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Associações ucranianas denunciam efeitos ecológicos de destruição de barragem

Apesar de não se conhecerem todos os detalhes, sabe-se até ao momento que pelo três pessoas morreram afogadas e há mais de dois mil deslocados por causa da destruição parcial da barragem de Kakhovka na região de Kherson.
Sobre este ato de guerra muito se tem falado e escrito, sobretudo a propósito da disputa sobre quem o perpetrou. Mas começa-se agora a falar sobre os efeitos do sucedido. Há efeitos imediatos, como o arrastar de minas alertado pela Cruz Vermelha, a destruição de casas, infraestruturas de diferentes tipos, inundações de terrenos agrícolas e seca de outros que dependiam da sua irrigação e falta de água potável.
E haverá efeitos de médio e mais longo prazo que começam já a ser equacionados. A Organização Mundial de Saúde adverte para o risco de cólera nas regiões afetadas. Teresa Zakaria, responsável do Programa de Emergências Sanitárias da Organização Mundial de Saúde, disse que a vigilância de doenças transmitidas pela água foi intensificada e que se está a ter em conta “um vasto leque de riscos para a saúde associados às inundações, desde lesões a afogamentos, doenças transmitidas pela água e as potenciais consequências da interrupção de tratamentos crónicos”.
E ao Guardian, Mohammad Heidarzadeh, professor de Arquitetura e Engenharia Civil na Universidade de Bath, explica tratar-se de uma das barragens com maior capacidade de armazenamento do mundo e acredita que “obviamente” haverá “consequências ambientais negativas não apenas para a Ucrânia mas para os países e regiões vizinhas”.
O grupo EastFruit avalia que a água desta barragem “possibilitava o cultivo de cerca de 80% de todos os vegetais na Ucrânia e uma percentagem significativa de frutas”. Este grupo é um dos que atribui o sucedido ao exército de ocupação russo alegando ser “não só uma catástrofe ambiental e humanitária” mas também um “crime contra a segurança alimentar do mundo”. As regiões do sul da Ucrânia, sublinha-se, fornecem trigo, milho, girassol e óleo de girassol, soja e farinha de soja aos países do Médio Oriente, Ásia, África e Europa. Acrescenta-se ainda que “quase todas as frutas de clima mais quente da Ucrânia, como pêssegos, damascos, cerejas, uvas, etc., eram cultivadas com base na irrigação do reservatório de Kakhovka. A maior parte das estufas de Verão, que forneciam à população da Ucrânia e da Moldávia tomates, beringelas, pepinos e pimentos a preços acessíveis, estavam também localizadas ao longo dos ramais do sistema de irrigação de Kakhovka”.
Há também consequências para os animais. Os animais domésticos e em cativeiro, que já se encontravam na zona numa “situação desastrosa”, com os “refúgios a transbordar devido a pedidos de salvamento”, serão bastante afetados, afirma Natalia Gozak, do ramo ucraniano da organização de defesa dos animais IFAW. À France 24, conta ainda o caso de um pequeno zoo em Nova Kakhovka que ficou totalmente inundado com “todos os animais, à exceção dos cisnes, mortos”. Por outro lado, a falta de água que causará pode levar à desertificação de algumas áreas: “a biomassa apodrecida da flora e da fauna aquáticas será transformada em terra árida, ou mesmo desértica, nos próximos meses”, acrescenta Gozak, alterando microclimas, o que causar “uma vaga de novos migrantes climáticos e hídricos noutras regiões da Ucrânia e da Europa”.
Um “ecocídio”
Num apelo divulgado pela EcoAction e que conta ainda com a subscrição da Environment-People-Law, da Ecoltava, do Bureau of Environmental Investigations, do Save Dnipro, do Stop poisoning Kryvyi Rih, do Dixi Group e do Ecopark Osokorkym, estes “representantes da movimento da sociedade civil ambientalista na Ucrânia” dirigem-se aos seus colegas ativistas ambientais de outros pontos do globo, bem como especialistas na área, entre outras instâncias para pedir-lhes que “respondam ao mais recente ato de ecocídio da Federação Russa” que dizem causará “ameaças sem precedentes” no sul do país e em toda a região do Mar Negro.
Pedem ajuda para recolher provas “do crime contra o ambiente” mas sobretudo “medidas rápidas para reduzir e mitigar as consequências para o ambiente e a população”.
Os ambientalistas listam estas consequências que incluem a destruição e perturbação significativa dos ecossistemas no reservatório de Kakhovka e nas massas de água que nele fluem, bem como nas áreas a jusante do rio Dnipro, no estuário do Dnipro e na perturbação dos ecossistemas na zona costeira do Mar Negro. Denunciam também a potencial mortalidade em massa de organismos aquáticos (peixes, moluscos, crustáceos, microorganismos, vegetação aquática) no reservatório de Kakhovka, levando à deterioração da qualidade da água devido à decomposição de organismos mortos.
Na lista de consequências está a destruição dos habitats de peixes, moluscos, crustáceos, pássaros, anfíbios e outros animais que habitam corpos d'água e complexos costeiros do reservatório de Kakhovka e a jusante da Península de Kinburn ou a destruição de habitats e potencial perda de animais que habitam as áreas terrestres, que serão inundadas com riscos significativos para as populações de roedores, incluindo espécies endémicas e listadas no Livro Vermelho de espécies ameaçadas da Ucrânia.
No que diz respeito à perturbação dos ecossistemas vegetais, os ecolgistas ucranianos dizem que a vegetação aquática costeira a montante da barragem morrerá devido à drenagem, enquanto as áreas localizadas a jusante serão inundadas, incluindo estepes e complexos florestais que não estão adaptados para serem submersos, levando ao seu alagamento e destruição. A jusante do rio Dnipro também existem espécies endémicas listadas na Lista Vermelha que não se encontram em mais nenhum outro lugar do mundo. O impacto negativo sentir-se-á nas linhas de água, áreas costeiras e partes terrestres de três parques naturais nacionais ucranianos , "Nyzhniodniprovs'kyi", "Kam'yanska Sich", "Biloberizhzhia Sviatoslava", a Reserva da Biosfera do Mar Negro (que também é património da UNESCO reserva da biosfera), o Parque Paisagístico Regional “Kinburn Spit” e numerosas zonas de reserva natural com áreas menores. E existe potencial impacto nas áreas planeadas de conservação da natureza com estatuto de Zonas Húmidas de Importância Internacional protegidas pela Convenção de Ramsar e que fazem parte da Rede Esmeralda protegida pela Convenção de Berna.
Outros aspetos preocupantes são a interrupção do abastecimento de água às instalações em Kherson e parcialmente nas regiões de Zaporizhia, a poluição das águas do rio Dnipro – poluição primária resultante da lavagem de lixo, agroquímicos e outros materiais perigosos, bem como inundações e desativação de sistemas de tratamento de águas residuais e sistemas de esgoto, o que leva à poluição secundária causada pela perturbação das camadas de sedimentos, onde os poluentes se acumulam há décadas.
A inundação de casas, edifícios, empresas, a perda e destruição de propriedade. a morte de gado, animais domésticos, animais em zoológicos, cujos cadáveres em clima quente contaminam a água, o solo, poluem o ar e representam um perigo de propagação de doenças infecciosas, o impedimento ou impossibilidade total de abastecimento de água para necessidades agrícolas na parte sul da região de Kherson, a erosão, deslocamento de minas e outros materiais explosivos, aumentando os riscos das minas, o impedimento da entrada de água necessária para resfriar a Usina Nuclear de Zaporizhia, representando uma ameaça à segurança nuclear global, são outros dos elementos apontados neste inventário de efeitos da destruição da barragem de Kakhovka.
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