Asfaltamento da estrada na Fonte da Telha é um “crime ambiental”

26 de junho 2020 - 17:42

Especialista alerta que a Câmara de Almada quer continuar a obra. CCDR reavalia situação. Associação Zero apresenta queixas. Ministério promete requalificar “após o fim da época balnear”. Joana Mortágua pergunta: “Qual é o projeto turístico para a região?”

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Fonte da Telha - Foto flickr Portuguese_eyes
Fonte da Telha - Foto flickr Portuguese_eyes

Atropelo do ordenamento do território”

O geógrafo e especialista em ordenamento do território Sérgio Barroso foi o coordenador da elaboração do Plano de Ordenamento Costeiro Alcobaça - Cabo Espichel, onde se insere a Fonte da Telha, e decidiu enviar, na semana passada, um parecer à Agência Portuguesa do Ambiente (APA) e uma carta ao ministro do Ambiente, perante “tamanha aberração e atropelo do ordenamento do território”.

Segundo o Expresso, o perito considera a obra da Câmara de Almada um “crime ambiental”, alerta que o executivo municipal, presidido por Inês Medeiros, pretende prosseguir o asfaltamento na estrada de acesso às praias da Caparica e salienta o risco de se “acelerar a erosão costeira e a vulnerabilidade às alterações climáticas”. A Câmara de Almada pavimentou os acessos, criou rotundas na Fonte da Telha e quer fazer o mesmo no conjunto de praias da Caparica, entre a Praia do Rei e a da Bela Vista.

“A intervenção realizada na Fonte da Telha constitui um retrocesso inequívoco face à política de ordenamento da orla costeira seguida em Portugal nos últimos 30 anos”, afirma Sérgio Barroso.

O geógrafo denuncia que a obra não teve parecer da APA, nem da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional de Lisboa e Vale do Tejo (CCDR LVT), lembra que a área é contígua à Paisagem Protegida da Arriba Fóssil da Costa da Caparica e está classificada como Reserva Ecológica Nacional (REN), pelo que o asfaltamento com material betuminoso viola o POC e o Plano Diretor Municipal (PDM).

Inês de Medeiros diz que “não há violação da lei, nem do PDM” e defende o asfaltamento para “ordenar os acessos e o estacionamento na praia da Fonte da Telha e acabar com o estacionamento desordenado em cima das dunas”.

CCDR reavalia a obra

A CCDR-LVT não foi consultada, nem recebeu qualquer pedido de parecer. Teresa Almeida, presidente da CCDR-LVT, diz ao Expresso que a realização da obra sem parecer prévio “não é ilegal”, mas sublinha que “não é suposto [o município] fazer um pedido depois de a iniciativa estar realizada”.

A CCDR-LVT, que está a analisar os documentos que entretanto recebeu da Câmara, não afasta a hipótese de obrigar a autarquia a recuar na obra e Teresa Almeida diz ao jornal que se “a obra executada não respeita os termos legais, a Câmara será intimada a repor a situação inicial com todas as consequências e penalizações pelo ocorrido”.

Zero apresenta queixas

Segundo o jornal, a Zero formalizou queixas contra a Câmara de Almada na CCDR-LVT e na Inspeção Geral do Ambiente e do Ordenamento do Território (IGAMAOT), esta quinta-feira.

À CCDR-LVT, a Zero lembra que a área faz parte da REN e pede “os elementos documentais comprovativos das diligências efetuadas pela Câmara Municipal de Almada para instruir essa consulta prévia e da pronúncia e a resposta da CCDR LVT”. A Zero sublinha que tendo em conta que a área faz parte da REN, a obra “deveria ter sido objeto de consulta prévia e pronúncia da CCDR LVT”.

Ao IGAMAOT, a associação ambiental pede que “sejam tomadas as necessárias diligências para averiguar os factos descritos e repor a legalidade”, frisando que “as situações ora denunciadas são não só gravosas para o concelho de Almada, mas também para a salvaguarda de toda a orla costeira, particularmente vulnerável aos previsíveis efeitos das alterações climáticas”.

Francisco Ferreira, presidente da Zero, disse ao jornal temer que “esta obra possa abrir um precedente para outras intervenções idênticas na costa portuguesa, pondo em causa o Plano Litoral XXI”. O presidente da Zero critica também a passagem da aplicação das normas dos Planos de Ordenamento da Orla Costeira e da REN para as autarquias, afirmando que “pode ser prejudicial para o esforço de adaptação e de promoção da resiliência destes territórios, cujos ecossistemas dunares são reconhecidamente eficazes contra a erosão costeira e o avanço do mar”.

Ministro promete requalificar... depois da época balnear

O ministro do Ambiente e da Ação Climática, João Pedro Matos Fernandes, foi questionado pelo Expresso sobre se vai mandar a IGAMAOT (Inspeção-Geral da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território) inspecionar a Câmara de Almada, mas foge à resposta embora admita que “a intervenção levada a efeito não integra todas estas componentes e é mesmo necessário intervir no local por forma a que se concretizem”.

“A APA está, neste momento, a articular com o Município de Almada, e com Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa, a elaboração de um projeto de requalificação a aplicar à área da Fonte da Telha, com uma visão integrada e adaptada às caraterísticas do local”, anuncia o ministro, concluindo que este projeto “avançará no terreno após o fim da época balnear e não deverá incluir qualquer impermeabilização do solo”.

Não vamos largar o assunto”

Na sua página no facebook, Joana Mortágua, deputada bloquista eleita no distrito de Setúbal e vereadora na Câmara de Almada, afirma que o Bloco não vai largar o assunto e pergunta: “Vão asfaltar os acessos às praias da Costa e Fonte da Telha para quê? Qual é o projeto turístico para a região?”.

 

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