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84% das empresas não asseguram formação obrigatória aos trabalhadores

Governo anunciou na semana passada um acordo para aumentar a abrangência da formação contínua garantida pelas empresas. Mas a realidade é que apenas 16% cumprem a lei e não há lugar a penalizações.
Foto de Paulete Matos.

O Código de Trabalho, no seu artigo 131º, estipula que o empregador está obrigado a “promover o desenvolvimento e a adequação da qualificação do trabalhador, tendo em vista melhorar a sua empregabilidade e aumentar a produtividade e a competitividade da empresa”. Para esse efeito, tem de assegurar a cada trabalhador o direito à formação individual, através de um número mínimo de horas de formação, na empresa ou em entidades externas. O número de horas previsto em 2003 era de 35. Entretanto, em 2019, a lei passou a definir que o mínimo é de 40 horas.

O caderno de Economia do jornal Expresso cita dados do Relatório Anual da Formação Profissional, do Gabinete de Estratégia e Planeamento do Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social (GEP/MTSSS), que revela que a lei está longe de ser cumprida.

Em 2019, a taxa de participação dos trabalhadores nestas ações de formação não alcançava os 37%. Já a média de horas de formação ficava-se pelas 32,6. Apenas 16,3% das empresas cumpriam a lei.

Acresce que as multas aplicadas pela Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT) são irrisórias face à taxa de incumprimento. O não cumprimento do limiar mínimo de formação é considerado uma contra-ordenação grave, correspondendo-lhe coimas que podem variar entre os 612 euros e os 9.690 euros. Conforme explica o advogado da Antas da Cunha Ecija Pedro da Quitéria Faria ao Expresso, “não é habitual promoverem-se ações inspetivas apenas e só com esta motivação”. “O que acontece normalmente é que a ACT vai ao local por qualquer outra razão e acaba por identificar também esta infração”, acrescenta o jurista.

Fonte oficial da ACT adiantou que “desde 2017 e até 30 de dezembro do corrente ano foram autuadas 36 infrações relacionadas com o incumprimento das disposições do Código do Trabalho em matéria de formação (nomeadamente os artigos 131.º e 133.º). Foram ainda feitas 56 advertências e uma notificação para tomada de medidas”.

A lei determina que a formação que não é garantida ao trabalhador pode ser convertida num crédito de horas que pode, por sua vez, ao fim de dois anos, ser utilizado pelo trabalhador em ações de formação por si propostas. No caso de o trabalhador deixar a empresa, poderá usufruir de uma compensação pelas horas de formação que não chegou a ter. Se for esse o caso, terá de o solicitar à empresa e “tem até um ano após a cessação de contrato para o fazer”.

Na passada semana, o Governo assinou um acordo com a UGT e as confederações patronais no âmbito do Acordo para a Formação e Qualificação. No documento perspetiva-se, nomeadamente, a criação de um “enquadramento fiscal mais favorável” para as empresas que ultrapassem as 40 horas anuais de formação contempladas na lei.

Acordo sobre Formação “adia as soluções e perpetua os problemas”

A CGTP recusou-se a subscrever este acordo, alertando que o mesmo “adia as soluções e perpetua os problemas”.

Em comunicado, explica que faltam medidas “impulsionadoras de uma efectiva alteração das políticas de formação e qualificação” em Portugal, nomeadamente nos locais de trabalho.“A CGTP não subscreve o acordo para a formação e a qualificação, pois matérias que consideramos fundamentais para os trabalhadores estão ausentes no documento proposto pelo Governo em sede de concertação social, além do carácter insuficiente e por vezes desajustado das medidas avançadas”, destaca.

A Intersindical alerta que não é dada resposta aos trabalhadores sujeitos a horários desregulados, trabalho noturno e turnos rotativos, através do reforço do estatuto do trabalhador-estudante e da efetivação da obrigatoriedade de as empresas articularem os horários.

“Também de fora ficam soluções para os trabalhadores com vínculo precário, na maioria dos casos deixados à margem de qualquer investimento em competências profissionais”, acrescenta.

A CGTP escreve ainda que nada está “previsto em matéria salarial e de valorização das carreiras para os trabalhadores que obtêm uma maior qualificação”, acrescentando que não há qualquer referência “à dinamização da contratação colectiva”.

“Não foram acolhidas também as propostas da CGTP que previam um reforço da participação dos sindicatos nas empresas, nomeadamente na monitorização da formação ministrada, o que contribuiria para o reforço da sua qualidade e adequação às necessidades dos trabalhadores. […] Para a CGTP um acordo desta natureza deveria constituir um marco tendente à resolução dos problemas nacionais nesta área”, continua.

Neste sentido, a Intersindical considera que “o Governo não rompe com um passado de desaproveitamento de milhares de milhões de euros gastos em ‘formação profissional’, que não logrou tirar-nos do último lugar dos países europeus em matéria de qualificação média da população ativa, nada justificando um Acordo cuja real consequência será perpetuar os vícios e os bloqueios por demais conhecidos e que estão na origem dos problemas identificados”.

A CGTP afirma ainda que rejeita “o caminho de desaproveitamento de recursos disponíveis, pelo que continuará a reivindicar e a mobilizar os trabalhadores para que nos locais de trabalho, na contratação colectiva e na lei seja cumprida a exigência da efectivação do direito a formação profissional de qualidade para todos os trabalhadores, que tenha reflexos nos seus salários e no desenvolvimento das suas carreiras profissionais, luta essa que é indissociável da luta pelo aumento geral dos salários, pelo fim da precariedade e pelo emprego com direitos, pela valorização do trabalho e dos trabalhadores”.

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