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Cimeira do Clima é em Madrid e terá “enorme mobilização ibérica”

A um mês do início da COP-25 em Madrid, o investigador e ativista João Camargo faz o ponto da situação do movimento pela justiça climática nesta entrevista ao esquerda.net. E avisa que para conseguir ganhar, a luta contra a emergência climática terá de conseguir “travar a insanidade do capitalismo”.
João Camargo.
João Camargo. Foto de Paula Nunes no Fórum Socialismo 2019, no Porto.

A próxima cimeira do Clima (COP-25) devia ter lugar no Chile no início de dezembro, mas a convulsão social contra as políticas liberais fez o presidente cancelar o evento. A ONU já anunciou que será Madrid a cidade anfitriã, aproximando assim de Portugal o centro da mobilização das próximas semanas contra a emergência climática e a inação dos governos mundiais.

O esquerda.net falou com João Camargo — ativista do movimento Climáximo, autor do livro “Manual de Combate às Alterações Climáticas” e investigador do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa — sobre as expetativas para esta cimeira e o ponto de situação do movimento em Portugal e lá fora. Entrevista de Luís Branco.  


A convulsão social no Chile obrigou à mudança da próxima cimeira do Clima (COP-25) para Madrid. O que esperas das suas conclusões?

Das suas conclusões deve esperar-se mais do mesmo: a continuação do livro de regras de um acordo de Paris abandonado e que à partida já era insuficiente. Salva-se a ciência climática à volta do acordo, que nos dizia em 2015 que não podia haver novos combustíveis fósseis para manter o aumento da temperatura abaixo dos 2ºC até 2100 e que em 2018 nos disse que temos é de começar a fechar infraestruturas fósseis já (muito antes do final do seu tempo de vida útil) - o que significa que 90% das reservas conhecidas de combustíveis fósseis não podem ser exploradas, temos de falir as empresas mais ricas do mundo e apoiar a transição dos petroestados, o que só será possível com solidariedade e transferência massiva de conhecimentos, algo impossível em capitalismo. Como a próxima cimeira vai ser em Madrid, podemos esperar uma enorme mobilização ibérica.

Tivemos este ano grandes mobilizações pela justiça climática em Portugal, inspiradas no exemplo da Greta Thunberg. Essas greves estudantis traduziram-se no reforço dos coletivos e movimentos que intervêm sobre o tema?

Tivemos três grandes mobilizações este ano: Março e Maio greves estudantis, Setembro greve global. Houve uma explosão a nível global da mobilização e da criação e reforço de movimentos pela justiça climática, que neste momento tem três pernas principais: o Blockadia (termo cunhado pela Naomi Klein, que representa o movimento mais antigo e radicalizado que se formou ao longo das últimas três décadas, ancorado nas lutas locais contra projetos de extrativismo e combustíveis fósseis e na contestação à inação perante a crise climática), as greves climáticas (também chamadas Fridays for Future) e agora o Extinction Rebellion. Não existe qualquer dúvida que todos estes movimentos foram reforçados em 2019, o ano em que a justiça climática foi a luta global mais significativa. Dezenas de milhões de participantes, dezenas de milhares de organizadores por todo o mundo - isto tudo em um ano. Temos de crescer muito mais.

Tens participado em muitos debates em escolas sobre a emergência climática. Que conselho dás a um/a estudante que pretenda intervir mais ativamente para além das greves?

Muito do que têm sido os manifestos das greves está a materializar-se. O que eram até há pouco "impossibilidades" são agora realidades, como o encerramento das centrais de carvão. No entanto, é natural que pessoas que até há pouco tempo tinham pouca intervenção na luta social e climática ainda tenham de se embrenhar muito mais no tema. As pessoas têm de perceber mesmo a natureza global e estrutural das alterações climáticas no quadro do capitalismo. Não será possível resolver este problema com remendos.

As pessoas têm de organizar-se: ou nas estruturas existentes, ou em novas. Sozinho/as temos imensa dificuldade em processar e analisar racionalmente este problema, porque a nossa mundivisão prévia é sempre determinante na maneira como olhamos a solução para o problema. Quanto mais percebemos o problema, mais fácil é perceber que este é um problema que tem de ser atacado ao longo de toda a realidade: na política nacional, na política internacional, na nossa cidade, na nossa escola, frente a todos os projetos que nos encaminham para a catástrofe climática - em Portugal, é fácil perceber que os contratos petrolíferos ainda em vigor ou um novo aeroporto em Lisboa são coisas inadmissíveis, tal como é uma floresta artificializada e que arderá massivamente a cada meia década, ou as soluções pintadas de verde, como a intensificação agrícola com base em mais fósseis e mais consumos de água e químicos. Mas é preciso ir mais fundo. Os projectos e dinâmicas económicas que põem em primeiro plano o crescimento económico em detrimento da preparação para a uma nova realidade climática e enquadrando a igualdade social como prioridade são igualmente garantias de colapso.

A vida das pessoas mais novas será totalmente dominada por um clima como nunca vivemos. É preciso que as pessoas se preparem para isso: primeiro com muita informação, depois transformando essa informação em acção disruptiva.

O modelo de iniciativas pela justiça climática por cá tem passado por ações pontuais de denúncia das empresas poluidoras e dos lóbis que as protegem. Na tua opinião, quais os caminhos para o futuro do movimento?

O modelo de iniciativas pela justiça climática em Portugal tem passado pela interrupção directa de projectos destruidores como os contratos petrolíferos (só sobram os da Bajouca e serão travados), e terá de continuar a travar a insanidade que é propor aumentar as emissões: novos aeroportos, expansão de portos, extrativismo de toda a espécie (até pintado de verde, como o lítio).

Mas isto são as lutas defensivas: precisamos além disso passar à ofensiva, como propostas de transição justa como a campanha dos Empregos para o Clima e outras similares, mas sabendo sempre que a manutenção do capitalismo a nível internacional é a garantia do colapso climático. Portanto este é um movimento internacional e internacionalista que tem de aspirar a derrubar o sistema capitalista, se quiser ganhar. O movimento pela justiça climática tem de se tornar um movimento revolucionário que trave a insanidade do capitalismo e do crescimento económico infinito inerente à acumulação capitalista.

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