Baixar taxa de stress no crédito agrava endividamento

18 de julho 2023 - 11:19

Banco de Portugal admite baixar a taxa de stress aplicada a créditos. Deco alerta que medida não resolve problema do acesso à habitação e levará a mais riscos, porque agrava dívida das famílias. Economista refere que apenas agregados com rendimentos mais elevados saem beneficiados.

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Foto de Paulete Matos.

Para concessão de créditos, os bancos têm em consideração alguns critérios, entre os quais a taxa de esforço (DSTI na sigla inglesa), que consiste na relação entre as prestações dos créditos e o rendimento mensal de um agregado familiar. Ou seja, é o indicador do grau de esforço financeiro do cliente associado ao pagamento de uma dívida. Basicamente, a taxa de esforço é a percentagem do rendimento que fica afeto às prestações dos créditos.

Acresce que as instituições bancárias fazem um teste de stress à taxa de esforço, que simula o impacto de mais 3 pontos percentuais a somar aos indexantes atuais para empréstimos a mais de 10 anos. Este teste de stress é aplicado por forma a avaliar a capacidade financeira das famílias num cenário adverso de agravamento das taxas de juro.

Com a aplicação dessa taxa de stress, o peso dos encargos dos créditos não pode exceder 50% do rendimento líquido dos particulares. Contudo, existem exceções, e elas têm registado uma aplicação cada vez mais ampla, com os bancos a recorrer cada vez mais a esta possibilidade.

Pedro Filipe Soares
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O regime de exceção prevê que 10% do montante total de créditos por cada instituição, em cada semestre, pode ser concedido a clientes com taxa de esforço até 60%, bem como que até 5% do montante total de créditos atribuídos no mesmo período pode ultrapassar os limites fixados.

Clara Raposo, vice-governadora do Banco de Portugal (BdP), já veio assumir, em entrevista à Antena 1 e ao Jornal de Negócios, que fará sentido reduzir a taxa de stress, uma medida que tem vindo a ser elogiada pela Associação Portuguesa de Bancos (APB).

No entanto, a própria vice-governadora do BdP assumiu que esta medida isolada não terá benefícios para quem quem tem rendimentos médios.

Essa é, inclusive, a opinião de César das Neves, que avançou que a medida não terá impacto significativo: “Não me parece que seja algo que terá grandes perturbações positivas ou negativas”, frisou. “O que o Banco de Portugal está a dizer é que o cenário negativo (a tal taxa stressada) deve ser menos gravoso do que era antes, simplesmente porque a realidade hoje já é gravosa”, acrescentou o economista.

No que respeita a quem tem rendimentos mais elevados, José Carlos Tomás, da Eupago, explicou, em declarações ao jornal Público, que a redução da norma “poderá ter algum impacto, uma vez que estas famílias podem suportar taxas de esforço mais elevadas”.

João Melo, diretor de crédito à habitação do ComparaJá.pt, é um defensor da redução da taxa de stress. “É necessário e importante que o BdP redefina as medidas a ter em conta para avaliar a viabilidade dos créditos”, apontou. O representante da plataforma de comparação de produtos financeiros e intermediário de crédito considera que “adicionar uma percentagem de 3% às taxas de juro atuais é uma análise irrealista e que torna o crédito para compra de casas algo praticamente inacessível”.

Redução da taxa de stress leva a maior endividamento

A diretora do Gabinete de Proteção Financeira da Deco, alertou, por sua vez, para os riscos de uma eventual alteração à taxa de stress: “Se diminuírem os atuais 3%, a taxa de esforço será calculada tendo por base uma taxa de juro mais baixa, o que teoricamente aumenta as probabilidades de aceder ao crédito à habitação. Mas não vai resolver o problema do acesso à habitação e esta alteração poderá levar a mais riscos, porque no fundo alarga o quadro de dívida das famílias”, referiu Natália Nunes. A representante da Deco defendeu que “é essencial que as famílias que recorram ao crédito à habitação o façam de forma responsável e tendo em conta a sua capacidade financeira”.

Os cálculos realizados pela Eupago confirmam dos receios da Deco, demonstrando que a aplicação de uma taxa de stress menor se traduz no acesso a mais crédito, mas com risco muito mais elevado e uma prestação mensal incomportável para muitas famílias.

A intermediária de crédito exemplifica: uma família com um rendimento mensal líquido de dois mil euros, com uma Euribor de 4%, um spread ou margem comercial do banco de 1%, por um prazo de 37 anos, conseguiria pedir, no máximo, um empréstimo de 165 mil euros. Neste contexto, pagaria uma prestação de 811,41 euros, o que equivale a uma taxa de esforço real de 35% e a uma taxa de esforço com teste de stress de 50%. Caso fosse aplicada uma taxa de stress de 2%, o valor contratualizado poderia subir para 184 mil euros, mas a prestação aumentaria para 910,36 euros. Nesse caso, a taxa de esforço real seria de 39% para o mesmo casal.

“Na prática, a concessão de crédito à habitação tem dois testes de stress, o do DSTI, teórico (para o cenário de taxas mais altas) e o da taxa de esforço face ao orçamento do agregado familiar. Esta segunda restrição ou é auto-imposta ou então decorre da avaliação da solvabilidade feita pelo banco tal como é exigido por Aviso do Banco de Portugal. Assim, aliviar o primeiro não resolve o segundo, a não ser para rendimentos mais elevados”, conclui José Carlos Tomás.

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