Está aqui

Fuga de impostos para a Holanda causa indignação

O truque fiscal de Alexandre Soares dos Santos já tinha sido seguido por 19 das 20 empresas cotadas no PSI-20 e pela própria Jerónimo Martins, que usa a Holanda como sede dos investimentos na Polónia. Mas a imagem de "portugalidade" associada aos seus produtos fica agora ameaçada, dizem os especialistas.

Trata-se de uma decisão "inconsistente. Uma marca não pode ter um discurso de portugalidade numa área, e um discurso de aproveitamento fiscal na outra", diz Carlos Coelho da Ivity Brand Corp, que gere a marca da Coca-Cola em Portugal, citado pelo Diário Económico. Este especialista em marketing diz que  os consumidores "não estão só atentos às promoções" dos supermercados Pingo Doce e "poderão considerar os anúncios hipócritas".

A indignação com a fuga do grupo de Alexandre Soares dos Santos para a Holanda continua a crescer nas redes sociais e os grupos no Facebook "Salário Mínimo holandês para os trabalhadores do Pingo Doce já" e "Boicote ao Pingo Doce" já ultrapassaram os mil apoiantes cada um.

As reações negativas surgiram de vários setores da sociedade, com o presidente da Comissão Nacional Justiça e Paz a considerar estarmos "perante uma situação de pouca responsabilidade social". Citado pelo Público, Alfredo Bruto da Costa diz que "uma empresa quando toma esta decisão tem de responder a questões de natureza ética perante si própria" e deixa a pergunta "a que sociedade a empresa deve o facto de possuir este capital?", recordando a interrogação de Soares dos Santos num canal de televisão em abril de 2011 sobre a saída para a crise: "nós temos é de olhar e perguntar: o que é que eu posso fazer pelo meu país?". Também Eduardo Lourenço comentou este caso, para deixar o aviso de que "pagar mais impostos enquanto alguns colocam o dinheiro onde menos pagam cria uma certa perplexidade ao cidadão comum". O pensador que foi distinguido recentemente com o prémio Pessoa diz ainda que "parece que estamos a entrar numa lei da selva na visão marxista do termo". Também o filósofo José Gil recorreu à noção de "capital sem pátria" de Marx para classificar de "inestética" esta fuga ao sistema fiscal português. "Vai aguçar-se a hostilidade latente que há em relação aos ricos, esta crítica permanente da sociedade portuguesa vai ser aguçada", prevê José Gil.

Francisco Louçã, do Bloco de Esquerda, preferiu sublinhar que ao mesmo tempo que o governo e a troika apresentam medidas que "pretendem destruir a economia", esta decisão "é uma prova de que os donos da economia do país preferem a mesquinhez à responsabilidade". E recordou ainda o caso do único português mais rico que Soares dos Santos, Américo Amorim, envolvido num processo de fraude fiscal em que "se atrevia a registar para abater no IRC das suas empresas despesas pessoais como viagens de família, festas de aniversário, um cinto de pele de crocodilo e objetos de higiene pessoal".

Também na imprensa económica chovem as críticas à fuga do grupo de Soares dos Santos ao pagamento de impostos em Portugal. O diretor do Diário Económico diz que a decisão do segundo homem mais rico de Portugal de mudar a sede da sociedade que controla o grupo Jerónimo Martins para a Holanda não mereceria nenhum reparo, "não fosse Soares dos Santos um empresário que nos pede, em tom de lição moralista, para não desistirmos do País". Para António Costa trata-se de uma contradição evidente, até "porque os contribuintes individuais e as pequenas e médias empresas não podem ir para a Holanda, mas têm de ouvir o patriarca da família Soares dos Santos, e o segundo homem mais rico do País a dizer como é que se devem comportar para que Portugal saia da situação de emergência em que está".

António Costa contraria ainda as declarações de Soares dos Santos ao seu jornal e diz mesmo que "a primeira e mais importante razão para a escolha da Holanda não é o acesso a um novo mercado de capitais, é o pagamento de menos impostos do que pagaria em Portugal, hoje e no futuro. Porque, como diz o slogan do Pingo Doce, ‘sabe bem pagar tão pouco'", conclui o diretor do Diário Económico.

No Jornal de Negócios, Pedro Santos Guerreiro insurge-se contra o escândalo público que a fuga da Jerónimo Martins levantou. "A decisão da família Soares dos Santos pode ser criticada mas não pelas razões que ontem se ouviram. A Jerónimo Martins não vai pagar menos impostos. E a família que a controla também não. Até porque já pagava poucos", diz o diretor do Negócios. Santos Guerreiro acusa o
empresário de ter "cortado o futuro" com Portugal há muito tempo, com a estratégia de crescimento do grupo a passar cada vez mais pelo estrangeiro. "Investir fora do país não é traição. É apenas desistir dele. E a Jerónimo Martins já partiu para a Polónia há muitos, muitos anos - ou ninguém reparou?", pergunta o diretor do Jornal de Negócios no seu editorial.

A chamada deslocalização fiscal atraiu já 19 das 20 empresas cotadas no PSI-20, que detêm 74 sociedades com sede em paraísos fiscais ou noutras zonas mais vantajosas do ponto de vista de quem quer fugir às obrigações fiscais em Portugal. O Banco Espírito Santo lidera este grupo em número, com dez sociedades, mais uma que o Banif. O destino preferido é a Holanda e segundo o jornal Público 16 destes grupos têm 31 sociedades registadas em Amesterdão.

Comentários (1)

Neste dossier:

A fuga do PSI-20 para a Holanda

A transferência da sede da holding do grupo Soares dos Santos para a Holanda chamou a atenção para uma prática dos grandes grupos portugueses. O grupo proclama que não se trata de fuga aos impostos, a Google vangloria-se de ter “poupado” 3.100 milhões de dólares com o esquema da “sanduíche holandesa”. O Bloco apresenta projetos para combater a fuga ao fisco. Dossier organizado por Carlos Santos.

Um grupo exemplar

Que têm em comum António Barreto, Dias Loureiro, António Borges e Artur Santos Silva? Todos estão na folha de pagamentos da Jerónimo Martins, um grupo exemplar, não só na esperteza fiscal. Por Jorge Costa

Pingo Doce distribui panfletos aos clientes

A Jerónimo Martins está a distribuir aos clientes do Pingo Doce um panfleto assinado pelo administrador Pedro Soares dos Santos “em nome dos mais de 25 mil colaboradores que o Pingo Doce emprega em Portugal”, onde se queixa de “graves inverdades” e refere, tal como também se pode ler na entrada do site dos supermercados, que “a sede do Pingo Doce continua em Portugal”.

Bloco apresenta dois projetos para combater a fuga fiscal das holdings

O Bloco apresentou na AR dois projetos para combater a fuga ao fisco dos grandes grupos económicos: um (que “define o conceito de “direção efetiva em território português”) para alargar a malha do código do imposto para as empresas que saiam do país continuem a pagar impostos em Portugal e outro, que “elimina as isenções de tributação sobre mais-valias obtidas por SGPS e fundos de investimento”.

Fuga das empresas do PSI-20

19 dos 20 grupos económicos do PSI-20 (o índice da Bolsa de Lisboa) têm a sede em outros países, para auferirem de vantagens fiscais em relação a Portugal. A Holanda é o destino preferido das empresas do PSI-20.

“Sanduíche holandesa” permite à Google pagar menos 3.100 milhões de dólares

A “sanduíche holandesa” é um estratagema que as multinacionais usam para fugir ao fisco e pagar menos impostos. A Google anunciou no final de 2010 que nos três anteriores tinha pago menos 3.100 milhões de dólares, usando subsidiárias na Holanda, na Irlanda e nas Bermudas.

Em 2011, quase 70% do investimento de Portugal no exterior foi para a Holanda

Entre janeiro e outubro de 2011, 6.587 milhões de euros, 70% do investimento direto de Portugal no exterior foi para a Holanda. Entre 1999 e 2009, a Holanda foi sempre o principal destino do investimento de empresas portuguesas no exterior.

Pingo Doce passa a pagar impostos na Holanda

O capital maioritário que a família Soares dos Santos detém na Jerónimo Martins, empresa proprietária do Pingo Doce, passaram a ser controlados indiretamente através de uma sociedade na Holanda, país com um regime fiscal muito mais suave. Bloco critica decisão "mesquinha" e recorda que 19 das 20 empresas do PSI 20 já se encontram cotadas na Holanda. (notícia atualizada).

Lucrar lá fora, não pagando cá dentro

Esta é a história de uma casa construída para ser roubada. E os rostos deste assalto são os das maiores empresas portugueses.

Sabe bem… a poucos

O grupo [Soares dos Santos] já conta com muitas condenações por violações não apenas da “ética e do comportamento social responsável”, mas também da legislação fiscal portuguesa...

Fuga de impostos para a Holanda causa indignação

O truque fiscal de Alexandre Soares dos Santos já tinha sido seguido por 19 das 20 empresas cotadas no PSI-20 e pela própria Jerónimo Martins, que usa a Holanda como sede dos investimentos na Polónia. Mas a imagem de "portugalidade" associada aos seus produtos fica agora ameaçada, dizem os especialistas.

O pingo amargo da evasão fiscal

O grupo Jerónimo Martins fatura mais de 8 mil milhões de euros, mas não pode contribuir com o pagamento de impostos para o país que lhe garante os lucros.

As migalhas que sobram da toalha da mesa de um capitalista

O grupo Jerónimo Martins e em particular o seu maior accionista, Alexandre Soares dos Santos, decidiram em Carta Aberta reconhecer que os salários que pagam aos seus trabalhadores/as são miseráveis e de forma “solidária” ajudar os trabalhadores em situações de necessidade extrema.