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BE : as origens da actual situação

Contributo de Eduardo Velhinho

Gostaria de contribuir à reorientação do debate actual que parece esbaforir-se (e de aproveitar o momento de franqueza da direcção do partido, porque essa liberdade concedida aos não-iniciados de escrever nas páginas do Esquerda não dura eternamente) e avançar alguns elementos de reflexão que me parecem pertinentes para o momento actual da vida política do partido e que alguns dos textos dos diferentes camaradas apenas suscitaram de forma sibilina.

A linha política que o BE seguiu entre duas eleições legislativas e que culminou com o recente «desaire» electoral é o fruto da conjuntura «difícil» que não permitiu ao partido manter o seu crescimento contínuo ou é o resultado de uma rotina política e organizativa que se instalou no seio do partido e que aparentemente fazia a felicidade da comissão política ? ou é sobretudo uma fase de esclerose política e organizativa que o BE atingiu, apesar dos seus onze anos ? ou é a «vingança» da dialéctica sobre as orientações estratégicas que foram tomadas há muito ?

Na minha opinião a resposta situar-se-á algures nestas questões. Como elementos de resposta situo a heterogeneidade ideológica ; a estratégia política ambígua ; o crescimento das tendências oligárquicas no seio do partido.

Heterogeneidade ideológica. Os membros que têm composto as sucessivas comissões políticas, apesar de serem originários de tradições ideológicas diferentes, têm-se entendido suficientemente para, nas vésperas de cada convenção nacional, constituírem uma lista única face ao resto das outras forças organizadas em tendência e assim partilham entre si a composição da comissão política. Porém, depois de passada a convenção nacional e reconduzidos nas suas funções, os diferentes membros da comissão tornam a agir como verdadeiras tendências, tomam as suas decisões num quadro de constante negociação afim de chegar a um compromisso capaz de manterem entre si um equilíbrio permanente. Todavia, mesmo se o aderente de base não está informado do conteúdo dessas discussões de cúpula, ele apercebe-se que por detrás da fachada de unidade revela-se um equilíbrio frágil como demonstram as (in)decisões mais controversas tomadas no período que se inicia com a escolha da candidatura de Manuel Alegre à presidência da República e se perseguiram até ao cinco de Junho, demonstrando assim uma certa tensão entre tendências. A fragilidade desse equilíbrio assenta da ausência de clarificação ideológica, ou se quisermos, de uma visão do mundo que seja partilhada amplamente pelo conjunto do partido, e que os membros fundadores do BE entenderam em escamotar no momento da sua fundação, apesar da retórica sobre a existência de uma «cultura política» (ver entrevista de F. Louçã a M. Romero, Setembro 2010 http://www.internationalviewpoint.org/spip.php?article1923). A questão da ideologia socialista - um conjunto de crenças que una e inspire o partido nas suas acções políticas tendo em vista a luta pelo aniquilação das classes sociais – (ver T. Eagleton, Ideology, Londres, 1996) continua a ser para muitos no seio do BE um tabu, como se fosse um abcesso que o partido não se atreve a extirpar. É por isso que muitas vezes as diferentes posições tácticas que o BE adopta pecam por incoerência - apesar de reivindicar uma vaga «cultura política» e um certo «anti-capitalismo» que as correntes populistas europeias do fim do século XIX já reivindicavam - porque lhe falta um fio condutor capaz de orientar politicamente o partido.

Estratégia política ambigua. A ideologia no BE ao surgir como tema de discussão no seio do partido arrisca a transformar-se numa caixa de Pandora que poucos estão interessados em abrir sob o risco de terminar a aparente unanimidade que está na base da fundação do partido. Para evitar debater a questão da estratégia, o socialismo é evocado como premissa, que mesmo os liberais de esquerda do BE e os saudosos da social-democracia fingem aceitar.

O BE pretende que luta pelo socialismo. Mas que socialismo ? Não se sabe claramente e a sua indefinição permite a coexistência no seio do partido de diferentes forças que nas suas bases têm a sua própria definição do sujeito. E como se sabe, as definições variam de um socialismo marxista até um «socialismo» de mercado ou liberal, passando por um socialismo perfumado de jasmim. A indefinição apesar das suas desvantagens, não deixa de ter as suas vantagens, visto que elas permitem ao BE navegar de uma campanha eleitoral até outra ...

Tendências oligárquicas. Uma oligarquia no contexto de um partido ou organização política define-se pelo poder fundado na competência de uma minoria de indivíduos. O processo de formação da oligarquia começa quando se estabelece a diferenciação das funções no seio do partido e se estabiliza quando um grupo de indivíduos, pelas suas qualidades, nomeadamente discursivas e/ou técnicas, se destaca da massa. Esse grupo que se constitui em liderança torna-se estável e quase inamovível. A especialização técnica da direcção faz de modo que as decisões são transferidas das massas para as mãos dos líderes. E à medida que a organização cresce em número de membros, a capacidade da base em controlar a direcção, que entretanto se autonomiza, torna-se cada vez mais problemática.

O BE não tem sabido escapar a essa dinâmica, (tal como o PCP, e isto para ficarmos no campo da esquerda) que é própria a toda organização. Isto tem favorecido o desenvolvimento de um certo grau de esclerose, que se traduz em atropelos à democracia no interior do partido, com todas as implicações sobre o plano político.

Vejamos de perto. O modo de «eleição» da comissão política é o que há mais de oligárquico. Os aderentes delegam a sua soberania a outros membros (eleição indirecta) que por sua vez votam em listas em plena convenção. Os membros desta, por sua vez, escolhem entre si a composição da Mesa nacional. Esta, escolhe, na base da lista mais votada, os membros da comissão nacional, que, por acaso, provêm sempre da mesma fonte : a coligação formada na base da lista A, uma coligação inter-burocrática.

Nomeados pelo sufrágio indirecto, a sua missão temporária transforma-se num cargo, senão num posto fixo : a confirmação no cargo, para muitos deles e delas torna-se uma formalidade, uma coisa evidente. Tornam-se quase inamovíveis e incontroláveis. Assim se forma o primeiro núcleo oligárquico. Os aderentes de base pouco ou nada sabem do que se passa no interior deste grupo fechado que entretanto dirige o partido. Nesse cenáculo decide-se quem será ou não candidato, candidata às próximas eleições, muitas vezes sem que as bases dos distritos sejam consultados. Como se isso não bastasse atrevem-se a convidar os amigalhaços para candidatos indivíduos «independentes» que sem qualquer laço orgânico com o partido. Uma vez eleitos estes «independentes» escapam ainda mais facilmente ao controlo dos aderentes visto que não dependem absolutamente nada do partido.

As orientações estratégicas e tácticas do partido terão que ser revistas, assim como os procedimentos eleitorais interno, de modo a reforçar o esforço do partido na construção de um vigorosa referência política para aqueles e aquelas que lutam pelo socialismo e não de fazer do partido mais um candidato à gestão do sistema capitalista. Essa luta não passa certamente pela abolição das tendências no seio do partido, como alguns querem, pensando que aniquilamento das tendências lhes dará mais campo de manobra para colocarem o BE a reboque da carroça liberal do PS, fazendo do partido um eterno associado junior dos interesses da nossa burguesia liberal.

A vida interna do BE terá mais vigor se o poder das tendência for reforçado tal como o debate interno, com respeito pelos direitos das minorias políticas.

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