“Scholz rompe com Lindner.” Três palavras que causam impacto nos alemães, depois de três anos em que o líder do liberal Partido Democrata Livre (FDP), Christian Lindner, deu um tom austero ao governo de coligação. A divisão entre o chanceler Olaf Scholz e o ministro das Finanças Lindner tem outras consequências importantes: um governo paralisado, um voto de confiança iminente e novas eleições, de facto, no meio de uma crise económica. A situação da economia e das famílias deve piorar ainda mais. Pois não há fim à vista para a recessão na Alemanha – e com Donald Trump eleito apenas um dia antes desta crise governamental, novas guerras comerciais estão no horizonte.
A chamada coligação do semáforo – até à primeira semana de novembro composta pelos Social-democratas (SPD) de Scholz, os Verdes e o menor FDP – foi minada pela mesma coisa que a condenou desde o início: o estado das finanças públicas. O limite da dívida (uma emenda constitucional de 2009 que limita os déficits do governo a minúsculos 0,35%) permaneceu em vigor mesmo sob a auto-intitulada administração “progressista”, e não houve aumentos de impostos para bilionários para ajudar a estabilizar o navio.
No início, a coligação conseguiu contornar o limite da dívida usando vários truques. Mas com o aumento da crise, uma decisão do Tribunal Constitucional Federal em novembro de 2023 e a recessão em curso, o nó apertou-se ainda mais. O governo ficou praticamente paralisado. Ele só podia tomar novas iniciativas que não custassem nada e pudessem gerar receita tributária – por exemplo, os incentivos usados para motivar aposentados ou trabalhadores a meio tempo a regressar ao trabalho ou a trabalhar mais. O resultado: todos os partidos da coligação tiveram que esquecer a maioria das promessas que fizeram aos eleitores antes da eleição no outono de 2021. Os resultados são também miseráveis – o projeto de auxílios ao custo de vida conhecido como Bürgergeld (literalmente “rendimento dos cidadãos”) está cheio de buracos, a economia está a vacilar, a infraestrutura está a desmoronar e os planos de assistência a crianças foram adiados. Ao mesmo tempo, os índices nas sondagens dos três partidos que compõem o governo continuaram a cair – para a alegria da oposição conservadora e da extrema-direita.
Limite da dívida
A crise culminou numa recessão prolongada – e em documentos do SPD, do vice-chanceler Robert Habeck dos Verdes e de Lindner, cada um explicando o que gostaria de fazer, mas que era supostamente impossível na coligação. Com um pouco de vontade política, a coligação provavelmente poderia ter encontrado um meio-termo para permanecer no poder. Mas, de acordo com o chanceler Scholz, Lindner não estava disposto a fazer um acordo, apesar das concessões de longo alcance que ele lhe tinha oferecido.
Ao demitir o seu ministro das finanças, Scholz disse: “Não vejo outra maneira senão tomar essa medida para evitar danos ao nosso país”. Esta foi certamente uma declaração forte: quem não tivesse ouvido falar no histórico de Scholz, poderia ficar a pensar que ele era realmente um social-democrata. Os Verdes fizeram o que era esperado deles: em resposta à eleição de Trump, pediram mais apoio financeiro para a Ucrânia.
Poucos minutos depois, Christian Lindner tentou sacudir o capote: o chanceler tinha feito um ultimato a exigir que o limite da dívida fosse suspenso, o que significaria abrir a perspetiva de mais empréstimos do governo. Lindner disse que não poderia ter aceitado isso sem violar o seu juramento de tomada de posse. “A frase-chave na declaração de Lindner estava factualmente, simplesmente – quase dramaticamente – errada”, afirmou corretamente o economista Jens Suedekum. Lindner então sugeriu a Scholz que eles seguissem juntos o caminho de novas eleições. Mas Scholz dispensou-o. Tudo isto tinha sido planeado – como fica claro, de acordo com Lindner, pela declaração preparada pelo chanceler e pelo momento escolhido.
Com base nisto, Scholz deve tirar proveito da vantagem de ter tomado a iniciativa política. Quem mostrar alguma coragem primeiro tem mais probabilidade de ser recompensado pelos eleitores, embora isso possa não ser suficiente.
De acordo com o plano de Scholz, o parlamento federal (Bundestag) deve realizar um voto de confiança no seu governo minoritário a 15 de janeiro. Se perder – como ele certamente espera, já que agora conta apenas com o apoio do SPD e dos Verdes – novas eleições devem ocorrer, presumivelmente em março. De acordo com Scholz, antes do Natal, o Bundestag deve aprovar leis como o ajuste de níveis de tributação de pessoas com altos rendimentos para lidar com a inflação e fornecer alívio fiscal às empresas. Estas são prioridades notáveis, quando na sua declaração de rutura com Lindner, o chanceler o acusou de pensar apenas nos ricos.
Agora, Jörg Kuckies, que antes era secretário de Estado na chancelaria, assumirá o cargo de ministro das Finanças. Ele é membro do SPD desde o final da adolescência – mas também foi chefe do escritório da Goldman Sachs em Frankfurt durante quase uma década. Repetidamente, expressou grande interesse público em subsídios industriais multibilionários, que certamente ajudou a negociar. Ele é o primeiro economista a ocupar o cargo de ministro das finanças em mais de uma década – e também o primeiro incapaz de contar com maioria no Bundestag.
Campanha económica
Os próximos seis meses provavelmente continuarão tão mal quanto antes para a economia da Europa como um todo. Qualquer iniciativa legislativa requer uma maioria incluindo o FDP de Lindner (o que é dificilmente concebível) ou uma maioria com os democratas-cristãos (possível somente se for intencionalmente neoliberal). Os democratas-cristãos também estão a enfrentar um dilema entre mostrar “responsabilidade” ou então pressionar Scholz para eleições antecipadas. Eles já anunciaram ambas as alternativas, mas explicitamente descartaram apoio a um orçamento de Scholz.
Esta situação provavelmente continuará até meados de 2025, pelo menos, e, no pior dos casos, até ao fim do ano. Em linguagem simples, isto significa mais seis meses de crise económica, no mínimo – e uma incerteza massiva para todos os envolvidos. As empresas adiarão investimentos e os cidadãos usarão as suas poupanças. No pior dos casos, o novo governo Trump introduzirá mais tarifas contra a União Europeia em janeiro. Isto provavelmente aponta para um desemprego crescente e uma desindustrialização acelerada, se o governo permanecer paralisado.
Isto também significa que a próxima campanha eleitoral federal, em algum momento de 2025, certamente será travada em torno dos problemas económicos. Em princípio, esse é um bom ponto de partida para a esquerda alavancar uma mensagem económica populista. Mas o partido de esquerda Die Linke não tem braços para isso – a política económica sempre teve dificuldade em ganhar tração no partido, e com a saída de Fabio De Masi (para se juntar ao partido de Sahra Wagenknecht, o BSW) e a morte de Axel Troost no ano passado, perdeu os seus últimos economistas importantes. O BSW tem economistas, mas está pouco interessado em defender um ponto de vista estritamente da classe trabalhadora. E este é vital se a esquerda quiser mudar o curso atual da Alemanha.
Publicado originalmente na Jacobin. Traduzido por Pedro Silva para a Jacobina. Editado para português de Portugal pelo Esquerda.net.