"Como uma criança a queimar formigas com uma lupa"

07 de outubro 2010 - 13:03

Apontamentos sobre a conferência no Porto do professor e activista pró-direitos do povo palestiniano Norman Finkelstein.

porAna da Palma

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Ataque de Israel à flotilha de solidariedade a Gaza não pode ser perdoado e este massacre não pode ser esquecido

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No dia 30 de Setembro, por volta das 18 horas, na Cooperativa Artística Árvore, o Porto teve a honra da presença do Professor Norman Finkelstein. Esta presença foi possível graças à vontade e dedicação conjunta de várias entidades oficiais e grupos de trabalho informais. Foi a primeira vez que Norman Finkelstein veio a Portugal e ao Porto para nos falar de um assunto que, em termos mais abrangentes, dizem respeito ao mundo inteiro, posto que o que está em causa é a nossa Humanidade. A palavra Humanidade foi escolhida entre todas porque foi uma palavra-chave no discurso de Norman Finkelstein e porque esta palavra, além de remeter para a nossa pequenez em termos de poder, evoca o nosso poder em termos de Povo sem pretensões nacionais, mas pertenças Terrenas.

 

Após uma contextualização, Norman Finkelstein anunciou o seu discurso em três partes envolvendo um passado próximo, um presente e um hipotético futuro. Julgo necessário referir a introdução, posto que nela ele soube aliar a sua presença com pequenos grupos (Lisboa, Porto, Coimbra) a algo mais importante que nos une a todos: a nossa Humanidade Terrena.

 

Não há nenhuma dúvida quanto ao objectivo alargado transmitido por Norman Finkelstein e poderão ouvir aqui a introdução à conferência não deixando qualquer dúvida às palavras serenas e humanitárias envolvendo um trabalho íntimo que requer lucidez e racionalidade por parte dos ouvintes. Desejamos realçar, mesmo que possa parecer desnecessário, que o interesse pelo Povo Palestino evoca a nossa Humanidade, evoca os textos fundadores da nossa Humanidade, tais como os direitos dos seres humanos e a Carta da ONU, para não citar outros textos fundadores para os quais todos nós, Povos, participámos de forma directa ou indirecta. Com efeito, esta nossa pertença à Humanidade toca-nos de tal modo que não podemos ficar calados diante do sofrimento de um Povo e essa recusa ao silêncio é, de facto, a nossa força, por mais manipulações e deturpações que possam haver, é sem dúvida a nossa única força.

 

O discurso de Norman Finkelstein construiu-se de forma simples em três tempos: Antes, Agora e Depois. Por questões práticas e pragmáticas o «Antes» começou com o massacre na Faixa de Gaza em 2008-2009, assunto que Norman Finkelstein tratou no seu último livro intitulado «This time we went to far». Norman Finkelstein apontou as principais razões deste massacre que, segundo ele, estão relacionadas com a derrota do Exército israelita no Líbano em Maio 2000, i.e, a retirada do Sul do Líbano. O «Agora», mais ou menos próximo, evoca os acontecimentos com a flotilha e, principalmente, com o Mavi Mármara em Maio 2010, contra o cerco ilegal de Gaza e a crise humanitária que levou organizações a orquestrarem o encaminhamento de ajuda humanitária, assim como, de forma muito sucinta, as actuais discussões de paz. Finalmente, o «Depois» remete para o que todos nós temos lido/ouvido/visto em torno de um futuro ataque ao Líbano por parte de Israel. Ataque anunciado na imprensa neste Verão 2010 e nas notícias em torno dos incidentes recentes na fronteira entre Israel e Líbano, e de um futuro ataque ao Irão, sabendo das posturas dos E.U. e da última comunicação de A. Lieberman (Ver aqui.)

 

Quanto à primeira parte da conferência, esta reflectiu sobre os objectivos de Israel com a Operação Chumbo Fundido em Gaza. Foram 22 dias, referidos por Amnistia Internacional como «dias de morte e destruição», que decorreram entre 27 de Dezembro 2008 e 18 de Janeiro 2009. Norman Finkelstein é da opinião que esta operação não contemplou um Povo e os direitos de um Povo, nem o Hamas, partido legalmente eleito em 2006 e que sofreu um golpe de estado orquestrado pelos EUA, Israel e alguns Palestinos em 2007, e o seu direito legítimo conferido pela Carta das Nações Unidas, dado o contexto militar e as forças militares israelitas em jogo, à resistência, e dado o facto de Israel não ter referido a questão da entrada de armas em Gaza, mas, neste caso, tratava-se apenas de restabelecer a credibilidade numa capacidade de dissuasão («deterrent capacity») junto dos países árabes, capacidade perdida aquando da derrota com o Líbano no ano de 2000.

 

O grande erro, usando as palavras do governo de Israel, foi principalmente devido ao facto de que Gaza não tinha, nem tem, poder ou capacidade militar para lutar contra aquilo que foi referido pelos soldados Israelitas como sendo «uma demonstração insana de poder militar»: «Como uma criança a queimar formigas com uma lupa». Os testemunhos dos soldados israelitas revelam tanto o grau de destruição como a ilegalidade da operação semelhantemente às constatações de organizações como Amnistia Internacional e Human Rights Watch e confirmadas pelo relatório Goldstone. O objectivo pareceu circunscrever-se a uma punição colectiva pela decisão soberana de uma povo aliada à necessidade de confirmação da capacidade militar de dissuasão de Israel. Quanto a este assunto, Israel não pode ser perdoado e este massacre não pode ser esquecido.

 

A segunda parte da conferência retomou os principais factos que levaram ao afretar barcos contra o cerco ilegal de Gaza, contra a grave crise humanitária decorrente do bloqueio provocando a «destruição de toda uma civilização» segundo as palavras de Mary Robinson. Conhecemos os relatórios recentes e alguns dos factos relatados pela imprensa, contudo Israel apenas revela novamente algo dificilmente aceitável aos olhos da população Israelita, com repercussões consideradas como perigosas em questões essencialmente relativas à famosa «segurança»: a incompetência das suas tropas e, neste caso, da elite das suas tropas. Norman Finkelstein leva-nos a reflectir sobre questões de consistência. Pois, se o objectivo fosse impedir o fornecimento de armas, tinham todo o direito de revistar os barcos e, por outro lado, se não quisessem mesmo provocar um grave incidente pondo em causa um dos maiores aliados árabes, a Turquia, teriam tido algum cuidado, se não fosse o desejo de demonstrar força e de responder às acções não violentas pela força, tal como acontece na Cisjordânia com as repetidas acções não violentas sistematicamente reprimidas pela força.

 

A última e terceira parte da conferência, apesar de acabar com um tom optimista implicando algo dificilmente concretizável, mas não impossível, se soubermos salientar o essencial junto dos Povos, leva-nos a um cenário muito negro. O que parece estar em jogo entra no domínio da ficção, Israel terá de dar a conhecer a sua extrema força de dissuasão e competência, para isto irá mostrar no Líbano a insanidade da sua potência militar tal como fez em Gaza. Esta possibilidade anunciada nos media durante o Verão 2010 pode levar segundo alguns a uma nova configuração de toda a região. Segundo parece, por um lado, Israel não aceita derrotas e vai querer mostrar que é uma potência dissuasiva, por outro lado, o chefe do Hezbollah, Hassan Nasrallah não vacila sobre esta questão futura e premente que envolve de perto ou de longe todos os Povos. Iniciar uma guerra contra o Líbano implica eventualmente o envolvimento do Irão e de outros estados revoltados com a postura e as decisões ilegais de Israel. Este cenário mais fatídico envolve um ponto sobre o qual muitos estados repousam as suas crenças: Israel irá obedecer a uma chamada de atenção vinda dos Estados Unidos e da União Europeia?

 

Registo completo da conferência de Norman Finkelstein no Porto: http://www.vimeo.com/15541831

Ana da Palma

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