Irão, uma derrota para o Guia e... para a imprensa ocidental

19 de June 2013 - 0:17

Elegendo o candidato que mostrou maior distância em relação ao sistema, os eleitores infligiram uma derrota humilhante ao Guia Ali Khamenei – e mesmo ao próprio regime. Os eleitores infligiram também uma derrota humilhante à imprensa ocidental. Por Alain Gresh

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Hassan Rohani foi eleito presidente da República Islâmica à primeira volta. Segundo os números oficiais, a participação foi de 72,7%

Com 18.613.329 votos, mais de 50% dos sufrágios expressos, Hassan Rohani foi eleito presidente da República Islâmica à primeira volta. Segundo os números oficiais, a participação foi de 72,7% e o candidato que ficou em segundo lugar, Mohammad Baqer Qalibaf, presidente da Câmara de Teerão, recolheu apenas 6.077.292 votos.

Elegendo o candidato que mostrou maior distância em relação ao sistema, os eleitores infligiram uma derrota humilhante ao Guia Ali Khamenei – e mesmo ao próprio regime. Os elementos conservadores sentiram isso. Tabnak, uma agência de informação próxima dos conservadores, chama a atenção a 15 de junho para “uma derrota inevitável para os 'principalistas'” - é assim que é designado o campo conservador. E escreve: “Os 'principalistas' devem compreender que têm responsabilidade [no que aconteceu]. Devem perceber que a era em que monopolizavam os média acabou”.

Os eleitores infligiram também uma derrota humilhante à imprensa ocidental. O que ouvimos sobre a eleição presidencial? Estava decidida à partida; os eleitores não se deslocariam; o regime tinha bloqueado qualquer possibilidade de mudança; o Guia decidia tudo. Mas o homem mais próximo de Ali Khamenei, Said Jalili, obteve apenas 4.168.946 votos, ficando em terceiro lugar com pouco mais de 11% dos votos. Há muito que os média ocidentais deixaram de se interessar com o país real, com a sua vida política e social, reduzindo tudo a caricaturas.

Mesmo o debate sobre o nuclear entre os diferentes candidatos, bastante vivo, não captou verdadeira atenção. Sim, debate-se no Irão, como o confirmam as críticas de Ali Akbar Velayati, um antigo ministro dos negócios estrangeiros – também ele próximo de Khamenei – que denunciou a rigidez de Said Jalili na questão nuclear.

Claro que este debate se desenrola num quadro estreito, como testemunha a recusa em aceitar as candidaturas à presidência de alguns candidatos como Hachemi Rafsandjani, ou o candidato apoiado pelo presidente Mahmoud Ahmadinejad, Esfandiar Rahim Mashaie. Claro que numerosos opositores foram presos e que o Irão está longe de ser um modelo de democracia. Mas imaginamos uma eleição no “nosso” aliado saudita? Imagina-se uma eleição na “nossa” aliada jordana, em que os resultados não fossem conhecidos à partida?

Sobre as primeiras lições deste escrutínio, vale a pena ler o sempre pertinente Juan Cole “An Outbreak of Reasonableness in Tehran : Top Ten Conclusions from Iran’s Early Election Returns” (Informed comment, 15 de junho). Cole sublinha a forte participação eleitoral, a derrota de Said Jalili e as declarações do recém eleito sobre o movimento verde:

Fui conselheiro para a segurança nacional do Irão durante dezasseis anos, nas administrações Rafsandjani e Khatami. Por conseguinte, sei como enfrentar questões delicadas. Se for eleito, farei tudo para conseguir a libertação daqueles que foram encarcerados na sequência dos acontecimentos lamentáveis de 2009. Sei que os poderes constitucionais do presidente no Irão não se estendem aos domínios que estão fora da alçada do executivo. No entanto, estou bastante otimista sobre a possibilidade de poder unir e caminhar para um necessário consenso nacional para melhorar a situação atual de Moussavi e Karoubi [os dois dirigentes do movimento verde em prisão domiciliária].”

No campo da política externa, Juan Cole reproduz esta declaração de Rohani:

A relação Irão-Estados Unidos é uma questão complexa e difícil. Uma história amarga, cheia de desconfiança e animosidade, está subjacente a essa relação. Tornou-se uma doença crónica de tratamento difícil mas possível, desde que reinem a boa fé e o respeito mútuo. (…) Como moderado, tenho um plano por etapas para neutralizar a hostilidade e conduzir as coisas para um estado de tensão gerível e em seguida empenhar-me na promoção da interação e do diálogo entre os povos para promover uma 'détente' e finalmente atingir o ponto de respeito mútuo que os dois povos merecem”.

O papel do presidente no campo da política externa não é negligenciável, e o antigo presidente Khatami permitiu uma abertura na questão nuclear – na época em que a França e a União Europeia não estavam pura e simplesmente alinhadas com os Estados Unidos -, e também normalizou relações com os países do Golfo. Como explica Trita Parsi,

"Iran’s election is neither free nor fair — but its outcome matters” (“As eleições no Irão não são livres nem justas, mas o seu resultado conta”, The Globe and Mail,13 de junho):

Não se trata apenas de Rohani, mas também do pessoal que o vai acompanhar no governo, que preencher os principais ministérios e instituições e reconfigurar as condições de tomada de decisão do regime. Quando Mahmoud Ahmadinejad chegou ao poder, passou à reforma, em poucos meses, oitenta dos embaixadores mais experimentados e das personalidades mais qualificadas em política externa. Muitos de entre eles eram pragmáticos e competentes e desempenharam um papel chave nas decisões mais conciliadoras do Irão, como a colaboração com os Estados Unidos no Afeganistão e a suspensão do enriquecimento [do urânio] em 2004. Eles foram substituídos por ideólogos inexperientes mas fiéis a Ahmadinejad. A inversão desta tendência pode revelar-se preciosa.

Depois, Rohani e o círculo de pessoas que o acompanha têm uma visão do mundo diferente da de Ahmadinejad e do Guia supremo. A elite associada a Rohani, apesar de suspeitar e desconfiar do Ocidente, e estar decidida a ganhar vantagem na questão nuclear, não vê o mundo de forma maniqueísta. O mundo exterior pode ser considerado como hostil, mas os interesses comuns ainda podem ser encontrados nele. A colaboração ainda é possível. Ao invés de insistir na ideologia e na resistência, esta elite orgulha-se de ser pragmática e de estar interessada em primeiro lugar nos resultados (claro, no contexto do espectro político da República islâmica). Não é nenhuma surpresa que a maioria dos acordos concluídos pelo Irão em questões sensíveis tenham sido obtidos durante os períodos em que esta corrente dominava o processo de decisão no Irão.”

Um diálogo dos Estados Unidos com o Irão poderá ser aberto, apesar da propaganda israelita?

É triste pensar que, mais uma vez, a França vai deixar passar a sua oportunidade. As obsessões anti-iranianas do poder e daqueles que estão encarregues do dossier (observa-se uma forte continuidade entre a presidência de Sarkozy e a de Hollande nesta matéria) traduzem-se de facto em todos as áreas, especialmente no caso da Síria, pela recusa de Paris à participação do Irão nas negociações de Genebra.

Artigo de Alain Gresh, publicado em blog.mondediplo.netTradução de Carlos Santos para esquerda.net