O povo que insiste em dizer “Não!”

porMarisa Matias

Os islandeses voltaram a dizer “Não!”: “não assumimos a responsabilidade dos erros cometidos por um banco”. Se quisermos fazer uma equivalência directa ao que se passa actualmente em Portugal, o que os islandeses fizeram foi recusar salvar o seu BPN pelos erros que cometeu.

18 de abril 2011 - 1:05
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É também através do exemplo da Islândia que percebemos que em Junho não estaremos “apenas” a votar numas “eleições comuns”, estaremos a fazer o nosso próprio referendo.

Da Islândia pouco se tem falado em Portugal. Em situações normais, este facto não seria relevante. Mas não é de situações normais que estamos a falar. Trata-se de um país europeu mergulhado na crise, tal como nós, que sofre já da austeridade imposta pelo FMI, a quem já batemos à porta. Numa altura como estas devia, pois, falar-se da Islândia, e muito.

Pela segunda vez, os cidadãos deste país foram chamados a referendo para dizerem se pagariam ou não os 4 mil milhões de euros que os governos inglês e holandês reclamam em resultado da falência do Banco Icesave. Os islandeses voltaram a dizer “Não!”: “não assumimos a responsabilidade dos erros cometidos por um banco”. Se quisermos fazer uma equivalência directa ao que se passa actualmente em Portugal, o que os islandeses fizeram foi recusar salvar o seu BPN pelos erros que cometeu.

Em declarações recolhidas por Helena Carvalho num artigo que publicou recentemente, dizia uma cidadã islandesa: “Imagine que o seu governo lhe pede a si e à sua família para que faça o sacrifício de pagar 50 mil euros porque o banco foi à falência. Isto pareceria uma situação peculiar mas não nos tempos que correm”. Pois é, tem toda a razão. Nos tempos que correm pedir às famílias que paguem pelos erros dos bancos passou a ser uma coisa que devemos entender como “normal”. Os islandeses não o entendem assim e ainda bem. A mesma cidadã referiu-se ao referendo da semana passada como “um espectáculo único de pessoas que estão a viver uma crise”. Eu não o diria melhor, um espectáculo de democracia. Este resultado é tão mais relevante se tivermos em conta as ameaças que foram feitas durante a campanha - “se vencer o não, as consequências serão muito piores”. É caso para perguntar: onde é que já ouvimos isto? Infelizmente, já ouvimos vezes demais e acanhamo-nos. Criou-se o caminho da “solução única”, como se alternativas não houvesse.

Os islandeses estão já a sofrer a intervenção do FMI, estão já a pagar a sua dívida pública, estão já a sofrer as consequências económicas e sociais disso mesmo. Recusaram assumir a dívida de um banco e isso permitiu que a economia recomeçasse a crescer. O futuro é incerto, mas é mesmo essa a natureza do futuro. Aqueles que nos apresentam o futuro como certo são os mesmos que nos têm agravado a perda de direitos sem que a tão anunciada retoma após os sacrifícios se veja sequer ao fundo do túnel.

É também através do exemplo da Islândia que percebemos que em Junho não estaremos “apenas” a votar numas “eleições comuns”, estaremos a fazer o nosso próprio referendo. Aí teremos a oportunidade de dizer se queremos continuar a pagar a dívida que não criámos ou se pagamos apenas a parte, com transparência e democracia. É também por tudo isto que uma auditoria à dívida portuguesa é tão urgente para que possamos saber de quantas partes se faz o todo e quais as partes que são dívida privada. Entre a democracia e o medo, a democracia.

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