Caminhamos para o quinquagésimo aniversário do 25 de Abril e, para ganhar balanço, eis que estamos já a comemorar estes anos de liberdade. É uma opção oficial, não sei se é muito boa ideia mas o melhor mesmo é não perder pitada. As iniciativas e eventos vão suceder-se, é preciso estar muito atento porque a publicitação não é das melhores. E estas comemorações se não tiverem a adesão popular, então, serão um fracasso. Valeria a pena dedicar muito cuidado e empenho à publicidade e trazê-la para a rua. Cartazes, placards, anúncios nos jornais, nos canais televisivos e também na rádio. O 25 de Abril cumpre-se na rua!
A escolha dos locais para as várias celebrações mereceriam muito cuidado. A escolha cuidada dos locais, contribui decisivamente como factor de sucesso. Que não se pense, muito menos se diga, que seca, podia ter sido bem melhor. Não, quando sairmos de um evento, a satisfação terá de ser plena. Quem prepara um evento, da investigação à produção, tem a responsabilidade maior (histórica?) de assegurar que ninguém lamente, nem por um minuto, o tempo que dedicou a esse evento. Nem todos os espaços servem o propósito que é de divulgar o acontecimento, o processo histórico que o contextualiza, de proporcionar uma lição mas também abrir caminhos. Uma interpretação sobre o momento nunca é de mais mas a comemoração não se pode limitar ao conhecido e óbvio. Qualquer evento em marcha deve ter por trás uma base sólida de investigação. O 25 de Abril revisitado, também renovado.
Muitos eventos consistirão numa exposição. Ora, montar uma exposição não significa juntar muitos materiais para os mostrar ao público. A montagem de uma exposição requer muito conhecimento técnico e sensibilidade. A montagem segue um guião donde a qualidade começa aí mesmo. O guião resulta de trabalho de investigação, tem um objectivo, prossegue uma orientação. Percebe-se que o guião não se faz da manhã para a noite (até pode, se for trabalho de amador). Com um guião seguro nas mãos, pode pensar-se na produção, logo, na montagem.
Para a montagem de qualquer exposição, os equipamentos são fundamentais. Estes constituem um recurso que usado devidamente valoriza os materiais expostos, ajuda a interpretar os factos, destaca uma nova interpretação ou apenas descortina questões que tenham até então sido minimizadas.
É preciso dispor de algum orçamento. Não vale a pena pensar que se montam exposições com orçamento zero, falso. Qualquer material de papelaria custa dinheiro e passando para os grandes materiais, a despesa dispara. Quero muito que as exposições que se avizinham tenham isto em consideração e não venham a público com soluções miseráveis de tão pobrezinhas.
A produção tem o guião, tem de o estudar e perceber como vai valorizar o tema em destaque. O melhor é discutir com a equipa responsável pela investigação, em conjunto decidirem como resolver cada problema, cada aspecto. Imagino que nas circunstâncias actuais, os locais para exposição já estejam escolhidos. As escolhas devem ter sido feitas com base na disponibilidade gratuita dos espaços, péssima decisão. Seja como for, definir os circuitos, por onde se começa, como se salta de espaço em espeço, de sala para sala. Só aparentemente é líquido. Depois, o tipo de expositores, planos ou verticais, as luzes das salas e das vitrinas, os textos de parede, a localização das legendas, o tamanho das letras, a distribuição dos materiais, a sinalização. Quem disse que era simples?
Inaugurei as minhas comemorações, indo visitar PRIMAVERAS ESTUDANTIS (Museu da Ciência, Faculdade de Ciências de Lisboa, Rua da Escola Politécnica) aberta a 28 de Março, data o mais coincidente possível com o Dia do Estudante, 24 de Março de 1962. A estupefacção foi tamanha que resolvi reunir este conjunto de notas sobre as dificuldades de montar uma exposição na esperança de que alguém aproveite algumas sugestões, pondo-as em prática para o bem de todos nós.
Se pensam que se entra pela porta principal, desenganem-se. O átrio da faculdade existe, magnífico mas não se utiliza. A entrada faz-se por uma porta secundária numa das alas laterais do edifício, acesso único para várias exposições, com e sem sinalização. Vencido este primeiro desconforto, as PRIMAVERAS ESTUDANTIS não merecem sinalização. Comecei a vaguear por entre minerais e achei muito estranho. Voltei à entrada, pedi ajuda, que sim, de facto não está sinalizada! Seguindo as instruções, atravessei outra exposição (GRANDES RISCOS que por sinal me pareceu muito interessante), percorri um corredor sem fim, vi o claustro e bem ao fundo descortinei um placard, finalmente, era ali. Era ali, sim, mas como depois de montada decidiram que a entrada se fazia pelo lado oposto, a primeira coisa que se encontra é o memorial dos estudantes presos entre 1962 e 1974 que deveria fechar a exposição. Quem terá decidido que esta era uma alteração insignificante? Como foi este placard que primeiro encontrei, deixei-me perder na leitura dessa memória. Depois a exposição, muito focada em 1962, nada dos tempos anteriores e muito pouco sobre 1969, menos ainda entre 1969 e 1974, nada sobre o MAEESL (Movimento Associativo dos Estudantes do Ensino Secundário de Lisboa), alguma coisa sobre a Casa dos Estudantes do Império. Nem tudo é negativo, claro, mas nós merecíamos mais porque 1962 e 1969 não caíram do céu. Ficamos sem saber da sociedade da qual tudo isto emergiu, da Guerra Colonial, da censura, da actividade clandestina da sociedade civil, das movimentações operárias, da emigração forçada de muitos portugueses. Todos quantos foram minando o regime de direita, mereciam um reconhecimento sobre a sua contribuição para que o movimento dos estudantes tivesse tido o impacto que teve e fosse um sucesso. Acabada a visita fiquei com um amargo de boca. O que vi, reavivou as minhas memórias mas não vim de lá com mais conhecimento. O local de exposição muito mal escolhido, péssimo; a forma reflectindo as limitações do espaço, sofrível mais; o conteúdo resultando mais de reunião de papéis do que de investigação, suficiente menos.
Proximamente, PROIBIDO POR INCONVENIENTE (Diário de Notícias, Av. Liberdade) inauguração a 7 de Abril, ao público até 27 de Abril; OBRAS PROIBIDAS NO ESTADO NOVO (Biblioteca Nacional, Campo Grande), inauguração a 3 de Maio, ao público até 3 de Setembro. Entrada gratuita.