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Associações e autarca contestam parecer favorável à mina de lítio do Barroso

A Agência Portuguesa do Ambiente emitiu uma Declaração de Impacte Ambiental favorável condicionada à exploração de lítio em Boticas. Autarcas e ambientalistas prometem continuar a luta.
"Não à Mina, Sim à Vida", lê-se na t-shirt
Foto Unidos Em Defesa de Covas do Barroso/Facebook

A Agência Portuguesa do Ambiente (APA) anunciou esta quarta-feira que decidiu viabilizar ambientalmente a exploração de lítio na mina do Barroso, no concelho de Boticas, distrito de Vila Real. Segundo a agência Lusa, esta Declaração de Impacte Ambiental (DIA) favorável inclui um “conjunto alargado de condicionantes”, como a interdição da captação de água do rio Covas, um acesso à autoestrada 24 e a alocação dos ‘royalties’ ao município de Boticas, a definição de uma zona de proteção, com o mínimo de 100 metros de largura, para cada lado do limite do leito do rio Covas. Outras medidas compensatórias propostas pela APA são um Plano de Compensação do Património Cultural, o qual deverá incluir um estudo histórico e etnográfico dos vales dos rios Beça e Covas, face à importância do Barroso enquanto Património Agrícola Mundial, um programa de apoio aos criadores de gado, um Plano de Compensação de Carvalhal (habitat 9230) e um Plano de Compensação de Gralha-de-bico-vermelho, além da criação e manutenção de um centro de reprodução de mexilhão-de-rio ('Margaritifera margaritifera') no rio Beça, um projeto de compensação do regime florestal e de áreas de povoamentos florestais.

A mina do Barroso, que a empresa Savannah quer explorar, tem uma duração estimada de 17 anos e uma área de concessão prevista de 593 hectares. A empresa congratulou-se com a decisão, sublinhando que “esta é a primeira vez que um projeto de lítio em Portugal tem uma DIA favorável” e referiu que, após esta decisão pela APA, pode “iniciar a próxima fase de desenvolvimento do projeto ao nível do licenciamento ambiental”, fase que deverá demorar entre nove meses a um ano.

"Como é possível fazer um investimento desta envergadura contra as pessoas?

Como se esperava, o anúncio da APA foi mal recebido por autarcas e a população que na região contesta o projeto da mina de lítio. “A reação é de tristeza e de preocupação”, afirmou à Lusa o presidente da Câmara de Boticas, Fernando Queiroga, pois entende que a mina “vai pôr em causa o investimento que Boticas tem seguido e que é baseado na agricultura, na pecuário e no turismo”.

“Não pensaram nas pessoas, no concelho, no território e acima de tudo no selo que temos e que é único do Barroso Património Agrícola Mundial”, salientou o autarca, que não entende “como é que é possível fazer um investimento desta envergadura contra as pessoas” nem como em menos de um mês após a discussão pública com mais de 900 participações submetidas, na esmagadora maioria contrárias à mina, é emitido um parecer. "Nem sequer olharam para elas, não tenho dúvida nenhuma”, lamentou.

“Sempre nos foi dito que só iria haver exploração mineira se houvesse o compromisso social da gente que habita neste território e ninguém está a favor. Como é que isto é possível, daí também a minha estranheza”, frisou Fernando Queiroga. Quanto às medidas compensatórias anunciadas pela APA, o autarca recusa chamá-las de compensatórias, "porque o que vai destruir se calhar não compensa. O concelho de Boticas não está à venda e, portanto, não é destruindo e colocando novas situações que nós estamos de acordo”, sublinhou.

Associação “perplexa” pela aceitação de projeto contestado por especialistas

A associação Unidos em Defesa do Barroso (UDCB) repudiou a decisão da APA, considerando-a  “um desrespeito pelos direitos ambientais, humanos e sociopolíticos” e prometeu que continuará a “defender a natureza e proteger as populações da ameaça de minas a céu aberto”. No caso aqui em apreço, seria "o maior projeto de mineração de lítio a céu aberto na Europa”, salientou a associação em comunicado citado pela Lusa.

A UDCB mostrou-se “perplexa” pela aceitação deste projeto, “consistentemente rejeitado por especialistas ao longo de dois anos”, e frisou que “face aos irremediáveis e devastadores impactos ecológicos, ambientais e socioeconómicos do projeto”, considerou “inaceitável que a APA legitime um projeto desta natureza”.  A associação vai organizar de 10 a 15 de agosto a terceira edição do Acampamento em Defesa do Barroso na Quinta do Cruzeiro, em Covas do Barroso.

Exploração de lítio "tem de ser nos locais certos e este é um local errado”, diz Zero

Também a associação ambientalista Zero reagiu pela voz do seu presidente Francisco Ferreira, sublinhando a "muito forte pressão política para avançar com a exploração de lítio” e a inexistência de uma Avaliação Ambiental Estratégica que faça a triagem entre áreas viáveis e não viáveis para este tipo de projetos. “Não somos contra a exploração de lítio em Portugal, mas tem de ser nos locais certos e este é um local errado”, defendeu o especialista, sublinhando que “não há minas sem impacto”, mas há locais que estão “mais longe da população” e em diferentes paisagens. Quanto às medidas compensatórias, diz que elas não previnem a 100% o risco de poluição da água e a afetação do ecossistema.

Francisco Ferreira diz que a concretização do projeto mineiro levará a uma “transformação completa da paisagem”, que inclui “uma área de património agrícola mundial classificado pela FAO (Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura)”. A forte possibilidade de o lítio dali extraído ter como destino a exportação também indigna o ambientalista, pois assim “estamos a destruir a nossa paisagem para os outros ficarem com as nossas valias”.

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