Chega recebe donativos diários de fontes anónimas

13 de agosto 2021 - 13:44

A lei impede transferências de fonte anónima mas o partido de extrema-direita recolhe donativos por esta via. Dos contribuintes agora conhecidos fazem parte os donos da Barraqueiro, da Transportes Paulo Duarte, da Sodarca e um acionista da fábrica de tomate Guloso.

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Os partidos estão proibidos de receber donativos de origem anónima — ou registados como tal —, bem como de quaisquer pessoas coletivas, a não ser que se trate de empréstimos contraídos em bancos.
Os partidos estão proibidos de receber donativos de origem anónima — ou registados como tal —, bem como de quaisquer pessoas coletivas, a não ser que se trate de empréstimos contraídos em bancos. Foto de Nuno Veiga, Lusa.

O Chega é o partido com o terceiro maior montante declarado de contribuições de filiados e donativos, num total de €335 mil angariados em 2020, ultrapassando o Partido Socialista (€330 mil).

Em comparação com outros partidos que mais recentemente elegeram deputados à Assembleia da República, o Chega obteve quatro vezes mais contribuições de militantes e simpatizantes do que o Iniciativa Liberal (€81 mil), e 22 vezes mais do que o PAN (€15 mil).

Durante 2020, o partido de extrema-direita registou um aumento extraordinário nas ajudas recebidas desde que André Ventura foi eleito nas legislativas de 2019. As quotas e contribuições subiram 1450% e os donativos cresceram 257% em 2020.

Segundo a análise do Expresso, uma parte significativa das transferências declaradas pelo Chega à Entidade das Contas e Financiamentos Políticos (ECFP) foi realizada online, através de uma plataforma de pagamentos que não regista a origem do dinheiro.

As transferências realizadas por este método, registadas com a designação Ifthenpay, tiveram um ritmo quase diário na ordem das centenas ou milhares de euros, mas os seus registos estão disponíveis apenas em papel para análise da ECFP.

Esta plataforma online, disponível na secção de donativos da página online do partido, permite realizar pagamentos por referências multibanco. Apesar do partido obrigar ao preenchimento de um formulário online, a plataforma não identifica os doadores no extrato bancário, o que estará em violação da Lei do Financiamento dos Partidos Políticos onde se define que os donativos e contribuições têm de ser “obrigatoriamente titulados por meio de cheque ou por outro meio bancário que permita a identificação do montante e da sua origem”.  

A Lei estabelece um limite anual de 25 vezes o Indexante dos Apoios Sociais para donativos, num máximo de €10.970,25. Os partidos estão ainda proibidos de receber donativos de origem anónima — ou registados como tal —, bem como de quaisquer pessoas coletivas, a não ser que se trate de empréstimos contraídos em bancos.

Os interesses da família Pedrosa e as posições de André Ventura

Humberto Manuel Pedrosa, dono do grupo Barraqueiro e acionista minoritário da TAP, surge como um dos quatro maiores financiadores individuais do Chega, com uma transferência de cinco mil euros realizada a 17 de junho de 2020. Ao Expresso, o empresário esclarece que terá sido o seu filho Artur Pedrosa, administrador da Barraqueiro, que terá realizado a transferência a partir de uma conta conjunta.

As posições de André Ventura revelam uma estranha consonância com os interesses da família Pedrosa na TAP, onde entrou através da privatização da aerotransportadora como sócio de David Neeleman.

A 30 de junho de 2020, com a crise pandémica e a TAP a necessitar de apoio do Estado, André Ventura apelava ao governo para que persistisse “no caminho de procurar encontrar uma solução que não passe por nacionalizar a companhia aérea”. Na altura, defendia a manutenção da participação da Barraqueiro e David Neeleman no capital social da empresa: “Não podemos dar o passo atrás de voltar a querer uma companhia aérea ao nível da Venezuela ou da Bolívia, temos de ter uma companhia aérea moderna, ao nível do que se quer na União Europeia, e isso exige uma parceria entre o Estado e os privados.”

Já em dezembro de 2020, concordou com a injeção de dinheiro público, por se tratar de uma companhia de bandeira “fundamental ao interesse estratégico português”, ao mesmo tempo que elogiou o trabalho feito pelos privados (“melhor do que aquele que estava a fazer o Estado antes da privatização”).

Para além de Humberto Pedrosa, há mais três empresários e gestores identificadores como financiadores da extrema-direita no passado com contribuições sempre de cinco mil euros: José Paulo Santos Duarte, dono da Transportes Paulo Duarte, João Maria Casal Ribeiro Bravo, da Sodarca, Sociedade Distribuidora de Armas de Caça, e sócio-gerente da Helibravo, e Jorge Moniz Maia Ortigão Costa, acionista da Sugal, umaa fábrica de transformação de tomate que detém a marca Guloso.

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