Sabe bem… a poucos

porJosé Gusmão

O grupo [Soares dos Santos] já conta com muitas condenações por violações não apenas da “ética e do comportamento social responsável”, mas também da legislação fiscal portuguesa...

08 de janeiro 2012 - 17:06
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"O país vai mal (...) tem-se vindo a perder a noção de ética e do comportamento social responsável"

Alexandre Soares dos Santos

A frase acima citada é de um distinto membro da família Soares dos Santos. Esta família criou também uma Fundação que, entre outras coisas, visa “debater a realidade portuguesa”. Diz que estão preocupados com a educação, o abandono escolar, o envelhecimento, a pobreza, etc. E os direitos dos cidadãos, também estão muito preocupados com isso. Até fizeram um site. Mas não estão preocupados ao ponto de isso os levar a pagar impostos. Preocupados, mas não parvos.

Foi por isso que esta pacata família resolveu pegar nas suas parcas poupanças e metê-las na Holanda, onde estarão a salvo das obrigações fiscais que o Estado português lhes impõe. Mesmo sendo estas obrigações já bastante modestas, sobretudo quando comparadas com o assédio fiscal que tem sido movido aos rendimentos do trabalho, de todas as formas que ocorreram a quem nos governa.

Este Grupo já conta com muitas condenações por violações não apenas da “ética e do comportamento social responsável”, mas também da legislação fiscal portuguesa (pela qual foi recentemente condenada pelo Tribunal Central Administrativo Sul, num processo contra o fisco) ou da legislação laboral polaca, por “violações massivas dos direitos dos trabalhadores”. Mas infelizmente esta operação é, tudo o indica, legal. Mas não devia.

As disparidades na tributação das SGPS, seja ao nível das mais-valias, seja ao nível da distribuição dos dividendos, são significativas. Mas a multiplicação das “deslocalizações fiscais” arrisca-se a torná-las bem mais homogéneas. Por baixo. É que num espaço económico com livre circulação de capitais e sem harmonização fiscal (com imposição de mínimos), é quase inevitável que alguns Estados não resistam à tentação de baixar os seus níveis de tributação, aumentando a pressão sobre os restantes. O problema de coordenação é grande e por isso é que tem de haver harmonização.

Esse é, aliás, um dos elementos mais caricatos da integração assimétrica e disfuncional da Zona Euro. É esta possibilidade extraordinária de os acionistas de uma empresa poderem pagar impostos numa jurisdição fiscal nacional sem ter de cumprir nenhum dos outros requisitos. O melhor de dois mundos: O Pingo Doce paga salários baixíssimos, à portuguesa, aos trabalhadores, mas para efeitos fiscais os seus acionistas escolhem a lei que mais os beneficia.

Este processo tem sido não apenas permitido, mas até encorajado por quem tem definido o processo de integração europeia. O termo “competitividade fiscal” tem sido utilizado para justificar uma corrida para o fundo que promete conhecer novos episódios, caso seja aprovada uma diretiva comunitária sobre uma Base de Incidência Consolidada e Comum para a Tributação das Empresas (CCCTB).

Essa diretiva propõe a criação de uma base de incidência comum em toda a União Europeia. A ideia não parece má à primeira vista, mas tem dois pequenos problemas: a adesão a este regime por parte das empresas é voluntária e o regime não prevê uma harmonização das taxas. Assim sendo, a criação deste regime tem como consequência fundamental a aceleração da competição entre estados, reduzindo os níveis de fiscalidade sobre as empresas.

Apesar de tudo, é possível evitar este processo. O Bloco tem apresentado uma proposta, que aliás não faz outra coisa senão retomar uma recomendação da DGCI, que consiste em introduzir o conceito de “direção efetiva” em termos de tributação das empresas. A introdução desse conceito significaria que as empresas (e os seus acionistas) que tenham a sua direção efetiva em território português seriam tributadas de acordo com a nossa legislação ou, pelo menos, que nunca poderiam obter vantagens fiscais através da transferência para uma outra jurisdição da sua sede ou de qualquer das suas participações.

“Sabe bem pagar tão pouco”. É uma frase familiar para todos os que vêm televisão e a ouvem todas as noites. É marketing da melhor qualidade.

É bom saber que o dinheiro que está a ser roubado aos portugueses, através de cortes salariais, aumentos dos impostos e degradação dos serviços públicos serve para financiar publicidade tão eficaz. Mas a ironia do slogan é um pouco insuportável. Porque é por causa desta gente e da sua esperteza que a esmagadora maioria dos portugueses irá em 2012 pagar bem mais com bem menos. Sabe bem pagar pouco? Sim, mas não é para todos.

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