Nasceu, no poente da República, a 19 de Março de 1923, no coração de Alcântara, num prédio antigo de azulejo “onde hoje é a Pastelaria Galão“, acentuava Alda, que amava o odor do café nos dias em que amanhecia cedo. Menina e adolescente, olhava a vida da sua janela, o Largo do Calvário, o fumo das fábricas, as falas, os pregões, os cheiros, a gente trabalhadora. Brincava com o irmão aos carros eléctricos e sonhava idas para outros caminhos, outras fronteiras. E lia. Sobretudo o Pim Pam Pum. Da janela, tão menina ainda, presenciou os legionários disparando sobre os marinheiros em revolta, em 1936, depois as greves dos trabalhadores da Construção Naval, da CUF, da Carris, e mulheres em luta, os filhos em choro. “A esquadra era mesmo em frente da minha casa e para lá iam presos de lutas de lutas liberais e eu ouvia, muitas vezes, os seus gritos, a serem espancados, a serem torturados”.
Muito cedo, com o pai, operário especializado, apreende, mais do que aprende, o sentimento antifascista. Ouvirão juntos emissões clandestinas da Rádio República dando notícias da guerra de Espanha. Da avó recebe a firmeza. Na Escola da Tapada, na rua da Creche, com a professora Lininha, a aprendizagem de um outro modo de olhar o mundo. No liceu tem professoras admiráveis, mulheres politicamente activas: Maria Manuela Palma Carlos, Maria José Estanco, e Alice Graça, que pertencera à Liga Republicana das Mulheres Portuguesas. Tece grandes amizades, muitas para toda a vida, quase todas de jovens de famílias claramente situadas na oposição. E entra no Partido Comunista Português. Inicia o trabalho político no Socorro Vermelho Internacional, recolhendo géneros e roupas para os republicanos espanhóis. Aos 17 anos, ingressa na Faculdade de Ciências, na Rua das Escola Politécnica, participa nas lutas académicas como a de 1942/43 contra o aumento de propinas. É então que conhece, perto da Faculdade, a Associação Feminina Portuguesa para a Paz, AFPP, constituída em 1936, associação na qual inicia, no seu trajecto de luta, o combate pelos direitos das mulheres como vertente indissociável do combate contra o fascismo e pela democracia: “Eu queria trabalhar com mulheres e pelas mulheres”.
Nas actividades da AFPP, conhece Maria Lamas, sob cujo impulso renasce o Conselho Nacional das Mulheres Portuguesas. Abre-se um período intenso de amadurecimento em que Alda Nogueira se excede e se descobre nesse excesso. Colabora activamente na AFPP. Consegue organizar várias delegações do Conselho em Faro, Olhão, Silves, Monchique e, depois, no Porto. Colabora nas revistas “Mãos de Fada”, “Modas e Bordados” “Quatro Estações”. Faz conferências sobre a mulher e a ciência. E lecciona, durante três anos, passando pela Escola Industrial Alfredo da Silva no Barreiro, a Escola da Voz do Operário e um liceu em Olhão.
Licenciada, brilhantemente, em Ciências Físico-Químicas, abdica de uma carreira de investigação, que se lhe abre em Paris, entrando para a clandestinidade em 1949: “Na clandestinidade, uni-me ao homem que amava, tive um filho. Mas sempre aguardando o momento em que retomaria a carreira. Senti sempre muita nostalgia por não ter seguido a vida da investigação científica”, confessará mais tarde. Em 1957, no V Congresso do PCP, é eleita membro suplente do Comité Central.
Em 1959 é detida pela PIDE. Permanecerá presa desde outubro de 1959 até dezembro de 1969. É a primeira mulher condenada a 8 anos de prisão maior e ainda a 15 anos de perda de direitos políticos e medidas de segurança, por tempo indeterminado. Será a mulher com mais anos seguidos numa única prisão: 9 anos e 3 meses. “Na prisão retiraram-me os melhores anos da minha vida”, lamentará. Ainda no período de total isolamento, dilacerada pela saudade, pensando nas perguntas do filho, iguais às perguntas de todas as crianças, a que não poderá responder, imagina a história que escreverá no chamado regime normal, “A Viagem numa Gota de Água”, no qual inicia “A Viagem numa Flor”, esta só concluída já em liberdade. Quando sai, ao final de dez longos, longos anos, sofridos anos, é uma mulher só. Regressa à luta no seu partido. Pela libertação do país. Pelos direitos das mulheres. Na clandestinidade, como refugiada política na Bélgica, será a “mãe” do Movimento Democrático de Mulheres, constituído em 1968.
No regresso tornado possível com a Revolução de Abril, abre-se-lhe um novo ciclo de vida. Retorna ao espaço da infância, morando na Rua da Creche, revive o traçado das ruas, as vivências passadas, avidamente envolvida na construção do outro tempo que depois do tempo sombrio, finalmente, veio. Neste novo tempo, publicará os livros infantis escritos ou imaginados na prisão, “Viagem numa Gota de Água” e “Viagem numa Flor” e um outro, escrito já nos dias que Abril abriu, “As coisas também se zangam“, com ilustrações de Ana Maria Cunhal.
É deputada na Assembleia Constituinte em 1975 e será deputada na Assembleia da República nas legislaturas de 1976 até 1987. É presidente da Comissão Parlamentar da Condição Feminina na III Legislatura - de 1983 a 1985. Integra a Comissão para o Ano Internacional da Criança. Participa nas Comissões Parlamentares dos Negócios Estrangeiros e da Emigração, desenvolvendo nesta um notável trabalho na defesa dos emigrantes portugueses no mundo. Membro do Conselho Nacional do Movimento Democrático de Mulheres, MDM, é também, e sempre, apaixonada, empenhadamente, no combate pela libertação da mulher que se move – e faz mover outras mulheres. Em 1987, é homenageada com a entrega da medalha de honra do MDM, medalha que tão radicalmente lhe é devida. Em 1988, é condecorada com a Ordem da Liberdade, pelo Presidente da República, Mário Soares.
A deputada Alda Nogueira discursando no Hemiciclo, anos 70. Arquivo do jornal "Avante!". Imagem reproduzida no espaço ComunicAR (app.parlamento.pt).
Entretanto fora “a mãe” da revista “Mulheres”, publicada de 1979 a 1991, desvendando corajosamente a luta feminista em Portugal. Será também, no interior da direcção do Partido Comunista, cujo Comité Central integra, uma grande impulsionadora da apresentação da primeira legislação sobre o aborto, levada ao Parlamento em 1982.
Nem sempre as mulheres que ocupam a ribalta são as mais significativas na luta feminina e feminista. Alda manteve-se e foi mantida, muitas vezes, nos bastidores. Porque Alda Nogueira era capaz de ser bastante “incómoda”. Inquieta, rebelde, teimosa, esplendorosamente inconformada. Assim a guardamos como símbolo da luta das mulheres.
Nota: As frases de Alda Nogueira, aqui reproduzidas, são citadas do opúsculo “Maria Alda Nogueira, uma mulher, uma vida, uma história de amor”, que escrevi para a exposição sobre a sua vida, promovida pelo MDM, e que foi publicado a 29 de Novembro de 1987.