França assistiu esta quarta-feira a um dia de protestos espalhados por todo o país no âmbito de um movimento chamado “bloqueemos tudo”, que começou a crescer no verão nas redes sociais e se foi consolidando depois através de assembleias gerais presenciais.
Apesar das grandes centrais sindicais manterem alguma distância relativamente à ação, alguns sindicatos foram-se juntando, pelo que em vários setores foi também dia de greve. Noutros houve outro tipo de ações. A CGT anunciava logo pela manhã que já tinham ocorrido pelo menos 700 ações em empresas ou infraestruturas estratégicas do país.
Para além de inúmeros drones de vigilância, o governo francês mandou oitenta mil polícias para as ruas. Segundo as suas estimativas, iriam mobilizar-se no país cem mil pessoas. Ou seja, previa-se quase um polícia por manifestante. O objetivo declarado era travar bloqueios. Uns não chegaram a acontecer por causa disso, outros duraram mais ou menos tempo. Intervenções policiais musculadas conseguiram impedir vários bloqueios de estradas como, por exemplo, alguns dos que pretendiam cortar a Boulevard périphérique, a circular que envolve Paris. Noutros pontos da mesma, manifestantes conseguiram interromper a circulação e montar barricadas.
Em Rennes, a entrada de uma auto-estrada foi cortada até que a polícia interveio com gás lacrimogéneo para dispersar manifestantes. Há notícias de cortes de estradas em muitos lugares como na M7 em Lyon, na A10 em Potiers, na circular de Nantes ou na AP-7 na fronteira de Girona.
Também as linhas ferroviárias foram afetadas, por exemplo em Marselha, onde também havia estradas cortadas. Já o percurso de comboios entre Toulouse e Auch foi cortado, tendo sido apresentado como motivo um incêndio nos cabos.
Os casos serão muitos. À hora de almoço, um primeiro balanço do Ministério do Interior contava 106 ações policiais de “desbloqueio”. Antes, pelas 11 horas, tinha referido a existência de 430 ações no país, com 273 concentrações e 157 bloqueios, sem contar com as dezenas de escolas que também foram bloqueadas. Para além disso, informava-se que existiram 295 detenções, 34 das quais terão resultado já em prisão preventiva.
França
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O movimento depara-se também com a mais ampla vigilância de sempre. Houve pelo menos 50 pedidos de vigilância através de “câmaras instaladas em aeronaves”. E só, em Paris, estarão no ar dez drones para além da cobertura por helicóptero.
Bloqueios de manhã, manifestações pela tarde
O jogo do gato e do rato dos bloqueios que iam sendo terminados pela polícia e eram recuperados pouco depois noutro local, guiados por um dilúvio de mensagens em diferentes grupos de Telegram, deu lugar pela tarde a outro tipo de mobilizações.
Por exemplo, na Praça do 1º de Maio em Clermont-Ferrand, criou-se uma “zona de ocupação temporária” onde se vai realizar uma assembleia geral. Na mesma cidade, largas dezenas de ciclistas circulavam pela cidade, levando mantimentos e a apoio a bloqueios e criando também eles pequenos pontos de bloqueio através da circulação lenta.
Ao mesmo tempo, na Praça do Châtelet, em Paris, largos milhares de pessoas manifestavam-se. Entre eles, estava Jean-Luc Mélenchon, que dizia ali sentir-se “como um peixe na água”.
À Châtelet comme des poissons dans l'eau. pic.twitter.com/O9abpGadEM
— Jean-Luc Mélenchon (@JLMelenchon) September 10, 2025
Em Toulouse, mais de 30.000 pessoas faziam pela tarde um desfile pelas ruas da cidade. O secretário do departamento regional da CGT que está na flotilha rumo a Gaza enviou uma mensagem à manifestação, que foi transmitida. Em Metz eram perto de 10.000. Em Marselha a polícia fala em 8.000 mas os manifestantes contam-se por dez vezes mais segundo a CGT. O mesmo cenário de grandes manifestações repete-se nas grandes cidades do país.
Nas assembleias gerais e nas intervenções em manifestações, o movimento distingue-se claramente dos coletes amarelos pela politização e pelo pendor à esquerda. Feminismo, Palestina, Anti-fascismo entre outras causas, são invocadas a par de outros problemas sociais.
"Siamo Tutti Antifascisti" lance la foule en chœur. Des milliers de personnes rassemblées pour le mouvement "Bloquons Tout" à Châtelet. #10septembre #Paris pic.twitter.com/w56UyGk0DB
— Pierre Tremblay (@tremblay_p) September 10, 2025
Lecornu, o amigo dos jantares secretos com a extrema-direita, passa a chefe de governo
Macron tinha dito que iria nomear em “alguns dias” um novo primeiro-ministro. Afinal, escolheu fazê-lo no mesmo dia em que Bayrou lhe apresentou a sua demissão, depois de ter sido derrotado numa moção de confiança na véspera. O timing da nomeação não será, obviamente, alheio à onda de protestos.
O presidente francês escolheu nomear para chefiar o novo governo o ministro da Defesa, Sébastien Lecornu, um dos seus apoiantes mais fiéis e que tinha começado o seu percurso político pela direita nos Republicanos, partido do qual foi expulso, antes de aderir ao La République en marche de Macron.
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Aos 39 anos, é já político profissional há vinte anos, não tendo tido outra ocupação. E chega à liderança do executivo depois de ter feito parte de todos os governos nomeados por Macron desde que chegou ao poder em 2017. E foram muitos, pois tornou-se agora o quinto primeiro-ministro apenas nos últimos dois anos.
Na nota que acompanhou a divulgação do escolhido, Macron pede-lhe “acordos essenciais” que levem à aprovação do orçamento e um governo que “defenda a independência e o poder da França” com o objetivo de alcançar “a estabilidade política e institucional necessária à unidade do país”.
Macron gaba a Lecornu o papel de combate ideológico que o então ministro das Coletividades Territoriais teve durante os protestos dos coletes amarelos. A seu cargo, enquanto ministro do Ultramar, teve também a cargo, junto com o ministro do Interior na altura, Gérald Darmanin, a repressão do movimento de protesto da Nova Caledónia.
A sua nomeação é vista como um piscar de olhos a Marine Le Pen. Um manifestante, citado pelo Libération, descreve-a mesmo como um "estender da passadeira vermelha à extrema-direita. Recorde-se que Lecornu funcionou como uma espécie de agente de ligação entre o macronismo e a extrema-direita, o que foi conhecido depois de revelados os jantares secretos entre ambos, organizados por Thierry Solère.
Por tudo isto, Jean-Luc Mélenchon, dirigente da França Insubmissa, diz que a nomeação é “uma triste comédia de desprezo do Parlamento, dos eleitores e da decência política”. Marine Tondelier, dos Verdes, fala numa “nova provocação” do presidente. E o PS lamenta que Macron “teime numa via que conduziu ao falhanço e à desordem,” caminho que levou ao “bloqueio institucional do país”.
Do seu lado, a extrema-direita, com fome de poder e sondagens favoráveis entra a ameaçar. Jordan Bardella, presidente da União Nacional, diz que o mandato do novo chefe de governo é “muito precário” e “ou há uma rutura ou há censura”. É, curiosamente, ao assumir funções é precisamente essa a ideia que , Lecornu promete: “ruturas” “não só na forma e no método” mas também “no fundo” da forma de governar, almejando ser “mais criativo” e “mais sério na forma de trabalhar com as oposições”.