A minha formação política, desde muito novo, sempre foi de esquerda . Aderi ao B.E. e, como eu, muito boa gente, creio, por várias razões. Saliento três :
a) Entendi, à época, ser necessária uma alternativa de esquerda séria, necessariamente com substrato ideológico, mas, também, contemplando um novoprocesso dinâmico, reflexivo, corrector de erros passados—e foram muitos—e aberta a várias correntes de pensamento surgidas entretanto, numa perspectiva abrangente e não dogmática. Todo o processo vivido ao longo do sec. passado --- e que não volta mais --- deveria ( deverá?) ser posto em causa dando lugar a um entendimento prévio nesse sentido de várias correntes de pensamento . Era e é para mim evidente e creio, repito, para muito boa gente, não só não valer a pena como, convenhamos, pouco inteligente querer impulsionar uma nova esquerda sem cumprir este desiderato.
b) porque me parecia (e parece) a única alternativa a uma situação de enorme caos económico, político e mesmo ideológico desde que as teorias de Milton Friedman e dos seus Chicago Boys ameaçaram passar a ser dominantes e rapidamente “centrifugadas” por todo um mundo em processo de globalização descontrolada—merecendo, em meu entender, diga-se de passagem, reflexão muito mais aprofundada!.
c) porque me pareceu que o projecto do Bloco de Esquerda – que não partido—poderia (poderá?) ir na direcção correcta e, num processo necessariamente dinâmico, lançar os alicerces de uma Nova Esquerda tão necessária , consciente, contudo, das dificuldades imensas muito em particular, no que à inter-relação entre as várias “correntes” de esquerda diz respeito.
Ora, penso que todos concordaremos, que essa nova esquerda não surgiu… e, mais grave, não surgirá se mantivermos a linha de intervenção política que caracterizou a nossa actuação nos últimos anos. Esta uma primeira ilação que tem que ser entendida e devidamente valorizada por todos. Se assim não for, creio ter-se perdido irremediavelmente todo um processo de intervenção política a todos os títulos inovador e que atingiu uma expressão na sociedade portuguesa julgada impossível por muitos. É esse espírito de dúvida mas ao mesmo tempo de procura, sem medos, de novos caminhos sem retrocessos ou tergiversações que o Bloco tem que ter a humildade necessária de reencontrar, consciente que o processo é, necessariamente, dinâmico e que não volta a fazer sentido esperar por uma qualquer “filosofia” enquistada sobre si própria e progressivamente incoerente e inconsequente.
Aceite esta premissa , reflectiria convosco sobre alguns pontos que me surgem como incontornáveis :
1. O B.E. não conseguiu definir um espaço próprio. Oscilou, claramente, entre um P.C. anquilosado e imutável e uma hipotética franja de esquerda de um P.S. há muito convertido a uma “nova via” Bellerista na boa linha Kautskiana…com a ideia errónea de que não havia alternativa e numa perspectiva puramente eleitoralista. Na minha opinião há aqui uma inversão da ordem natural das coisas. Por outras palavras, em primeiro lugar e, como aconteceu nos primeiros tempos, trata-se de criar espaço e, essa a dificuldade, sem nos deixarmos confundir nem com o PS nem com o PC. Os aderentes e simpatizantes virão depois mas só se perceberem que existe outra alternativa… que não as estafadas e mais que provadas ineficientes propostas dos velhos partidos. É nesse sentido que continua a ser importante considerar o Bloco como um embrião, como algo em gestação e não um partido igual aos outros fechado e acabado Mais difícil e original?--- Sem dúvida,… mas esse o desafio e não outro. Só assim será possível relançar um debate “aberto” com outras correntes independentes e interessadas numa alteração “honesta” do status quo. Convenhamos, o PS e, por maioria de razão, o PC são estruturas estanques e, em certa medida, imutáveis e, como tal, sempre previsíveis. Daí que ao Bloco só resta uma alternativa --- é ser diferente; e, acrescentaria, “uma novidade”, um outro polo aglutinador e, necessariamente, dialogante o suficiente para atrair outros cujas ideias ou forma de entender e perspectivar o mundo não sejam em tudo sobreponíveis às suas. Ora, este percurso è difícil e não se compadece com hesitações e opções como as que o Bloco escolheu nos últimos tempos. O Bloco deixou-se empurrar por um PS cada vez mais colado à direita – o que não é novidade – e com um líder arrogante e oportunista mas com uma enorme capacidade interventora e manipuladora, para os braços de um PC igual a si próprio que não enjeitou em colher dividendos dessa situação na boa linha que sempre o caracterizou. Compreende-se a dificuldade embora me pareça ter havido demasiada leviandade e erros de análise não corrigidos em tempo útil. Entendo correcta a forma como o Bloco geriu a inter-relação com o PC até há algum tempo, não respondendo a provocações e respeitando todo um passado de luta anti-fascista que sempre deverá ser realçado. Porém, não soube ou não entendeu por bem manter clara essa separação de águas não só no que concerne a uma perspectiva global de interpretação da realidade mundial, como, pior, relativa à análise da situação interna e na consequente escolha das opções políticas com que se deparou. Daniel de Oliveira tem toda a razão quando afirma que “uma cópia é sempre pior que o original”
2. Concretamente, não me parece que o apoio a candidatura de M. Alegre possa ser interpretado como um erro em si. Creio, isso sim, ter sido anunciado muito cedo e de uma forma demasiado precipitada. Alguma dose de maior ponderação teria sido útil e, também , a táctica de antecipação em relação ao PS não colheu quaisquer frutos, bem pelo contrário. M. Alegre foi e pode continuar a ser alguém pertencente com toda a legitimidade à área da esquerda , mas nunca alguém, como ficou provado, que possa arrastar consigo as tais “franjas de esquerda” do PS, tal como Ferro Rodrigues ou João Cravinho, p.ex.. Este erro, se assim se pode chamar, foi grave e conduziu ,em meu entender ,a outro pior que consistiu numa inflecção de 180º para a área de influencia do PC -- por divergências internas?—que culminou com a infeliz moção de censura . Creio que ainda hoje ninguém conseguiu entender, por mais que se pretenda recorrer a argumentos vários que não colhem de todo, essa infeliz iniciativa logo, como seria de prever ,explorada pelos media. A imagem que chegou a maioria das pessoas foi a de um Bloco ainda mais papista que o PC uma espécie de Verdes em 2ªversão dando toda a força aqueles (cada vez em maior nº ) que propalam aos quatro ventos que “eles são todos iguais”. Mas assim não foi entendido, ao que julgo, como o confirma a “aliança”(?) entre as 2 forças naturalmente só com efeitos pós-eleitorais . O PC colheu os dividendos …pois claro!... e o Bloco parece ainda não ter reflectido e tirado as necessárias conclusões desta ausência de estratégia fruto do que atrás tentei explanar.
3. Não me parece fundamental, neste momento, a discussão centrada na manutenção ou substituição das lideranças do B.E.. Creio, isso sim, que é necessária e fundamental uma nova perspectiva e esclarecimento relativa a toda a movimentação crescente das novas juventudes,já um pouco por toda a parte. O entendimento destas novas realidades sem preconceitos e muito menos tentativa de enquadramento ou de capitalização de dividendos numa perspectiva imediatista é essencial e… uma boa oportunidade para afirmar as diferenças em relação ao PC.
4. É de todo inaceitável que de alguma forma se possa dar azo aqueles que continuam a explorar a teoria de que o B:E: não passa de um saco de gatosde várias forças do “prec”suficientemente distintas e rivalizando por se tornarem hegemónicas .Sem que esta questão seja definitivamente ultrapassada e arrumada nos anais da história, e o tempo não perdoa, só resta ao bloco a alternativa de eventualmente se redefinir e, inclusive, mudar de sigla. O Maio de 68 já lá vai há quase 45 anos e os PSR´s, as UDP´s, os PCP(R)´s, as OCMLP´s, etc, fizeram há muito a sua época. Os tempos são de todo outros e não entender e retirar as necessárias conclusões destas evidências é já não pertencer ao reino dos vivos.
5. O Bloco deixou-se enredar numa teia de disputas interpartidárias mesquinhas muitas vezes de clara luta pelo poder e consequentes interesses. O Povo, hoje mais que nunca, não perdoa isso. A distanciação é, evidentemente, difícil… mas necessária. As propostas do Bloco têm que ser melhor explicitadas e divulgadas devendo, em meu entender, haver uma participação na A:R: mais cuidada demarcando-se claramente das discussões estéreis e que nada dizem à grande maioria da população. O mesmo se aplica em relação à participação em debates televisivos em que a preocupação de uma atitude nada demagógica, linear, construtiva e ,mais uma vez, sem receios de ser “ultrapassada pela esquerda” pelo PC , me parece fundamental. Impõe-se uma atitude mais aberta, dialogante, fundamentada e perceptível, muito para além de uma oposição pela oposição, apenas por pretensas razões de ordem ideológica.
Enfim, muito mais motivos de reflexão haveria, mas ,creio com esta simples e despretensiosa achega poder, de alguma forma, contribuir para o debate ora aberto que saúdo e espero seja suficientemente esclarecedor e despido de preconceitos.
Faro, Junho 2011
Eurico D. Gomes