"Debates 2011" - e as conclusões?

18 de outubro 2011 - 11:48

Contributo de Paulina Esteves

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Desde Junho passado que está aberto um importante debate no interior do nosso movimento, já que foram muitas as questões que ficaram sem resposta desde a noite de 5 de Junho (recolocadas agora com o resultado eleitoral na Madeira).

Porque é que o BE não está a conseguir ganhar a confiança e o apoio dos portugueses? Porque é que mesmo com o cenário favorável de crise económico-social, da austeridade, de desgaste político dos partidos do centro político, o BE não consegue afirmar-se como alternativa e ser aceite? Porque é que ao contrário do que seria lógico o BE tem diminuído as suas votações? Em que é que o BE não está a conseguir ir ao encontro das necessidades das pessoas?

Eis algumas questões centrais para o BE que não vemos serem objeto das análises que a sua importância justificaria.

Os muitos portugueses que deixaram de votar, que se afastaram dos partidos do centrão político precisam urgentemente de quem faça política de uma outra maneira: com outras propostas, outro estilo, outra ética, outro sentido de defesa da classe largamente maioritária, que é a dos assalariados e trabalhadores por conta de outrem. No entanto, estes não reconhecem ao BE essas características e capacidades.

Muitos militantes e simpatizantes têm refletido acerca destes temas, dando prova que já nada têm a ver com o estereotipo do "militante-soldado", executante fiel das tarefas determinadas por uma qualquer estrutura centralista, que felizmente não cabe no nosso BE. Os muitos textos aqui publicados - num exercício de liberdade e de democracia interna que me deixa orgulhoso de pertencer a este movimento - são a prova da extensão e da qualidade dessas reflexões.

Não seria legítimo, adequado e esperável haver uma análise e uma tomada de posição dos órgãos de direção do movimento, em relação às muitas opiniões aqui expressas?

Não seria de esperar, num movimento que tem na democracia participativa uma das suas principais referências ideológicas, que a participação dos seus aderentes tivesse em resposta, análises e reflexões da direção política?

Até agora foram publicadas 130 opiniões escritas, subscritas por perto de 200 aderentes e simpatizantes. Estas pessoas merecem legitimamente um posicionamento da direção do seu movimento quanto ao que escreveram, não servem só para colar cartazes, para distribuir panfletos e jornais, para dar o seu escasso tempo livre a reuniões.

Estas pessoas - para além do trabalho militante que realizam - pensam, opinam e têm o direito de esperar que a direção do movimento as oiça, dialogue, se posicione e eventualmente incorpore algumas das suas ideias e propostas.

Pressupõe-se que o BE seja um movimento de cidadãos a quem a direção escuta na tomada das suas decisões. Pressupõe-se que haja verdadeira comunicação entre as várias instâncias do Bloco, como se pressupõe que existam processos expeditos de auscultação dos aderentes, através das estruturas concelhias.

Pressupõe-se que no nosso movimento se pratica uma democracia avançada e participada, muito diferente da de outras forças políticas.

Pressupõe-se que este é um dos legados que o BE vem trazer à vida política portuguesa: começar a praticar no seu interior a democracia participativa que defende que se generalize em toda a sociedade. Pressupõe-se que nessa ótica os militantes mereçam uma palavra dos responsáveis, a respeito das profundas questões que o momento político atual está justificadamente a suscitar.

Dir-se-á que para isso existem as convenções. Só que a última convenção foi em Maio passado e revelou um modelo organizativo que no mínimo se pode considerar pouco competente.

A convenção mostrou um modelo adequado para: 1. Eleger democraticamente a Mesa Nacional ; 2. Aprovar alterações estatutárias; 3. Aprovar generalidades mais ou menos omissas acerca da linha política a adotar; 4. Dar voz a tendências, grupos e grupúsculos que ocuparam organizadamente a generalidade do tempo reservado a intervenções; 5. Alimentar o circo mediático que projetou para o exterior uma série de opiniões grupais que se pretendem fazer passar pela "oposição" à atual direção.

A Convenção mostrou-se inadequada e incompetente para: 1. Formular propostas plausíveis e consistentes para o BE apresentar ao país. 2. Apresentar o BE ao país como força política capaz de contribuir para a resolução dos seus problemas; 3. Aprofundar o debate interno construtivo e a geração de consensos que permitissem cimentar a unidade e a mobilização internas; 4. Afirmar o caráter diferenciado do Bloco e um modelo democrático interno, claramente mais avançado, promissor e apelativo para a participação cidadã; 5. Caminhar na autodefinição e no autoaperfeiçoamento enquanto organização política.

Um verdadeiro debate sério e a sério não se realiza em dois dias de Convenção a não ser que se efectuassem debates preliminares de tal modo longos e participados que à volta da Convenção se gerasse uma verdadeira mobilização e dinâmica.  O momento do debate foram os últimos meses e não houve nenhuma convenção nessa oportunidade, pelo simples facto de que já tinha havido uma em Maio passado. Das duas uma: Ou se fazem convenções com uma verdadeira agenda de debate e aprofundamento das questões, o que pressupõe grandes debates prévios, a formação de painéis e grupos de trabalho e eventualmente mais dias de convenção, o que parece pouco viável. Ou se realiza o debate fora da convenção usando as estruturas concelhias e distritais do Movimento. A segunda hipótese parece-me mais exequível e até certo ponto começou a esboçar-se. Algumas concelhias promoveram a ocorrência de debates.

A questão que se pode colocar é: a análise pós-eleitoral que está por concluir, pode e deve ser feita numa nova Convenção? Se nos reportarmos ao que têm sido as últimas convenções, percebe-se que a resposta é não. Mesmo que a generalidade dos activistas conseguissem ler as várias moções, como não está instituída a discussão descentralizada das suas diferenças, não disporiam do tempo e da oportunidade para aprofundar esse debate e torná-lo conclusivo.

Igualmente preocupante é o facto de não se aproveitarem os momentos em que o Bloco se pensa, para "fazer crescer" o Movimento, captando mais aderentes.

O BE não pode desperdiçar a capacidade de análise dos seus militantes e deixar as análises sempre para os mesmos quadros pensantes. Os activistas de base têm de ser chamados a opinar sob pena de, desmotivando-se, se afastarem da intervenção política e do próprio activismo no Bloco.

Não haverá verdadeira evolução no Movimento se não for resultado do apuramento das opiniões de todos os activistas.

A análise das razões que explicam o facto do BE estar a decrescer e em torno do que haverá a melhorar na sua linha política, constituem boas oportunidades para que as Assembleias Concelhias e Distritais mostrarem o que pensam os nossos aderentes. Essa expressão das bases devia ser verdadeiramente estimulada a partir da Mesa Nacional.

Temos que aprofundar o debate interno acerca das razões porque as pessoas não estão a encontrar no Bloco o aliado de que tanto necessitam e porque o BE não está a conseguir conquistar a sua confiança, para que na posse desse conhecimento-chave o Movimento se aperfeiçoe na sua ação política, cresça e contribua para resolver os problemas que todos nós e o país hoje enfrentamos.  

O BE não foi fundado para ser apenas mais um partido e guiar-se pelos mesmos padrões dos restantes partidos, que elegem nos congressos as suas direções e linhas políticas e pouco ou nada mais se passa até às eleições ou até ao congresso seguinte.

O seu carácter diferenciado e a natureza alternativa das suas propostas só podem ter génese numa organização interna que esbata as hierarquias e estimule a participação e a opinião dos seus aderentes.

É bom, mas não é suficiente, que se promovam "ações de esclarecimento" sobre temas políticos. Por vezes essas sessões são elucidativas e amiúde estimulantes, mas o formato de um orador e de um "público" torna a discussão pouco concreta, no sentido de que raramente saem ideias novas ou consolidadas pelas pessoas, raramente se passa à escrita e a alguma conclusão com ideias partilhadas e consequências práticas e transmitidas à direção política.

Só uma vida interna participada em que todos pensam, decidem e agem, e nenhuma destas três capacidades é exclusivo privilégio de ninguém, poderá garantir ao BE uma forma alternativa e mais avançada de intervir na sociedade e na política portuguesa. Esta atitude pressupõe respeito por quem ousa vir para o BE dar o seu tempo e o seu trabalho voluntariamente, o que acarreta ouvir com regularidade estes aderentes. 

Pelo razões que aqui acabámos de expor, vimos apelar a que os órgãos nacionais do BE tomem posição clara acerca das inúmeras e justificadas questões que têm sido levantadas ao longo deste participado debate, publicado no Esquerda.net.

Estimular o contraditório, extrair e sintetizar opiniões, promover respostas da organização e divulgá-las a quem teve a iniciativa e a coragem de participar neste processo de crítica e autocrítica, eis alguns dos tópicos que achamos essenciais numa segunda fase deste processo de Pensar o Bloco de Esquerda.

Paulina Esteves – aderente - Cascais