca de 70% dos seus eleitores de 2013, ficaram atrás da lista dissidente e perderam a representação parlamentar. Pior era impossível!... Para além da Lista Peter Pilz, que conquistou quase 1/3 dos eleitores ecologistas, também os sociais-democratas foram buscar cerca de 1/4 e os conservadores perto de 1/8. Algumas franjas foram para a abstenção, para o NEOS e para o pequeno partido populista e satírico G!LT. Aos 30% de fieis de há quatro anos, apenas terá somado um número muito reduzido de eleitores social-democratas, abstencionistas e jovens. Tal como em 2013, os melhores resultados ocorreram no oeste (em especial, no Vorarlberg) e em Viena, mas as perdas são enormes em todo o lado e apenas em quatro dos nove estados o partido superou os 4%.

Para já, o presidente Van der Bellen indigitou Sebastian Kurz para formar governo. O líder do ÖVP manifestou a sua disposição de se coligar com o FPÖ, rejeitando a renovação da Grande Coligação. Contudo, o ainda chanceler Christian Kern e líder do SPÖ também não enjeitou a hipótese de se coligar com a extrema-direita, colocando o FPÖ na posição de “king maker”, mas rapidamente recuou e anunciou que passará à oposição. Entretanto, Kurz convidou Strache para conversações sobre a formação de um novo executivo de coligação ÖVP-FPÖ. Este último aceitou o convite, pelo que tudo indica que teremos novamente um governo com a participação da extrema-direita. Longe vão os tempos que essa circunstância constituía uma preocupação da UE!...

Artigo de Jorge Martins para o esquerda.net

ÁUSTRIA 2017

BUNDESLÄNDER

ÖVP

SPÖ

FPÖ

NEOS

PILZ

GRÜNE

 

Votos

%

Votos

%

Votos

%

Votos

%

Votos

%

Votos

%

Burgenland

63858

32,81

64070

32,92

49127

25,24

5603

2,88

5529

2,84

3932

2,02

Kärntern

91458

26,84

99923

29,32

108215

31,75

14692

4,31

12298

3,61

8249

2,42

Niederösterreich

384279

35,60

267348

24,77

280011

25,94

51815

4,80

44767

4,15

29619

2,74

Oberösterreich

280595

31,45

246201

27,60

239444

26,84

42556

4,77

32772

3,67

32792

3,68

Salzburg

119072

37,71

70191

22,23

77120

24,42

17985

5,70

11149

3,53

12714

4,03

Steiermark

241917

31,49

192738

25,09

225990

29,42

38341

4,99

29980

3,90

21430

2,79

Tirol

158092

38,43

85650

20,82

102610

24,94

23537

5,72

15746

3,83

18367

4,46

Vorarlberg

67982

34,71

34961

17,85

47837

24,42

17666

9,02

5805

2,96

14137

7,22

Wien

188273

21,60

300664

34,49

186088

21,35

56323

6,46

65498

7,51

51398

5,90

TOTAL NACIONAL

1595526

31,47

1361746

26,86

1316442

25,97

268518

5,30

223544

4,41

192638

3,80

FONTE: Bundesministerium für inneres (BMI)


 

 

 

Jorge Martins
Sobre o/a autor(a)

Jorge Martins

Professor. Mestre em Geografia Humana e pós-graduado em Ciência Política. Aderente do Bloco de Esquerda em Coimbra