Quando se fala em altos níveis de desigualdade, uma resposta comum é que isso representa uma "política da inveja". Eu mesmo ouvi esta frase quando disse recentemente no Twitter que a parcela de rendimento destinada aos 0,01% de adultos mais ricos do Reino Unido estava num nível quase recorde, baseado numa nova análise que fiz dos dados fiscais do país.
Depois de tirar alguns meses para escrever um livro sobre o que sabemos em relação a desigualdades económicas, fiquei impressionado com a enorme quantidade de investigação que mostra como a desigualdade é prejudicial para as pessoas. É cada vez mais claro que níveis de desigualdade altos prejudicam a nossa saúde e bem-estar, a coesão social, os níveis de confiança, e funcionam como um travão ao desempenho económico. E há provas crescentes de que as desigualdades distorcem dramaticamente o terreno de jogo para as gerações futuras.
New paper: I & Claudia Samano Robles used the 2015/16 Survey of Personal Incomes to add a datapoint to the UK "top income shares" time series based on tax data (one more #inequality datapoint compared to the World Inequality Database) https://t.co/BnPmYgPfeY @MiSoC_Essex (1/n)
— Mike Brewer (@MikeBrewerEssex) June 17, 2019
Prejuízos para a saúde
Os países com níveis de desigualdade altos são mais stressados e ansiosos, menos felizes e saudáveis, e mostram menores sentimentos de solidariedade ou confiança através de toda a sociedade. O trabalho mais conhecido sobre este assunto é de Richard Wilkinson e Kate Pickett.
Wilkinson e Pickett argumentam que, nas sociedades de alta desigualdade, há uma pressão crescente para se ser rico, enquanto ser pobre se torna cada vez mais vergonhoso. Isso aumenta a ansiedade sobre o status social. O dinheiro, e o que se faz com ele, torna-se cada vez mais importante para o status.
O resultado é que a desigualdade agrava os aspetos nocivos do consumismo (“manter as aparências”), induz sentimentos de arrogância para quem está em cima e vergonha para quem está em baixo, e reduz a mistura, confiança e coesão social.
Tudo isto pode parecer uma sentença condenatória sobre a cultura do nosso século XXI de por as vidas no Instagram até ao tutano, mas o sociólogo Thorstein Veblen já tinha observado tais desejos de estabelecer uma superioridade (os ricos) ou conformar-se (os ligeiramente menos ricos) nos Estados Unidos do século XIX.
Desempenho económico sofre
A investigação também indica que a desigualdade prejudica o desempenho económico. Pode até ter sido a causa do crash financeiro de 2008 e a Grande Recessão que se seguiu.
O que me surpreendeu em trabalhos recentes nessa linha é serem liderados pelo FMI e pelo Banco Mundial, que não são propriamente conhecidos como viveiros de pensamento radical. Mas Christine Lagarde, chefe do FMI até há pouco, disse: "reduzir a desigualdade excessiva não é apenas correto moral e politicamente, é boa economia".
A OCDE, organização que representa as economias mais ricas do mundo, acrescentou:
"A ideia de que se pode desfrutar do fruto de seus próprios esforços foi sempre um poderoso incentivo para investir em capital humano, novas ideias e novos produtos, bem como para avançar com empreendimentos comerciais arriscados. Mas para lá de um certo ponto, especialmente durante uma crise económica, desigualdades de rendimento crescentes podem minar os fundamentos das economias de mercado."
Um nível alto de desigualdade não é uma consequência natural de uma economia próspera, muito menos necessária. Pelo contrário, as principais organizações internacionais receiam que a desigualdade seja um obstáculo ao crescimento económico.
Oportunidades limitadas
A desigualdade dificulta também a igualdade de oportunidades, e perpetua a divisão entre quem tem e quem não tem. Antigamente pensava-se que, se houvesse alguns na sociedade com muito menos que outros, talvez isso fosse um mero percalço no curto prazo, que as pessoas poderiam melhorar a sua sorte com trabalho e esforço.
Sabemos agora que, longe de viver num mundo onde todos os jovens têm as mesmas hipóteses de brilhar, o sucesso na vida é fortemente influenciado pelo nosso ponto de partida. Dados concretos e investigações cuidadas mostram que, quanto mais desigual é uma sociedade, mais difícil é alcançar a igualdade de oportunidades, menos mobilidade social existe.
Nos EUA, tantas vezes vistos como a terra das oportunidades, a via comum para chegar ao topo da distribuição de rendimento é já ter nascido lá, ou chegar lá por via do casamento. Em que país tem uma criança de famílias desfavorecidas as melhores hipóteses de subir na vida e chegar ao topo? Na Suécia.
Injusto e antidemocrático
Por fim, há um aspeto preocupante sobre os níveis altos de desigualdade estabelecido pelos economistas Joseph Stiglitz e Thomas Piketty. Se os governos ocidentais não tentarem redistribuir a riqueza e refrear os super-ricos, e o dinheiro se tornar a força que molda os debates políticos, o século XXI poderá assistir à ascensão de uma elite super-rica semelhante à que existia nos inícios do século XX, o que seria profundamente antidemocrático além de injusto.
Cada ano que passa com altos níveis de desigualdade é mais um ano que desgasta o sentido de justiça social, mais um ano em que a igualdade se torna mais difícil de atingir. Cabe aos eleitores, políticos e outros atores sociais cumprirem o seu papel para mudar os limites das respostas que são politicamente viáveis, e dos níveis de desigualdade que são socialmente aceitáveis.
Mike Brewer é professor de economia na Universidade de Essex.
Artigo original publicado em The Conversation. Tradução para esquerda.net de José Borges Reis.