O “Público” noticiou neste sábado que Marcelo Rebelo de Sousa tem a intenção de condecorar todos os membros da Junta de Salvação Nacional, no âmbito das comemorações dos 50 anos do 25 de Abril.
Neste domingo, 10 de abril, o “Público” dá a conhecer uma carta aberta ao Presidente da República apelando a que não condecore o general Spínola e reconsidere a sua intenção, considerando que essa condecoração “representaria uma afronta”. A Carta Aberta é subscrita por mais de 30 personalidades, entre as quais os historiadores Fernando Rosas e Manuel Loff.
Segundo o jornal, na carta é recordado que “logo após a queda da ditadura no dia 25 de Abril, Spínola coloca entraves na libertação de todos os presos políticos, manifesta a vontade de manter a PIDE em funções e coloca reservas ao fim da guerra colonial”.
O documento lembra que enquanto Presidente da República, António de Spínola “enxovalhou publicamente” o seu primeiro-ministro, apelando “à manifestação da maioria silenciosa, dando origem à tentativa de subversão da legalidade revolucionária vigente em 28 de Setembro”.
O texto recorda também que Spínola conspirou “para derrubar o governo promovendo para o efeito a tentativa de golpe do 11 de Março, com o RALIS a ser metralhado [a 11 de Março de 1975, tropas pára-quedistas ligadas ao general Spínola, atacaram o Regimento de Artilharia Ligeira (RAL1]”.
“Gorada esta tentativa foge para Espanha e cria o MDLP, principal organização que irá estar presente no Verão Quente de 1975, em que foram incendiadas e destruídas sedes de partidos políticos, em que foram perseguidos, agredidos e mortos militantes de partidos de esquerda, em que parte do país esteve a ferro e fogo durante alguns meses”, refere a carta.
O documento considera que “o general Spínola foi a personalidade mais perturbadora” do esforço de consolidação da democracia depois de 48 anos de ditadura, “tendo inclusivamente recorrido a métodos violentos para repor a ordem derrubada em 25 de Abril”.
A Carta Aberta conclui considerando que “a atribuição da Ordem da Liberdade a este militar representaria uma afronta ao espírito desta honra” e as pessoas que a subscrevem apelam a Marcelo Rebelo de Sousa que reconsidere atribuir “tão alta distinção a quem não se mostrou digno dela ao não estar à altura da confiança que os seus camaradas e os portugueses colocaram na sua pessoa”.
Subscrevem a Carta Aberta:
Adelino Granja (jurista), André Barata (professor universitário), António Avelãs (professor), Bruno Maia (médico), Boaventura de Sousa Santos (professor jubilado da Faculdade de Economia de Coimbra), Carlos Brito (deputado Constituinte e antigo deputado da Assembleia da República), Carlos Trindade (sindicalista socialista da CGTP-IN), Cipriano Justo (professor universitário), Domingo Lopes (jurista), Elísio Estanque (professor universitário), Fernando Nunes Vicente (professor universitário), Fernando Rosas (historiador), Florival Lança (antigo dirigente sindical), Francisco Louçã (professor universitário), Guadalupe Simões (sindicalista), Guilherme da Fonseca-Statter (investigador), Hélder Costa (dramaturgo, encenador), Jaime Mendes (médico), Joana Amaral Dias (psicóloga), João Bau (investigador), José Manuel Boavida (médico), José Maria Castro Caldas (economista), José Reis (professor universitário, Luís Natal Marques (gestor público), Luísa Branco Vicente (psiquiatra e pedopsiquiatra), Manuel Loff (historiador), Maria do Rosário Gama (professora aposentada), Mário Jorge Neves (médico, antigo presidente da FNAM), Miguel Vale de Almeida (antropólogo), Paulo Fidalgo (médico), Rui Vieira Nery (musicólogo e professor universitário), Teresa Dias Coelho (artista plástica), Zeferino Coelho (editor)
Texto integral da Carta Aberta:
SPÍNOLA NÃO MERECE A ORDEM DA LIBERDADE
A Ordem da Liberdade é uma ordem honorífica destinada a distinguir e galardoar serviços relevantes prestados à causa da democracia e da liberdade. Juntamente a outras personalidades, o Presidente da República manifestou a intenção de atribuir esta Ordem, a título póstumo, ao general Spínola.
Logo após a queda da ditadura no dia 25 de Abril, Spínola coloca entraves na libertação de todos os presos políticos, manifesta a vontade de manter a PIDE em funções e coloca reservas ao fim da guerra colonial.
Já na qualidade de Presidente da República, enxovalha publicamente o Primeiro-Ministro da altura numa tourada no Campo Pequeno, fazendo apelo à manifestação da maioria silenciosa, dando origem à tentativa de subversão da legalidade revolucionária vigente em 28 de Setembro.
Derrotada esta tentativa, conspira para derrubar o governo promovendo para o efeito a tentativa de golpe do 11 de Março, com o RALIS a ser metralhado. Gorada esta tentativa foge para Espanha e cria o MDLP, principal organização que irá estar presente no Verão Quente de 1975, em que foram incendiadas e destruídas sedes de partidos políticos, em que foram perseguidos, agredidos e mortos militantes de partidos de esquerda, em que parte do país esteve a ferro e fogo durante alguns meses.
Quando Portugal procurava consolidar a sua democracia depois de 48 anos de ditadura, durante mais de um ano o general Spínola foi a personalidade mais perturbadora desse processo, tendo inclusivamente recorrido a métodos violentos para repor a ordem derrubada em 25 de Abril.
Por estas razões, porque a atribuição da Ordem da Liberdade a este militar representaria uma afronta ao espírito desta honra, os abaixo-assinados esperam de V. Exa. a recusa em atribuir tão alta distinção a quem não se mostrou digno dela ao não estar à altura da confiança que os seus camaradas e os portugueses colocaram na sua pessoa.
9 de Abril de 2022
Entrevista a Fernando Rosas - 2010
Publicamos abaixo uma entrevista a Fernando Rosas de 2010 sobre as declarações de Cavaco Silva de elogio ao general Spínola: