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A austeridade vai ser necessária?

A austeridade é errada, contraproducente e evitável. Vicente Ferreira analisa a perspetiva do historiador da economia Adam Tooze.
Marcha contra a austeridade. Londres, Junho de 2015. Foto de Jason/Flickr.
Marcha contra a austeridade. Londres, Junho de 2015. Foto de Jason/Flickr.

Nos últimos dias, têm-se multiplicado as notícias e os artigos de opinião onde se discute a resposta económica à recessão que se aproxima. Boa parte dos comentadores concorda que o regresso à austeridade será necessário para suportar os custos da resposta à pandemia; alguns dizem mesmo que este é inevitável, dada a necessidade de reequilibrar as contas públicas. No entanto, a austeridade é uma ideia que tem tanto de intuitivo quanto de errado.

É isso que recorda o historiador económico Adam Tooze, autor de um dos melhores livros sobre a última crise financeira, num artigo publicado no The Guardian: a austeridade como resposta ao endividamento é uma estratégia errada, contraproducente e, acima de tudo, evitável.

a austeridade é uma ideia que tem tanto de intuitivo quanto de errado

Errada porque os gastos de uns são os rendimentos de outros. Numa recessão de dimensões inéditas, a restrição da despesa pública agrava a espiral recessiva de quebra da atividade económica, aumento das falências e do desemprego, quebra do consumo, e assim sucessivamente. Além disso, os cortes nos serviços públicos reduzem a sua capacidade de resposta a crises como a que atravessamos - no início do surto de coronavírus, a análise ao número de camas hospitalares em cada país mostrava como os que desinvestiram nos serviços de saúde se encontravam em piores condições. Neste contexto, a austeridade é a garantia de uma crise acentuada.

Contraproducente porque tem um efeito negativo no crescimento económico

Contraproducente porque, ao limitar a despesa e o investimento necessários para responder à recessão, tem um efeito negativo no crescimento económico, dificultando por sua vez a diminuição do rácio da dívida pública no PIB. No fim de contas, a austeridade tem o efeito oposto ao que dizem ser o objetivo (reduzir o endividamento dos países), além de piorar as condições que cada país tem de cumprir as suas obrigações (por limitar o crescimento da economia).

Evitável porque, na prática, os bancos centrais podem financiar diretamente a despesa pública. Esta solução, que tem vindo a ganhar apoio entre os economistas convencionais, consiste na atuação do banco central como fonte de financiamento principal dos governos e tem o mérito de evitar que os países fiquem reféns dos mercados financeiros para se financiarem. A crítica mais comum é a de que esta medida, que se baseia na criação de moeda pelo banco central, pode levar a uma subida generalizada dos preços; no entanto, no atual contexto recessivo, o único risco verdadeiramente existente é o de deflação, devido à interrupção da produção e das vendas. Além disso, alguma inflação seria útil como forma de diminuir o valor real das dívidas.

Há muito em jogo

Mariana Mortágua

A austeridade está, por isso, longe de ser inevitável. Como defende Tooze, "possuímos as instituições e os instrumentos necessários para neutralizar o problema da dívida relacionada com o coronavírus. Utilizá-los é algo que devemos a nós próprios." Não é compreensível que, pouco mais de uma década depois da última crise, se repitam os mesmos erros.

Artigo de Vicente Ferreira publicado no Ladrões de Bicicletas a 28 de abril.

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