Enquanto prossegue a metódica execução do genocídio na Palestina e a invasão do Líbano recebe aplauso de todos os quadrantes políticos israelitas, falar de Paulo Rangel parece um despropósito. Nada do que possamos fazer em Portugal - ou mesmo tudo o que se possa conseguir de um governo como o português - contará sequer uma vírgula na história deste massacre, não é?
Não, não é.
O navio Kathrin, carregado com toneladas de explosivos para o exército genocida, está a chegar ao porto esloveno onde deverá descarregar. Mas, garante o governo português, não atracará em nenhum porto sem antes retirar a bandeira portuguesa do seu mastro. Parece nada, até ridículo, uma futilidade em pleno Inferno. Mas esta pequena vitória do movimento de solidariedade com a Palestina é valiosa porque indica um caminho.
Israel continua a beneficiar do fornecimento de armas norte-americano e europeu, sobretudo alemão. Enquanto esse fluxo não terminar, o plano sionista de expansão e genocídio seguirá o seu curso. Além de falar e continuar a falar, além de ir às ruas e às escolas quebrar o silêncio sobre o extermínio e divulgar a resistência anticolonial na Palestina, o que podemos fazer de efetivo é pressão urgente para criminalizar, apoiados nas decisões do Tribunal Internacional de Justiça, todo o apoio material ao Estado genocida.
Mesmo que só um milímetro, apertou-se ontem o cerco aos governos ocidentais que sustentam este crime. Portugal teve de reconhecer o risco de ser cúmplice do crime. À recusa de autorização à venda de armas a Israel, soma-se agora este novo precedente que Paulo Rangel teve de aceitar: há mesmo um genocídio e o transporte de material militar por entidades sob jurisdição portuguesa configura cumplicidade e tem que ser impedido. Palmas para Rangel? Não! Este é o fruto da campanha do movimento português. Lembre-se que, depois de meses de ataque a Gaza, já com milhares de civis mortos sob os escombros das suas casas, Paulo Rangel ainda garantia na televisão que “não há genocídio nenhum!”.
Fazer a nossa parte
Esta é uma vitória do movimento de solidariedade português, das pessoas que acamparam nas faculdades, que foram às manifestações, que assinaram a nossa petição, que saem de casa com a bandeira da Palestina na mochila ou na lapela. Continuemos. Está ao nosso alcance conseguir a interdição do espaço aéreo e das águas territoriais portuguesas à passagem de material militar para Israel, bem como de exportações israelitas oriundas dos territórios ocupados, conforme a resolução aprovada na ONU na sequência da deliberação do Tribunal Internacional de Justiça.
Este processo deixou também à vista que Portugal mantém, na Madeira, um foco de infeção económico e político, tão perigoso como o off-shore onde máfias de todo o mundo fazem a sua lavandaria. O Registo Internacional de Navios da Madeira é um perigo para Portugal, ao permitir que circulem pelo mundo centenas de grandes cargueiros de propriedade estrangeira, sob jurisdição portuguesa, mas sem qualquer controlo efetivo quanto ao cumprimento das leis e convenções nacionais a bordo. A mercadorização da bandeira portuguesa para semelhantes efeitos é um negócio cujo benefício para o país está por explicar, mas cujos graves riscos estão bem à vista.
As próximas iniciativas de solidariedade com a Palestina, a começar pelas jornadas descentralizadas que decorrem a partir de hoje e até à grande manifestação marcada para dia 12 de outubro, em Lisboa, recebem com esta pequena vitória um incentivo adicional. Façamos a nossa pequena parte na libertação da Palestina. O fim do genocídio também depende de se manter viva a solidariedade internacional. Vale a pena lutar.