Por ocasião do Dia Internacional da Saúde da Mulher, o Bloco de Esquerda apresenta dois projetos de resolução sobre esta matéria que visam a reforçar o acesso a produtos de recolha menstrual e promover o diagnóstico precoce da endometriose.
Distribuição de Produtos de Recolha Menstrual
Reconhecendo as mulheres como o grupo mais vulnerável à pobreza e exclusão social, o preço dos produtos de recolha menstrual é por vezes um obstáculo que aumenta essa exclusão. Tabus relacionados com a menstruação fazem com que muitas mulheres hesitem em falar sobre este assunto e o preço dos produtos de recolha menstrual pode em muitas ocasiões ser um obstáculo à sua aquisição. Estes dois fatores podem ter impactos a nível social, por poderem implicar ausências na escola e locais de trabalho, e de saúde, pois uma incorreta recolha menstrual potencia o surgimento de infeções, alergias, fungos e demais problemas de saúde.
Nesse sentido, um dos projetos de resolução apresentados no Parlamento procuram melhorar o acesso a estes produtos através da sua distribuição gratuita em centros de saúde e escolas. A proposta procura ainda garantir a promoção de ações de informação e esclarecimento sobre o ciclo menstrual e a utilização e variedade de produtos de recolha menstrual, a serem promovidos pelas Unidades de Cuidados na Comunidade e pela Saúde Escolar.
A distribuição gratuita de produtos de recolha menstrual é já uma realidade na Escócia, país que aprovou no início do ano uma lei que tem por objetivo combater a pobreza menstrual e promover a saúde das mulheres. Também na Inglaterra e Canadá existem programas que distribuem estes produtos de forma gratuita nas escolas, vendo-os enquanto necessidades básicas de saúde.
Diagnóstico e Tratamento da Endometriose
O segundo projeto de lei é dedicado à endometriose, uma doença crónica que se caracteriza pela presença de tecido endometrial em zona extrauterina (paredes exteriores do útero, ovários e trompas de Falópio e, em alguns casos, outros órgãos, como intestinos e pulmões). Durante o ciclo menstrual, este tecido extrauterino comporta-se como o endométrio intrauterino, primeiro proliferando, depois descamando durante a menstruação, o que provoca dor pélvica muitas vezes incapacitante, hemorragias e os vários sintomas associados a esta doença.
Estima-se que uma em cada dez mulheres em idade fértil sofram de endometriose. Ou seja, 10% da população feminina em idade fértil, a maioria ainda por diagnosticar. E é o diagnóstico tardio que acaba por ampliar as consequências da endometriose na saúde e qualidade de vida das mulheres, uma vez que é este que faz com que elas “tenham que viver durante muitos anos com a doença, sem saberem que a têm, sem obterem uma validação das suas queixas e sem terapêutica adequada que possa ajudar a controlar e combater os sintomas”. Segundo os especialistas, decorrem em média entre 8 a 10 anos entre os primeiros sintomas e o diagnóstico, muito em parte devido à normalização da dor, a ideia de que a menstruação envolve sempre dor e que a dor pélvica é um sintoma normal do ciclo menstrual de todas as mulheres.
“Segundo a Sociedade Portuguesa de Ginecologia, os sintomas mais frequentes de endometriose são: a) dores menstruais intensas (dismenorreia progressiva), que ocorrem um a dois dias antes da menstruação, persistem durante a mesma e podem prolongar-se por alguns dias após o seu término e são prevalentes em até 79% dos casos; b) dor durante o ato sexual (dispareunia profunda) que pode persistir após o coito e ser intensa, prevalente em 45% dos casos; c) desconforto a urinar (disúria) e dificuldade em evacuar (disquesia), prevalentes em até 25% e 29% dos casos, respetivamente; d) dor abdominal ou lombar, presente em 58% dos casos, e) dor pélvica crónica, prevalente em 69% dos casos, e dor pélvica aguda associada com rotura, hemorragia ou infeção de um endometrioma. Podem existir ainda outros sintomas associados como a hemorragia uterina anómala, a fadiga crónica, retorragias e hematúria ou sintomas gastrointestinais inespecíficos ou pneumotórax catamenial espontâneo”, explica o projeto bloquista. Entre 30 a 50% das mulheres com endometriose têm problemas de infertilidade associados, bem como incapacidade de levar uma gravidez a termo.
Face a esta realidade, a proposta visa promover não só o diagnóstico mais precoce desta doença crónica, mas também o acesso a terapêutica que permita controlar os sintomas e aumentar a qualidade de vida.
Tal seria conseguido através da elaboração “de uma norma de orientação clínica sobre endometriose, designadamente sobre diagnóstico e tratamento” a cargo da Direção Geral da Saúde (DGS) em conjunto com especialistas em ginecologia, e da promoção de informação sobre esta condição de saúde nos Cuidados de Saúde Primários, tanto para utentes quanto para profissionais de saúde.
A promoção de campanhas de divulgação desta doença crónica pouco diagnosticada envolveria ainda, de acordo com a proposta bloquista, ações de sensibilização em meio escolar, ensinando a identificar sintomas e o que fazer na presença destes, bem como a elaboração de uma campanha a nível nacional.
O acesso à terapêutica que permitisse o controlo da sintomatologia e a melhoria da qualidade de vida envolveria a “comparticipação dos medicamentos, tratamentos e terapias destinados ao combate à dor, alívio de sintomas ou de prevenção de progressão da doença”, propõe o Bloco de Esquerda.
Por último, defende-se a realização de um estudo nacional sobre a endometriose, mais em concreto “sobre a sua etiologia, real prevalência e subdiagnóstico, manifestações mais comuns e possíveis tratamentos, assim como sobre o impacto pessoal, profissional e financeiro da doença na vida das mulheres que dela sofrem”.
A necessidade de trabalho de promoção de informação sobre endometriose não é exclusiva da realidade portuguesa. Em 2017, Greg Gunt, ministro da Saúde australiano, pediu desculpa a todas as mulheres do país pela falta de atenção a esta matéria de saúde, tendo iniciado um plano de ação para melhorar o diagnóstico e tratamento.
No Reino Unido, uma investigação da BBC inquiriu 13.500 mulheres com endometriose. Destas, 35% admitiram já terem tido pensamentos suicidas relacionados com os sintomas da doença e muitas admitiram recorrer a medicação analgésica com elevado nível aditivo.