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Coimbra: As “grandes opções” de Manuel Machado, cortar na cultura

Ao contrário da retórica de campanha e dos discursos de circunstância, foi agora oficializado que o Executivo de Manuel Machado tem como uma das suas Grandes Opções do Plano diminuir a importância da cultura no conjunto da ação da Câmara Municipal. Por Pedro Rodrigues.
A recuperação da vocação cultural do eixo Pátio da Inquisição/Rua da Sofia arrisca-se agora a ser destruído por quem aceitou criá-lo

As Grandes Opções do Plano (GOP) são, como o nome indica, o documento onde cada Executivo Autárquico apresenta as suas principais linhas de intervenção. Há sempre duas maneiras de as definir – em diálogo com a oposição e com a sociedade civil ou em regime de “auto-suficiência”, apresentando o documento à última da hora, simplesmente sujeitando-o ao voto do conjunto dos vereadores.

Em relação às GOP para 2015, o actual Executivo da Câmara Municipal de Coimbra escolheu a segunda via, o que teve duas consequências: foi necessário recorrer ao voto de qualidade do Presidente para as aprovar e os seus principais destinatários – os cidadãos do concelho – só conheceram as intenções da Autarquia depois de o documento estar aprovado.

Dir-se-á que são as regras da democracia representativa. É verdade que sim, se encaradas de uma forma legalista e redutora do exercício democrático do poder. Mas é também uma regra da democracia (e da decência) que os eleitos cumpram o que prometem em campanha. E que quando alteram os seus planos expliquem as razões de tal mudança a quem delegou neles o poder de governar.

O caso da cultura dá-nos dois graves exemplos de violação desta regra. O primeiro é a descida muito significativa do investimento nesta área – de 3,31 para 2,5% do total do Orçamento. Na cidade que se regozijou com a classificação atribuída pela UNESCO, que continua a afirmar que a cultura e o conhecimento são as suas maiores “potencialidades”, esta descida é muito significativa. Não há outra leitura possível: ao contrário da retórica de campanha e dos discursos de circunstância, foi agora oficializado que o Executivo de Manuel Machado tem como uma das suas Grandes Opções do Plano diminuir a importância da cultura no conjunto da ação da Câmara Municipal.

Este corte tem consequências concretas. Há instituições que desaparecem das GOP e que, portanto, deixarão de poder contar com o apoio da Câmara Municipal para desenvolverem as suas atividades. Duas delas são a Cena Lusófona e a Associação Encontros de Fotografia. Estou ligado à primeira (sendo portanto diretamente afetado), mas não é por isso que a refiro aqui. É que tanto uma como outra são responsáveis pela gestão de equipamentos municipais – no caso da Cena Lusófona, pela Ala Central do Colégio das Artes, no Pátio da Inquisição, cuja recuperação foi financiada pela União Europeia com o fim específico de aí ser instalado o seu Centro de Documentação e Informação; no caso dos Encontros de Fotografia, pelo Centro de Artes Visuais (CAV), um equipamento de referência a vários níveis, entre os quais a coleção que alberga e o próprio projeto de arquitetura. Deixá-las de fora das GOP significa que a CMC se desinteressa pelo que acontece nestes seus espaços (onde ela própria investiu dinheiro público), o que é inaceitável.

Mais uma vez, é de assinalar a contradição com o que foi prometido aos eleitores. Não é necessário recuar muito para lembrar como os Encontros de Fotografia foram apresentados por Manuel Machado, antes e depois das eleições, como um dos principais projetos culturais para a cidade. Além disso, os Encontros e a Cena são parte essencial de um projeto iniciado há mais de uma década, com o mesmo Presidente da Câmara: a recuperação da vocação cultural do eixo Pátio da Inquisição/Rua da Sofia, que agora se arrisca a ser destruído por quem aceitou criá-lo. Não é um projeto qualquer. Trata-se da zona histórica da cidade, em pleno centro urbano e na tal zona classificada que tanto fez inchar de orgulho os nossos governantes. Se esta zona é tratada assim, o que dizer do resto do concelho?

Quando questionado sobre as razões desta inusitada inversão de rumo, o Executivo limitou-se a responder, pela voz da Vereadora da Cultura, que o mesmo acontecia à generalidade das associações. Talvez, mas os cidadãos merecem mais do que respostas do tipo “porque sim” ou “porque não”. A governação de uma cidade não pode ficar refém de supostas incompatibilidades pessoais ou das arbitrariedades de quem foi escolhido para exercer o seu mandato.

A fundamentação das decisões e a prestação de contas pelo que é feito são tão essenciais à democracia como as eleições. Neste momento, e perante o que aconteceu a propósito das GOP na cultura, é isso que Manuel Machado e a sua equipa nos devem.

Artigo de Pedro Rodrigues, publicado em coimbra.bloco.org

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Produtor cultural, Cidadãos por Coimbra
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