Aos trambolhões: a primeira quinzena de Montenegro

17 de abril 2024 - 11:16

Desde a tomada de posse a 2 de abril, o executivo de Luís Montenegro acumulou casos e polémicas, culminando na retirada do “choque fiscal” no IRS.

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Pinto Luz, Cristina Pinto Dias, Luís Montenegro, Miranda Sarmento e Patrícia Dantas.

A curta vantagem da AD nas eleições deixou o PSD com o mesmo número de deputados do PS e antes do novo Governo tomar posse já o Parlamento dava sinais do que aí vinha. A eleição do Presidente da Assembleia da República só foi possível à quarta tentativa, após PSD e CDS terem proposto o seu candidato sem negociar com os restantes partidos. Nas duas votações em que teve a concorrência do PS, Aguiar-Branco ficou sempre atrás de Francisco Assis. E só um acordo proposto pelo PS para repartir a presidência durante a legislatura acabou por permitir a eleição de Aguiar-Branco.

Logótipo do Governo abre “guerra cultural”

Telma Tavares
Telma Tavares

O design é uma “arma”

09 de abril 2024

A primeira medida do Governo, anunciada no Conselho de Ministros no dia seguinte à tomada de posse, foi a alteração do logótipo que representa a República Portuguesa. Nas palavras do ministro da Presidência, António Leitão Amaro, o objetivo foi recuperar “a esfera armilar, o escudo, as quinas e os castelos, em que a identidade, a cultura e o povo português se reveem”. Na prática, regressa o logótipo que o governo de Passos Coelho encomendou à Brandia em 2011.

A anterior mudança do logótipo esteve a cargo do atelier do premiado designer Eduardo Aires e ocorreu no ano passado. A nova imagem esteve presente em grandes iniciativas como as Jornadas Mundiais da Juventude, sem que houvesse qualquer polémica. Depois de as eleições estarem marcadas começou a contestação do "apagamento dos símbolos nacionais", lançada pela extrema-direita nas redes sociais e depois amplificada pela AD. O designer chegou a receber ameaças de morte. Em novembro, Nuno Melo alimentava a confusão entre o logótipo e a bandeira nacional e acusava o Governo de ato "ridículo e criminoso". Em dezembro, Montenegro prometia não fazer "sucumbir as nossas referências históricas e identitárias a uma ideia de sofisticação". "Não se toca nos elementos essenciais da história portuguesa", alertava no dia seguinte Paulo Portas. Já em plena campanha eleitoral, num bizarro discurso, Durão Barroso afirmou que, "se esses portugueses não se identificam com o nosso brasão de armas, então para mim não são verdadeiros portugueses". 

“Alexandra Reis da CP” chega a secretária de Estado 

Poucos dias depois da tomada de posse dos ministros, foi a vez dos secretários de Estado. Uma das pessoas escolhidas foi Cristina Pinto Dias, ex-quadro da CP, onde chegou a vice-presidente, convidada no último ano do governo de Passos Coelho para o cargo de vogal da Autoridade da Mobilidade e dos Transportes. A então administradora pediu para sair da CP e recebeu uma indemnização de 80 mil euros para ir ocupar outro cargo público. Na altura, a transferência milionária causou indignação. A CP justificou a indemnização com as condições que aplicou aos 389 trabalhadores que saíram da empresa, também por mútuo acordo, nos anos anteriores.

Os sindicatos acusaram a empresa de favorecimento, pois a maioria dos ferroviários que saíram da CP por mútuo acordo tinha mais de 55 anos e iriam para o fundo de desemprego à espera da reforma ou pré-reforma. “Foi ela que quis ir-se embora, por isso não teria direito a indemnização”, afirmava José Reisinho, da comissão de trabalhadores da CP, acrescentando as saídas negociadas tinham acabado em 2014, com a empresa a alegar ter terminado o plafond de indemnizações. O facto de a empresa não ter interesse visível na saída desta trabalhadora também levantou dúvidas quanto à legalidade do recurso à rescisão por mútuo acordo. 

O caso da indemnização de Cristina Pinto Dias depressa foi comparado ao de Alexandra Reis, a administradora que saiu da TAP com uma indemnização de 500 mil euros brutos. Mas, ao contrário de Cristina Pinto Dias, a ex-administradora da TAP perdeu o lugar de secretária de Estado do Tesouro pouco depois de ser nomeada e devolveu o montante da indemnização a que, segundo a lei, não teria direito.

Ministro das Infraestruturas sob suspeita da Justiça

Miguel Pinto Luz ainda mal se tinha instalado no seu gabinete ministerial quando a Judiciária entrou no seu antigo gabinete de autarca em Cascais. Em causa estavam pelo menos dois processos: o do negócio com um empresário chinês parceiro da autarquia no fabrico de máscaras de proteção contra a covid-19, a quem foram vendidos terrenos e instalações da autarquia a preço de custo; e a suspeita de financiamento partidário ilegal na sua campanha para a liderança do PSD, para a qual usou os serviços da agência de comunicação NextPower, contratada também pela Câmara de Cascais. 

O agora ministro das Infraestruturas é visado também noutra investigação motivada por uma queixa-crime de ambientalistas contra a autarquia por causa da venda do terreno e autorização para construir um hotel a 50 metros do mar contra todas as normas de ordenamento vigentes. 

Do "choque fiscal" ao “shot fiscal”

O primeiro teste parlamentar do executivo foi o debate do seu programa, na semana passada. Duas moções de rejeição, apresentadas pelo Bloco e o PCP, foram chumbadas, mas a grande surpresa só surgiu no rescaldo do debate. A promessa central da campanha eleitoral de Luís Montenegro - um "choque fiscal" no IRS para aliviar a fatia da população que não está isenta daquele imposto, cortando 1.500 milhões de receita fiscal -, afinal incluía os 1.300 milhões já cortados ao IRS pelo governo do PS no Orçamento para o ano corrente. O tal orçamento que o atual ministro das Finanças, Miranda Sarmento, dizia assentar "sobretudo na cobrança recorde de impostos e em serviços públicos cada vez piores".

Na sexta-feira, Miranda Sarmento foi à televisão dizer que afinal o seu corte no IRS não ia além dos 200 milhões de euros, muito abaixo dos 1.500 milhões que o seu partido repetiu durante a campanha e no próprio debate do programa de Governo. O truque estava na comparação com 2023 e não com o Orçamento em vigor este ano. 

O Governo uniu contra si a oposição, mas também jornalistas e até os comentadores que, durante meses, promoveram a panaceia do "choque fiscal" e que agora vieram assumir-se enganados por Montenegro. Os apoiantes do Governo nas televisões ficaram na posição difícil de terem de assumir que o "choque fiscal" com que sonhavam era afinal obra do "socialismo" ou, em alternativa, reconhecerem a artimanha de Montenegro. A maioria fez a segunda opção. 

Acusada de fraude, adjunta das Finanças cai em poucas horas

Patrícia Dantas.
Patrícia Dantas. Foto PSD.

As acusações de fraude política sobre Montenegro ainda estavam quentes quando outra fraude agitou o início de mandato do ministro das Finanças. Desta vez, foi a nomeação para sua adjunta de Patrícia Dantas, acusada de um crime de fraude na obtenção de fundos europeus. Esta ex-deputada madeirense anunciou entretanto que renunciaria ao cargo no ministério.

Patrícia Dantas presidia à Startup Madeira no período das suspeitas que levaram a um megaprocesso que envolve 120 arguidos e a extinta Associação Industrial do Minho num esquema de faturas falsas para receber fundos europeus. Segundo o Expresso, Dantas seguiu depois para o gabinete de Pedro Calado, o ex-vice presidente do Governo Regional que caiu da presidência da Câmara do Funchal após buscas policiais relacionadas com corrupção na Região Autónoma. Neste processo, a ex-deputada é acusada de passar faturas falsas no valor de quase meio milhão de euros.