Quando a Islândia reinventa a democracia

Desde 27 Novembro a Islândia dispõe de uma Assembleia Constituinte composta por 25 cidadãos, eleitos pelos seus pares. Objectivo: reescrever a Constituição de 1944. Por Jean Tosti/CADTM.

16 de abril 2011 - 1:26
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Em 2008, o Governo conservador acabou por cair devido à pressão das sucessivas manifestações, com o povo a pedir a demissão do Primeiro-Ministro. Foto LUSA/EPA/SIGURDUR J. OLAFSSON

Desde 27 Novembro a Islândia dispõe de uma Assembleia Constituinte composta por 25 cidadãos, eleitos pelos seus pares. Objectivo: reescrever a Constituição de 1944, extraindo daí as lições da crise financeira que, em 2008, atingiu duramente o país.

Depois desta crise de que está longe de se recompor, a Islândia tem experimentado uma série de mudanças bastante dramáticas, começando com a nacionalização dos três maiores bancos, seguida pela demissão do governo de direita, sob pressão popular. As eleições legislativas de 2009 levaram ao poder uma coligação de esquerda, formada pela Aliança (união de partidos composta por sociais-democratas, feministas e ex-comunistas) e pelo Movimento dos Verdes da esquerda. Era uma estreia para a Islândia, assim como a nomeação de uma mulher, Johanna Sigurdardottir, como primeiro-ministro.

Rapidamente, o novo governo enfrentou um problema espinhoso: a liquidação nos Países Baixos e Reino Unido de uma dívida de 3,5 biliões de euros após o colapso do banco online Icesave cujas operações eram primariamente orientados para esses dois países. Sob pressão da União Europeia, à qual os sociais-democratas gostariam de aderir, o governo faz votar em Janeiro de 2010 um projecto de lei que autoriza esse reembolso, o que representaria, para cada islandês, desembolsar durante oito anos, um montante de cerca de 100 euros por mês. Mas o presidente recusa-se a ratificar a lei cujo texto é então submetido a referendo. Mais de 93% dos islandeses votaram contra o pagamento da dívida (06 de Março), e o problema continua por resolver.

É neste contexto que a Islândia decidiu alterar a sua Constituição, que na verdade nunca fora realmente escrita: quando em 1944 foi proclamada a república, apenas copiou, em traços largos, a Constituição da Dinamarca, país de que a Islândia dependia há várias décadas, simplesmente substituindo o termo “Rei”pelo de“Presidente da República”. 

Assim, trata-se de escrever por inteiro uma nova constituição, e por isso houve que confiar no povo soberano. Primeiro, fez-se um apelo a candidaturas (com excepção dos eleitos nacionais, qualquer pessoa podia participar desde que tivesse dezoito anos de idade e fosse apoiada por, pelo menos, trinta pessoas), que obteve resposta de 522 cidadãos. Entre estes foram eleitos 25 constituintes.

A primeira reunião ocorrerá em meados de Fevereiro e a primeira versão será apresentada antes do Verão. Entre a maioria das propostas que surgem, podemos notar a separação entre Igreja e Estado, a nacionalização dos recursos naturais e uma clara separação dos poderes executivo e legislativo.

Certamente, a Islândia é um país pequeno com cerca de 320 mil habitantes. Dá, no entanto, uma grande lição de democracia a estados grandes como a França: lembremos que aí, a reforma constitucional de 2008 foi totalmente desenhada no Palácio do Eliseu, e que os parlamentares só conseguiram aprová-la sem unanimidade depois de submetidos, durante semanas, à pressão insuportável do chefe de Estado.


Artigo de Jean Tosti/CADTM (Comité pela Anulação da Dívida do Terceiro Mundo). Tradução de Deolinda Peralta.

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