Como o Bloco aborda os problemas

08 de julho 2011 - 0:04

Contributo de José Manuel Sousa

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Já fui aderente do Bloco de Esquerda. Uma das razões do meu afastamento teve que ver com um aspecto que tenho visto abordado: a arregimentação nos vários sectores que compõem o Bloco e a pouca consideração de quem não alinha nisto. Mas o meu contributo tem que ver com a forma como o Bloco aborda os problemas. Escrevi estas observações noutra ocasião, antes das eleições de 2009, e julgo que permanecem válidas:

«Continuo a ser da opinião que muitas das análises políticas da nossa situação actual e das perspectivas futuras enfermam de um vício de análise, porventura originário de muitos anos de luta política por parte da maior parte das pessoas que pensam política no Bloco, ou próximo deste.

A maior parte do eleitorado até pode ser de esquerda sem o saber. Não negando, evidentemente, a divisão entre esquerda e direita, quando passamos para a realidade comezinha do dia a dia, estes conceitos diluem-se bastante e as preferências e opções das pessoas não encaixam neles de forma simplista. Vejo sistematicamente confundido o eleitorado português (8 milhões de portugueses?) com o que parece ser o alvo prioritário(?) do Bloco: os militantes e simpatizantes socialistas (que serão, na melhor das hipóteses, algumas centenas de milhar). Do meu ponto de vista, isto é apontar para um alvo muito estreito. O Bloco tem que encontrar um discurso dirigido a todos, que analise os problemas e sugira soluções, de preferência globais e coerentes, para problemas que as pessoas sintam e compreendam. É evidente que há níveis de problemas que se reflectem na vida das pessoas sem que estas compreendam o elo de ligação; parece-me, contudo, que o Bloco demasiadas vezes se fica pela alta política, não descendo à terra, fazendo a ligação das várias pontas que se repercutem nos problemas mais próximos. Exemplificando: o Bloco passou as várias campanhas a falar da privatização da GALP e do Amorim; e do alargamento da concessão do Terminal de Alcântara. São problemas importantes? Certamente, sobretudo o primeiro caso. No entanto, a mensagem parecia mais dirigida para dentro, parecia radicar mais numa crítica anti-capitalista (a insistência no capitalista Amorim), que é importante, mas que soa para a generalidade das pessoas a algo mais ou menos académico (GALP deve ser pública ou privada?), quando o enfoque deveria ser mais prático (numa ou outra ocasião referida de passagem pelo Francisco Louçã): deve ser público por razões de segurança, pelas razões que a realidade ela própria tinha apontado com a "greve" dos camionistas: um país a tender para a ingovernabilidade por não controlar recursos essenciais, deixando-o nas mãos de poucos.

É um erro pensar-se que a Direita não mostrará preocupação, real ou aparente, pouco importa, com a crise, o desemprego, etc. Como já se viu com a majoração do subsídio do desemprego para casais desempregados, proposto pelo CDS e aprovado no Parlamento, pode dar-se o caso de ser o CDS a obter ganhos de popularidade e eleitorais (como se veio a verificar!) por remendos, a roçar a caridade, mas são concretos vs propostas mais consistentes, mas de aprovação remota do lado do Bloco.

A política não pode ser feita com intuitos imediatistas. A ideia de estar sempre a bater no governo, de desgastar o governo no dia a dia pode ser uma faca de dois gumes: pode também desgastar quem o faz (como também se viu agora, com a redução para metade da representação parlamentar do Bloco!). Ter razão pode implicar uma espera, ter paciência; o instantâneo pode levar à incoerência;

A Agenda mediática do Bloco põe os professores a toda a hora no Esquerda, mas fala-se pouco dos alunos e da qualidade do ensino (não estou a falar em documentos ou "workshops", que isso abunda, mas o que passa cá para fora);

O Bloco fala tanto de ambiente, Alterações Climáticas, de sustentabilidade, etc.. Mas depois quer-se auto-estradas sem portagens, um PIB sempre a crescer, etc, etc. "O Green New Deal" deve parecer algo muito exótico para a maioria de nós; é preciso traduzir isso por miúdos; a razão pela qual a estratégia do governo está errada é porque as energias renováveis e a eficiência energética, por si só, não resolvem nenhum problema. Mas como estratégia de propaganda, vai fazendo o seu caminho. A política tem que se fazer transmitindo conhecimento, caso contrário prevalece a propaganda.

A verdade é que estamos a viver uma crise que será duradoura, uma crise que é civilizacional e está em boa parte assente na degradação ambiental (Alterações Climáticas e combater a fome não são coisas à parte!) e na erosão dos recursos (crise energética); dá a impressão que o próprio Bloco tem receio de enfrentar alguns destes temas de frente. A razão é simples: a mudança é difícil, sejamos de esquerda ou não; e terá que haver mudanças, disso não há dúvida!»

Enfim, ficam estas impressões, como disse desgarradas, e despretensiosas para contribuir para o debate.

José Manuel Sousa - Blogue "Futuro Comprometido", Tirem as Mãos da Venezuela