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Caso de Bruno e Phillips chama atenção para violência na Amazónia

A região onde o indigenista e o jornalista foram mortos concentra mais da metade dos conflitos por terra no Brasil. Um relatório da Comissão Pastoral da Terra, divulgado em abril, mostra que o número de mortes nestes conflitos aumentou 1.000% entre 2020 e 2021. Conheça alguns dos casos. Por Gabriela Moncau.
Ação de luta dos trabalhadores da Funai, a Fundação Nacional do Índio, um órgão estatal, contra o seu presidente que tinha declarado falsamente que Bruno Pereira não tinha autorização para entrar na área de Vale do Javari onde desapareceu. Foto de JOEDSON ALVES/EPA/Lusa.
Ação de luta dos trabalhadores da Funai, a Fundação Nacional do Índio, um órgão estatal, contra o seu presidente que tinha declarado falsamente que Bruno Pereira não tinha autorização para entrar na área de Vale do Javari onde desapareceu. Foto de JOEDSON ALVES/EPA/Lusa.

Bruno Pereira aparece sentado no meio da mata da Terra Indígena do Vale do Javari, no Amazonas. Num vídeo antigo que viralizou na passada segunda-feira, o indigenista – desaparecido com o jornalista inglês Dom Phillips desde o último dia 5 [a notícia do assassinato foi confirmada depois da altura em que este texto foi escrito] – marca o ritmo com o pé ao entoar um canto indígena da região. Termina a rir junto com pessoas que não aparecem na imagem, dando em seguida dois tragos num cigarro.

O vídeo, que poderia ser só um registo bonito, ganha ares de comoção no contexto de informações desencontradas e pressão nacional e internacional para que os desaparecidos sejam encontrados.

Como um paradoxo trágico que se retroalimenta, quanto mais o Brasil precisa de defensores dos povos das florestas e seus territórios, mais perigoso é ser um deles. Segundo relatório da Comissão Pastoral da Terra (CPT) divulgado em abril, o número de mortes em conflitos nas zonas rurais do país aumentou 1.000% entre 2020 e 2021.

A região amazónica, onde Bruno e Dom desapareceram, palco de casos emblemáticos de atuações e execuções de ativistas ambientais como Chico Mendes e Dorothy Stang, sobressaía no levantamento feito pela CPT. A Amazónia concentrou 52% de todos os conflitos por terra do país no ano passado. Nos nove estados que compõem a Amazónia Legal aconteceram 80% dos assassinatos daí decorrentes.

Na segunda-feira, enquanto equipas policiais e indígenas faziam mais um dia de busca no rio Itaquaí, centenas de pessoas protestavam em Atalaia do Norte (AM), onde o indigenista e o jornalista planeavam chegar. Em roda, com cantos e gritos, indígenas dos sete povos representados pela União dos Povos do Vale do Javari (Univaja) denunciaram a falta de atuação contra os invasores de seus territórios, a indignação com o desaparecimento de Pereira e Phillips e a recorrência da violência contra indígenas e aliados. Relembremos alguns casos recentes:

Sarapo Ka’apor

No último dia 14 de maio, Sarapo Ka’apor, aos 45 anos de idade, comeu um peixe. Horas depois, morreu. Dirigente da Guarda de Autodefesa dos Ka’apor na TI Alto Turiaçu, na Amazónia maranhense, Sarapo atuava no combate à invasão de madeireiros, garimpeiros e mineradores na área protegida.

Alvo de perseguição e ameaças, como uma tornada pública pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi) em janeiro, Sarapo estava incluído no programa estatal de proteção para pessoas ameaçadas. Não adiantou.

"Tememos que pessoas influentes tenham encomendado serviço de assassinos para envenenar Sarapo", escreveu em nota o Tuxa Ta Pame, Conselho de Gestão do povo Ka’apor. Por isso, os indígenas reivindicam a exumação do corpo da liderança e justiça.

Zezico Rodrigues Guajajara

Também no Maranhão, a 476 km de São Luís, Zezico Rodrigues Guajajara foi alvejado próximo da Aldeia Zutiuá, na cidade de Arame, em 31 de março de 2020.

Zezico era diretor do Centro de Educação Escolar Indígena Aruru e tinha vindo a denunciar o derrube da floresta e o roubo de madeira da região.

Foi nessa mesma TI Araribóia – área de 413 mil hectares onde vivem cerca de 12 mil indígenas – que o povo Guajajara já tinha vivido, no ano anterior, a execução do jovem Paulino, outro dos seus dirigentes.

Paulo Paulino Guajajara

Apelidado de "Lobo mau" e "Guardião da floresta", Paulo Paulino Guajajara foi vítima de uma emboscada quando voltava de um dia de caça com um amigo, Laércio Guajajara, que conseguiu escapar ferido. Era 1 de novembro de 2019 e, atingido com tiros pelas costas, Paulino não sobreviveu.

Casado e com um filho pequeno, Paulino Guajajara também integrava o grupo indígena que atuava na preservação da mata e de seu povo, no combate à extração de madeira. O seu pai, líder espiritual, é um dos importantes cantores tradicionais dos Guajajara.

Ari Uru-Eu-Wau-Wau

Parece a mesma história, mas é outra – com enredo repetido. Como Bruno Pereira, Sarapo Ka’arapo e Paulino Guajajara, Ari Uru-Eu-Wau-Wau também integrava um grupo auto-organizado de vigilância em defesa da floresta, registando e denunciando extrações ilegais de madeira dentro do seu território, na Rondônia. Também já tinha recebido ameaças de morte, antes delas se concretizarem em 18 de abril de 2020. Ari foi morto aos 33 anos de idade na manhã de um sábado na estrada do município de Jaru (RO).


Texto originalmente publicado no Brasil de Fato. Editado para português de Portugal pelo Esquerda.net e acrescentada a notícia da morte de Dom Phillips e Bruno Pereira.

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